NOITE DE SENTINELA - Cabrões ! - Com um piparote bem medido, Américo espalmou o mosquito contra o Sentia-se chegar ao limite da resistência, os tornozelos e os nós dos dedos Ao redor do aquartelamento, à volta dos postes de iluminação, os mosquitos saíam "Maldita terra, malditos mosquitos. Não bastava este calor de morrer." Pousou a G-3 no parapeito do posto de vigia e pôs-se a espiar o negrume. Por instantes esqueceu-se dos mosquitos, percorrido por um arrepio. "Se estivesse sozinho morria de cagaço." Olhou o relógio de pulso. Os ponteiros fosforescentes indicavam Apetecia-lhe fumar um cigarro mas a imagem ameaçadora do capitão "- Sentinela, éh sentinela !" Emaranhado nos seus pensamentos, levou tempo a recompor-se. - Estavas a dormir, logo na primeira noite ? Pela voz, reconheceu o furriel Neves. - Aqui no poleiro, não dá o sono a ninguém, meu furriel. - Podia passar por aqui um regimento de turras que não davas por nada. Américo sentiu os passos do furriel perderem-se na noite. Enervado, - Acorda, Mendes, está na hora. O camarada soergueu-se da enxerga, estremunhado. - Já ? Não me estás a tramar ? - Vá, levanta-te. Não acordes o Fernandes. - Logo agora que estava a sonhar com uma miúda muito boa lá da terra. Tens um cigarro ? - Olha o capitão. - O capitão que vá bardamerda. Dá cá o cigarro. O clarão do fósforo iluminou dois rostos terrosos. Depois ficou a ponta - Não te deitas ? - Não tenho sono. Fico contigo um bocado. - Saudades ? Deixa lá que qualquer dia já chega o correio. Falavam em surdina, para não acordar o Fernandes. Os mosquitos tinham - Sabias que o meu filho fez ontem um ano ? - disse Américo, com tremuras na - Tu estavas na França, não é ? Que maluqueira foi essa de voltares - Sei lá ! Comecei a pensar que nunca mais poderia regressar - Dizes bem, esta merda. Subitamente, um estampido acordou a noite. - Ouviste ? - Foi no posto 3. Soou outro tiro, logo seguido duma rajada. O aquartelamento encheu-se de sobressalto : luzes, vozes alteradas, - Será um ataque ? aventou Américo de dedos crispados na G-3. O Fernandes despertara. - O que é que a gente vai fazer ?- balbuciou. A pergunta fê-los sentir como galinhas aprisionadas. - Terá morrido alguém ? - E nós aqui sem saber de nada. - Que porra de situação. - Calma - aconselhou Mendes. - Não me parece coisa grave. - Sentinela ! - gritaram lá de baixo. - Quem está aí ? - perguntaram em coro. - É o furriel Meneses. Estejam tranquilos que ainda não é desta que vão - Que cagaço, meu furriel ! - Américo soltou uma risada nervosa. - - Ponham-se mas é a pau com os ataques dos mosquitos. - Que susto aquele gajo nos pregou - desabafou o Fernandes. - Ia-me borrando todo. - O furriel disse que eram os javalis mas podiam muito bem ter sido os turras. - Nunca se sabe. - Afinal, quem é que está de sentinela ? Eu ou vocês ? - galhofou o Mendes. A parada enchia-se de vida com as primeiras pinceladas da manhã. O segundo pelotão vair sair para a mata - suspirou o Fernandes. - Já é de dia. - Graças a Deus - benzeu-se o Américo, olhos postos na luminosidade CHEGADA DO CORREIO - João Moreira. — Pronto! — Carlos Afonso. — Estou aqui. Empoleirado numa mesa do refeitório,qual deus louco, — Pedro Antunes. — Eu... - José Fernandes. — Dá cá. Mãos nervosas como gadanhas. Dedos O Ruivo era o tipo mais importante da Na verdade era ele que estava O avião chegava geralmente por volta Enquanto o furriel vagomestre Máximo — Hoje pesa - dizia invariavelmente — Deve vir cheio de cornos - Concluida a transacção do correio e O pessoal da segurança saía do capim — Américo Pereira. — Aqui. - Carlos Marecos. — Viva! Restam três cartas. As unhas O Ruivo passeia um sorriso artifícios de amante sabido. — Despacha-te... pá! - Calminha..., tens tempo de saber - Vai gozar com a tua avó. O litúrgico deu lugar ao burlesco. Ruivo - Daqui a nada tás a apanhar um Atingido o ponto crítico de - José Mendonça. — Até que enfim. - Pedro Moreira. - Uf...! — Manuel Augusto. — Mas... não há mais nada...? — - Nada mais. Começa a procurar outra Há rostos lívidos de angústia, sorrisos “Sou o tipo mais importante da NOITE DE Pouco passava - Puxa pela garganta, Fernandes. Mostra a esta - Cinco segundos, hem! Quem é capaz de fazer Mas ninguém lhe ligou. Dançava-se e bebia-se Ufano, os olhos negros incendiados, desafiava a - Hei-de chegar aos três segundos ainda esta O Barão começou a cantar: E o pelotão acompanhou-o em coro: «Da chicalhada, Esses Que não fazem nada». Américo segurou Mendes por um pulso. - Quero-te mostrar uma coisa - ciciou-lhe ao Nos olhos já lhe bailavam meia dúzia de Sagres. - Anda daí. A malta continuava a cantar: «Vai prá mata Ó meu malandro. Por tua causa É qu’eu aqui ando». Mendes, acabou de beber a cerveja e deixou-se - Olha! Tá lindo, não tá? Mendes segurou a fotografia. O rosto traquinas do filho do Américo fê-lo engolir em seco. - Tá lindo, não tá? - insistia a voz cheia de lágrimas do Américo. «Abre a cantina, Ó cantineiro, Anda co’a malta Caga no Primeiro». - Quando penso que hoje é noite de consoada! - - O Fernandes estava fantástico nessa noite, - Meus senhores, vamos beber em honra da malta Foi então que uma ideia genial chispou naquele - E se lhes fossemos levar uma pinga? - juntou Como por magia uma garrafa de bagaço nasceu das - Em frente, marche! - comandou o Barão. À aproximação daquele mar proceloso, as - Quem vem lá? - É o pai Natal que te trás um presente - E sem tempo para uma resposta, a garrafa de MARIA O Pacaça esqueceu-se que era um — É um caso perdido - comentava, O Pacaça sorria, o carão inundado Impreterivelmente todas as noites, — Lá vem o rapa-tachos - galhofavam Quando havia faltas, chegava ao No final, olhos semi-cerrados, o — Anda cá. Naquela noite estranhou-a. Não lhe — O que tens? — Nada - respondeu Maria, abraçando-o. O Pacaça repeliu-a com brutalidade. — O que tens? - repetiu, — Tenho um filho na barriga - — Um filho!? - gritou Pacaça, Apanhou as calças e vestiu-as Maria continuava sentada na beira do O Pacaça calçou as botas e pegou na — Um filho!? Velou noite fora. “Um filho!?”. Era algo de insólito que se Ouvia o ressonar dos camaradas. A “Que diabo posso fazer? Levar o A esta última alternativa. o coração — Éh filho duma lata de conserva! — Éh café com leite! Nunca deixara de repreender os Certa vez ia jogando à porrada com o “Iria o seu filho ser um dia alvo de Sentia-se acalorado. Com os pés. “E se ficasse em Angola?” Arrepiou-se e cobriu-se de novo com Na sanzala, os galos lá cantavam. Em Passou ao de leve pelo sono. Um sono “No fim da comissão já o miúdo teria A ideia de ficar, qual monstro libidinoso, “E por que não? Já ouvira dizer que O Pacaça sorriu e fechou os olhos, FANTASMA O Américo pensava no filho, que no próximo Por um bom lapso de tempo não conseguiu «Meu Deus! O que teria sido? Meus Deus, meu Vozes alvoroçadas subiam ao redor. «Meu filho, nunca mais te torno a ver». Após mais uns minutos de imobilidade, «Meu Deus, estou vivo». Pôs-se de pé. A zoada nos ouvidos parou. Finalmente, Na picada sobrepunham-se ordens, gritos, «Foi uma mina, foi uma mina. Onde estará a Reentrou na picada. - Há feridos? Ninguém lhe respondeu. O capitão, na berma da - Estou muito ferido? - perguntou este, pálido - Nem deita sangue. Feriste-te numa folha de - Qual folha de capim, qual carapuça, isto foi O unimog atingido afocinhara, com os pneus da - Vem já aí o 2° pelotão socorrer-nos anunciou Só então o Américo sentiu a falta do Fantasma. - O Fantasma? Onde tá o Fantasma? - Cagou-se todo com o medo e cavou por esses Américo emitiu um assobio e esperou. Nada, do - O Américo correu para a viatura danificada. Um grande - Fantasma - chamou Américo. O animal não se moveu. - Fantasma! - tornou o dono, a voz sumir-se. Pegou-lhe por uma pata inerte e puxou-o. Estava Américo continuou a puxar e o corpo tombou na Mendes pousou a mão no ombro do Américo. - Tem calma. . - - O que há aí?- interpelou-os o capitão. - Não - O Fantasma morreu - disse Mendes. - Atirem-no para o capim. Antes o cão do que um - Ficaste viúvo, Américo - troçou o Barão. - Surdo a tudo, Américo debruçara-se sobre o ARMADILHAS "Caiu uma catrefada de turras As casernas esvaziaram-se e a - Querem trancar o jipe? - refilou o condutor, envolto numa nuvem de O furriel mecânico Reis - - Estes gajos atravessaram-se - Quantas vezes já te disse para O condutor achou por bem bater em Só então o furriel Reis se - Passa-se alguma coisa? - perguntou - Parece que caiu um exército O furriel Meneses estava estendido ''São os fangios do Reis” pensou, - O que há? - perguntou ao Reis - Cairam uns gajos nas armadilhas - Nossos?! - Turras, parvo. Meneses começou a ver tudo à roda. - Lentamente, - Queres um copo de água? Meneses abanou a cabeça. - Não, - Devias ir medir a tensão, aconselhou o - O - Vê lá se te dói alguma coisa. Meneses reentrou na camarata. Atirou-se para cima da cama. “Caídos nas armadilhas que ele e o alferes Vasconcelos tinham Vozes, saídas das próprias entranhas esmagavam-lhe as têmporas. “Assassino... Assassino...” Afundou a Um rugido BREVEMENTE, NOVA HISTÓRIA |
Textos e Obras Daqui e Dali, mais ou menos conhecidos ------ Nada do que é humano me é estranho (Terêncio)
quinta-feira, 27 de setembro de 2007
HISTÓRIAS DA GUERRA COLONIAL
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1 comentário:
Momentos de guerra contados duma maneira empolgante!
Apesar do tema, gostei MUITO!!!
Muito bem contado!!!Parabéns!
Maria Mamede
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