* Ruy Belo:
As grandes insubmissões sempre foram para mim as pequenas. Na minha vida, lembro duas.
Começava um ano lectivo. Andaria no segundo ano do liceu. Era a época da feira da piedade. Cheguei de férias na minha terra e vi o vítor a andar de carrocel. Esperava que a volta acabasse para o abraçar. Fui esperando, ele nunca mais descia. Uma volta, mais outra, outra ainda. Fui contando: vinte. O vítor tinha vinte escudos. Eu já o respeitava, porque era muito alto. Passei a respeitá-lo mais. O Vítor era capaz de gastar vinte escudos no carrocel.
Outra grande insubmissão foi a do maurício, também nos primeiros anos do liceu.
Um dia o maurício faltou à aula das nove. Até aí, nada de particular. Saímos para o pátio e o maurício estava no campo de basket, perfeitamente equipado, sozinho, a lançar a bola ao cesto.
– Ó maurício, faltaste à aula das nove.
E o maurício, sem responder, imperturbável, continuava a lançar a bola ao cesto.
Tocou para a aula das dez.
-Ó maurício, não vens à aula?
O maurício não respondia. Continuava, imperturbável, a lançar a bola ao cesto.
Faltou à aula das dez, faltou toda a manhã. Nos intervalos saíamos e logo ouvíamos a bola contra a tabela. O maurício, sozinho, continuava a lançar a bola ao cesto.
Só se foi vestir quando tocou para a saída da última aula dessa manhã. Esperámos todos por ele. Não lhe perguntámos nada. E seguimo-lo cheios de admiração. O maurício, apesar dos professores, apesar dos contínuos, apesar da campainha, faltara a todas as aulas.
Toda a manhã jogara basket. Sozinho. Contra professores, contra contínuos, contra a campainha.
Ruy Belo
in Todos os Poemas, Círculo de Leitores
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