sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Cicatriz de Reportagem – 13 histórias que fizeram um repórter

Novo livro de Carlos Azevedo expõe cicatrizes do jornalismo
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De Porto Alegre à fronteira entre Estados Unidos e México; de Jânio Quadros a maridos assassinos; de Realidade ao Globo Rural, Carlos Azevedo construiu uma das mais respeitadas trajetórias do jornalismo brasileiro. Aos 67 anos, resolveu reunir algumas de suas principais matérias no livro Cicatriz de Reportagem – 13 histórias que fizeram um repórter (Editora Papagaio), que será lançado na próxima segunda-feira, dia 10, em São Paulo.


Por Priscila Lobregatte



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Livro será lançado dia 10, em São Paulo

. Logo na apresentação, Azevedo explica o que há de comum nas reportagens que escolheu: “Seus personagens são índios, trabalhadores do campo procurando terra, seringueiros, petroleiros, operários, negros, boiadeiros, imigrantes desterrados em busca de trabalho, de um lar, de uma identidade. Gente que se garante cada dia contando somente com a própria fibra. Homens e mulheres cuja voz não costuma ser ouvida nos gabinetes do poder e na imprensa”.

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Dono de um estilo saboroso e ao mesmo tempo contundente, Azevedo passou por redações como a de O Estado de S. Paulo, Quatro Rodas, Realidade, Caros Amigos, além do programa Globo Rural. “Sempre tive preferência por matérias que colocassem nosso povo na imprensa, mostrando como ele é. Ao mesmo tempo, para mim é difícil tratar com políticos, empresários. Na verdade, faz parte das minhas idiossincrasias”, disse ao Vermelho.

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No entanto, revelou o antigo militante comunista, só depois de olhar toda sua obra, percebeu que quase havia escrito a respeito da gente simples. “Não foi proposital. Acabei me encaminhando para isso. E sempre foi muito rico para mim. Tenho muita resistência em trabalhar com essa coisa da aparência que as classes dominantes têm. Elas dizem falar em nome do povo, mas estão é fazendo as coisas para eles próprios”, enfatizou.

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Conspiração contra Jango

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Além de apresentar as 13 reportagens que mais marcaram sua carreira, Azevedo conta, antes de cada matéria, o contexto da época, como foi a preparação da reportagem e detalhes das viagens que fez em busca de boas histórias. A primeira delas foi publicada em 29 de agosto de 1961, em O Estado de S. Paulo.

