* Diogo Hoffbauer
“Daqui a 15 dias, quero ver. Por mim, nem tinham direito a ventilador!”
Para começar, são 14 dias. Duas semanas são 14 dias, não 15. Sete mais sete. Mas mais relevante ainda é que, quando a poeira da insanidade assentar, o chavão dos 15 dias irá figurar no nosso anedotário. É um prazo de validade intimidante, um macabro vaticínio de morte e, portanto, perfeitamente enquadrado na narrativa apocalíptica. Carece, no entanto, de qualquer validação factual.
Não é a genuína preocupação com a saúde pública que os mobiliza a apregoar a condenação de gente que só quis usufruir do merecido festejo. É, isso sim, um impulso onanístico e inquisitório. Observar aquilo que aos nossos olhos são condenáveis meliantes representa para muitos a oportunidade perfeita para se distanciarem da sua malvadeza. Faz sentido que o queiram fazer: como reivindicam punições e musculada intervenção policial e militar, é importante deixar claro que não é a eles que devem ser dadas as cacetadas, é naturalmente aos outros. Arrogando-se o papel de protetor de vidas e ciência, quando contribuem diariamente para destruir ambas, fazem da menina d’A Lista de Schindler que vocifera “Goodbye, Jews!” sem saber o que são judeus, só porque toda a gente à volta a ensinou a odiar.
Seria expectável que, perante a sucessão de situações em que este prognóstico da catástrofe iminente em 15 dias não se verificou, o medo em que nos afogaram começasse a dar lugar à dúvida. É dela que nasce a ciência, e não do dogma.
Mas há uma pedra pesada no caminho da lógica: o orgulho. Custa demasiado engolir o amargo paladar do reconhecimento de um erro. Desconfiamos das nossas informações, embaraçam-nos as nossas próprias palavras e abalam os alicerces das nossas convicções. E, com a dimensão deste assunto e com a convicção emocional por trás das tomadas de posição, vemo-nos sujeitos a vexame alheio. Transformaram isto numa guerra de dois lados e qualquer cedência intelectual é encarada como humilhante derrota. A este preço, vai ser muito difícil que as pessoas, mesmo vendo a hipocondria desvanecendo-se nos ventos curandeiros da racionalidade, venham a admitir que foram enganadas. É essa resistência egotística – aliada a uma perversa inclinação autoritária e alergia a felicidade alheia – que prende a opinião pública a uma posição que neste momento não passa de um delírio coletivo.
12/05/2021
https://aventar.eu/2021/05/12/nao-sao-so-eles-que-sabem-porque-nao-ficam-em-casa/
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