* Miguel Esteves Cardoso
OPINIÃO
Rezo para que o passôbem nunca mais volte. Mal por mal, preferia andar sempre de chapéu.
27 de Julho de 2020, 6:46
O passôbem está condenado a juntar-se ao minuete. Um dia não muito distante só os especialistas saberão que uma dessas coisas é uma dança do século XVI e a outra um hábito estranho de apertar a mão de outra pessoa para cumprimentá-la.
Diz-se que começou para se mostrar que estava ocupada a mão da espada, tranquilizando o interlocutor que não seria imediatamente decapitado. Esta explicação, pelo menos para canhotos como eu, cai em saco roto.
Em plena pandemia um livreiro desconhecido veio a correr para mim, abanando a mão direita no meio de uma feira e proclamando que “queria apertar a mão do homem que tinha escrito O Cabo das Tormentas”.
Quando recusei, ofendeu-se. “Olha este! Olha este armado em bom, que não quer apertar a mão à gente!”
Ainda tentei explicar que eu não tinha escrito qualquer livro chamado O Cabo das Tormentas mas ele ainda se picou mais: “Mas escreveu outros tantos, olha porra!”
Também a palavra “perdigoto” se perdeu, tendo-se transformado na temida “gotícula”.
Por outro lado, finalmente faz sentido a expressão “bater a bota com a perdigota”. Bater a bota é morrer, a perdigota pode matar e é mau sinal quando estão sincronizadas.
Tremo de pensar que há culturas em que os homens cospem para as palmas das mãos antes de uma tarefa árdua - antes, por assim dizer, de deitar mãos à obra.
Se tivéssemos o azar de interrompê-los, ofereciam-nos a mão estendida, procurando o calor e a cumplicidade dum passôbem.
Rezo para que o passôbem nunca mais volte. Mal por mal, preferia andar sempre de chapéu.
Colunista
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