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Com apenas 21 anos, Azevedo se viu diante do desafio de cobrir a renúncia de Jânio Quadros e os desdobramentos posteriores. O episódio deu início a um dos momentos mais tensos da história política brasileira e abriu caminho para a preparação do golpe militar de 1964.
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Com o afastamento do presidente do poder central, João Goulart, seu vice, deveria assumir o palácio do Planalto. Porém, a elite brasileira e o comando das Forças Armadas, com o apoio dos grandes jornais, não admitiam que Jango, ligado à esquerda, assumisse a presidência. A decisão dividiu os militares e no Rio Grande do Sul, o então governador Leonel Brizola denunciou o golpe que estava por vir.
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O jovem repórter, enviado à capital gaúcha, viu seus informes serem deturpados para saírem no O Estado de S. Paulo. Uma entrevista feita com general Machado Lopes, que defendia a legalidade e a posse de Goulart, só foi publicada depois que a crise já havia passado, em 5 de setembro. “Naquela época, ficou muito clara a posição do Estadão: ele estava participando da conspiração para não dar posse ao João Goulart e tinha uma orientação clara quanto a isso”, lembrou Azevedo.
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Conservadora, como sempre
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Questionado sobre as posições conservadoras e elitistas da “grande mídia”, Azevedo diz que hoje isso se dá com mais força porque “temos um governo vindo das camadas populares, e não do setor dominante da sociedade. Então, essa imprensa aparece para representar os interesses dessa elite. Mas, isso sempre fez parte do modo dela operar”, lamenta.
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Atualmente, observa, “é uma imprensa mais corporativa e abre espaço apenas para um setor da sociedade. A CBN, por exemplo. Você ouve não sei quantos empresários, representantes da Fiesp, de bancos, os economistas e os especialistas – hoje se criou essa categoria, em geral formada por especuladores do mercado. Mas você não ouve, nenhuma vez, um líder sindical, um operário, um trabalhador rural. Se esta fosse uma imprensa da sociedade, deveria dar espaço para que outros pontos de vista aparecessem”.
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Outra marca da grande imprensa, comenta Azevedo, é a homogeneização das redações. “A indústria cultural foi monopolizada e isso acabou bloqueando a presença de talentos mais contestadores. Aqueles profissionais, que durante a ditadura continuavam se opondo ao regime, vendiam sua força de trabalho, mas não sua consciência e sua coerência. Aos poucos, esse pessoal foi saindo e criou-se um clima de total hegemonia”.
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Com o processo de industrialização das redações, explica, “cada editor resolve a matéria com vários repórteres e os textos ficam impessoais”. Segundo ele, a solução para que haja mais reportagens de fôlego e maior diversidade de opiniões está na criação de novos espaços e no uso da Internet. “Ela vem rompendo com essa hegemonia da grande imprensa. Tenho esperanças de que está surgindo uma nova fase e que a imprensa brasileira vai se tornar multifacetada e mais complexa”.
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Coração quente, cabeça fria
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Ao ler os textos escolhidos para Cicatrizes de Reportagem, o leitor tem a impressão de estar batendo um papo com o autor. Sem rebuscamentos e mergulhando a fundo nos temas a que se dedica, Azevedo oferece um jornalismo de alta qualidade sobre assuntos variados. Em uma das reportagens, ele retrata a extinção de nossos índios e o descaso do órgão então responsável pela proteção dos povos nativos. Num outro texto, contava a saga de um motoqueiro de nome “Jacaré”. Em seguida, retrata os absurdos do muro que separa o território estadunidense e mexicano e discute a globalização a partir de histórias de gente que buscava do outro lado o “sonho americano”.
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“Sempre fui sensível à questão das injustiças, da riqueza extrema de um lado e da pobreza absoluta de outro, sentimento que vinha desde a adolescência”, recorda. Mas, além desse tipo de denúncia e de se dedicar a retratar gente comum, suas reportagens carregam outro traço de similitude entre si: a profunda dedicação do repórter por seu trabalho. “Quando faço uma reportagem grande, me apaixono completamente e passo a viver com aqueles personagens e como eles. Viro um boiadeiro entre os boiadeiros e, se estou com os índios, vou nadar pelado. Às vezes, a gente até aluga a existência do outro para viver um pouco a vida dele”, conta. E completa: “cada reportagem foi uma paixão diferente. Eu as fiz com o coração quente e a cabeça fria. O texto vai nascendo de você, de tudo aquilo que viveu”.
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Encerrando a conversa com o Vermelho, Azevedo vaticinou: “Esse livro pode dar a impressão de que estou fechando as portas, como quem faz um balanço do que já escreveu. Ao contrário. Estou abrindo novas portas. O livro tem a intenção de dizer ‘estou aqui e estou a fim de fazer’”.
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O lançamento do livro Cicatrizes de Reportagem será na próxima segunda-feira, dia 10, às 19h30, no restaurante Matterello, na Vila Madalena.
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in Vermelho 6 DE SETEMBRO DE 2007
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Sobre Jânio Quadros, João Goulart e o Golpe Militar de 1964 ver:
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http://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%A2nio_Quadros
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Goulart
http://pt.wikipedia.org/wiki/Golpe_Militar_de_1964

1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

É para mim um livro de interesse, para quem se preocupa com a igualdade de direitos e as injustiças (todas) criadas por quem detem os poderes; gostaria de o ler um dia.

Maria Mamede