quinta-feira, 6 de maio de 2021

César Alves - Sugar a essência da vida


* César Alves 

O Clube dos Poetas Mortos era o grupo das pessoas que queria sugar a essência da vida. Que queria extrair de cada pequeno momento tudo o que ele teria para dar.

O filme é aclamado pela crítica, é citado vezes sem conta, mas parece-me que nós, enquanto seres-humanos, nem sequer chegamos perto de o perceber.

Quando nascemos, a vida está-nos praticamente pré-estabelecida. Sabemos que temos um percurso escolar obrigatório, é-nos quase impingida uma ida para o ensino superior, por forma a construir uma carreira que dure 40 ou 50 anos, a reforma na casa dos 60 e depois o calendário, como nas prisões, de quantos dias faltam até morrermos.


Estamos tão anestesiados com esta ideia que nem percebemos o quanto ela é assustadora e castradora. Usamos estes edifícios da vida pré-construídos, quais construções em cadeia, porque são mais fáceis. Aparentemente mais certos. Usamos esta “fórmula mágica” vazia de verdadeira magia para nos escondermos dos medos e dos fantasmas da instabilidade, do perigo, do desconforto.

E talvez possamos morrer continuando a acreditar nesta farsa travestida de caminho correcto. Farsa porque nos diz, erradamente, que há uma fórmula mágica para todos. Que há uma resposta para a questão da vida que encaixa em toda a gente. Não percebemos que essa ideia falaciosa nos esgota, nos consome, e nos retira a individualidade que nos é própria e intrínseca. Aceitamo-nos cordeiros de um rebanho gigantesco, aceitamos que somos todos iguais, porque temos medo.

Medo de arriscar, medo de sentir. Temos medo daquilo que a vida nos dá de melhor. O sentimento. Achamos que ele não chega para suportar tudo. Achamos, até, que ele tem um qualquer preço. Escravos do dinheiro e do fantasma da estabilidade financeira, baixamos a cabecinha e damos passos muito vagarosos, muito pequenos, analisando o chão múltiplas vezes para termos a certeza de que estamos a pisar terra firme.

Mas e se não for firme? E se ao pousar o pé sentirmos o chão a tremer e tivermos uma descarga de adrenalina que, por meros segundos que sejam, nos faz sentir humanos?

E se chegarmos ao final da vida e sentirmos um arrependimento profundo por não termos feito mais? E se, como João da Ega, dissermos que falhamos a vida? Valerá a pena tanto medo, tanto receio, para, anos e anos mais tarde, sermos corroídos pelo arrependimento, às portas da morte?

Devíamos deixar de pensar que somos imortais. Que temos todo o tempo do mundo. Devíamos arranjar, ou no mínimo procurar, o equilíbrio perfeito entre a estabilidade da vida propriamente dita e da nossa parte emocional. Devíamos deixar-nos levar pelas nossas paixões. Porque as carreiras acabam, os filhos crescem e saem de casa. Mas as paixões, os sentimentos, tudo o que nos faz sentir vivos, perdura para sempre. Aliás, morreremos sempre com um sentimento: mas temos a capacidade de escolher se queremos que seja a paixão e a alegria de uma vida vivida; ou o arrependimento dos e ses… que nunca concretizamos.

06/05/2021 by 

https://aventar.eu/2021/05/06/sugar-a-essencia-da-vida/#more-1315947

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