Portal Vermelho Dia: 08/09/2019 às 11:12:22
Notícias
Claudio Daniel: Sete poemas de Kátia Marchese
Uma poética que revela cenas, objetos e situações do cotidiano, captados por um olhar fotográfico que transforma o banal no nunca visto: assim poderíamos definir a escrita de Kátia Marchese.
Por Claudio Daniel*
A poeta Kátia Marchese: compromisso com a rigorosa construção da linguagem e com a sinceridade das palavras A poeta Kátia Marchese: compromisso com a rigorosa construção da linguagem e com a sinceridade das palavras
Em sua lírica concisa, substantiva, recortada, ela nos apresenta à geografia e aos itinerários da Baixada Santista, a recordações da infância, aos tristes acontecimentos da realidade brasileira, com um duplo compromisso: o primeiro, com a rigorosa construção da linguagem, o segundo, com a sinceridade das palavras, que por vezes assumem uma dimensão visceral, como um grito guardado numa concha.
Poesia delicada, sutil, mas também incisiva e ferina, de uma autora que sabe fazer aquilo que quer com as palavras.
GOLPE
A mulher cortou
a primavera.
Observo a aridez
do sol a pino.
Ela tem um doberman
acredita em transgênicos
BEIRA
A menina ruiva
com coração de coelho
tinha bolsos cheios de pedras
e um rio profundo a sua frente.
Não podia dançar
com demônios em suas costas.
-Por favor, diga meu nome e não haverá nenhum afogamento.
A MORTE DA AFILHADA
DE NOSSA SENHORA APARECIDA
Na lápide de cimento fresco,
com palito de fósforo, escrevi teu nome:
Odete Rodrigues Salgado
Na tua casa, no tanque,
a roupa aguardava desde ontem.
Silenciosa, lavei e torci as dores.
Tia, não lembro datas.
Teu nome, letreiro na memória,
ficou maior que o tempo.
VESTIDOS NÃO CHORAM NO ARMÁRIO
A casa inflada de sons,
mulheres e palavras
motrizes dos desmoronamentos.
CÚMULOS
Nunca mais
olhou para o Céu-
cemitério
[o azul é vingativo]
Girou o eixo,
a Terra paira sobre sua cabeça,
o verde pende
e agarra as mãos.
Deixa o abismo aos pés.
CANAL 7
Da janela avisto a barra
esquina Constantinopla.
Navios em trânsito
apitam seus mundos
dentro dos meus.
O INCONTORNÁVEL
(o contrário)
Encosto o vazio à palma da mão
porque sofro por teu azul.
* Claudio Daniel, poeta, tradutor e ensaísta, é formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, com mestrado e doutorado em Literatura Portuguesa pela USP, além de pós-doutor em Teoria Literária pela UFMG. É colaborador do Prosa, Poesia e Arte.
Sem comentários:
Enviar um comentário