quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Namoro à antiga


* Paulo Amador
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Quando as moças eram chamadas "donzelas criteriosas", os beijos traziam doenças incuráveis, os olhares eram considerados indecentes, o aperto de mão era impudico, e tudo se resumia em serenatas com bandolins e violas. Os rapazes eram mais chorosos, escreviam versos às amadas, sonhavam um dia ver "os lindos pezinhos divinos, tão delicados que respiram rosas", liam Alencar e outros românticos e os mais burros decoravam fórmulas de cartas amorosas.
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Depois veio a "idade do portão", quando as moças já eram permitidas pelos pais, "embora a contragosto meu e de minha mulher que achamos bom as coisas como em nosso tempo", permitidas de namorar nos portões. As mães ficavam dentro de casa, quando não era o tempo da televisão, e de vez em quando vinha "conversar sobre a lua, ou perguntar se o moço não gostaria de um cafezinho". E, o namoro evoluiu. Hoje é idade da máquina, até para o amor, e os namoros são feitos mais longe de casa, em passeios de automóvel ou lambreta.
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Donzela e senhores
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Os moços dos tempos antigos não tinham permissão de sequer apertar as mãos de sua namorada antes do casamento. Muitos casamentos eram feitos por contrato, ou porque um dia o rapaz viu a donzela à porta da igreja, com sua sombrinha de seda bordada e um lindo leque chinês "abanando o narizinho inglês".
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Depois, iam à casa do futuro sogro e pediam a moça em casamento, isto após noites de serenatas. As noites de serenata começavam bem tarde, na sacada, a moça detrás de rótulas, venezianas. O rapaz cantava coisas que falavam de "minha beleza, meus suspiros, meus ais"; os pais policiavam as serenatas, e muitas vezes jogavam água quente das janelas mais altas, "para espantar os moços cujas intenções não conhecemos". Os moços eram chamados senhores, e os namoros de longe terminavam em casamento.
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Namoros de portão
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Depois da "era das sacadas" veio a idade dos portões. Isto já foi há pouco mais de 20 anos. As moças conheciam os rapazes nas barraquinhas, e nos dias seguintes começavam as visitas à casa. Primeiro, era o namoro dos sofás, em frente da mãe, do pai e dos irmãos. Depois vinha a permissão para namorar na porta, cuidadosamente iluminada por uma lâmpada de 100 velas.
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Os namoros de portão ainda terminavam quase sempre em casamentos. O rapaz ia toda noite à casa da moça, mas não tinha direito de sair a não ser acompanhado dos irmãos, pai, mãe e outros parentes. Se quisesse ir ao cinema, era aquela despesa: pagava para todo mundo. Isto era uma forma de desanimar os namorados a sair de perto de casa.
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Namoro e máquina
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Depois o automóvel, a lambreta tomou conta de tudo. Começou no tempo do jazz, do rock-and-roll, quando as loucuras de Elvis Presley eram o modelo para os rapazolas. Os rapazolas começavam a namorar longe de casa. Foram ensinando para os mais velhos e experimentados. Carregavam as namoradinhas, que já mascavam chicletes, coisa antigamente proibida para moças, nas garupas de suas lambretas.
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Agora, o namoro ainda costuma terminar em casamento. Mas, além de uma série de dificuldades surgidas por causa do tempo e das complicações da vida moderna, alguns conservadores acham que "muita coisa do romantismo do casamento já acabou, e não há mesmo mais solução". Mas, apesar da evolução do modo de namorar, uma coisa ainda é necessária para que exista namoros um pouco de amor, como nos tempos antigos...
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O santo padroeiro
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Hoje é dia de lotação nos trens da Central do Brasil, para uma pequena vila perto de Sabará: Santo Antônio da Roça Grande. Muita noiva vai pedir "firmeza nas intenções do noivo, para que ele case mesmo"; muita mãe de filha solteira vai colocar velas no pé do santo, e pedir "que minha filha não fique na prateleira"; e muitos casos de amor vão ser resolvidos nos pés do santo de Pádua.
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Santo Antônio é o tradicional padroeiro dos namorados, e as famílias do interior, que têm muitas filhas em idade de casamento, costumam levantar mastros ao santo, preparar melado de rapadura com mangarito, fazer fogueira e até promessa com bacia no terreiro a noite inteira. Hoje, 12 de junho, é véspera do dia de Santo Antônio de Pádua, o santo casamenteiro, e por isto o dia dos namorados.
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Promessas de casar
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Santo Antònio da Roça Grande é um lugar pequeno, perto de Sabará, com um população quase sempre em trânsito, um santuário famoso é lugar de muita promessa para casamento. Hoje, vão sair trens e ônibus especiais para lá, carregando milhares de pessoas, velhas novas, viúvas, solteironas, balzaquianas e muita menina bonita para casamento.
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O santo dificilmente falha, e se a promessa for bem feita e cumprida, mesmo com o número assustadoramente maior de mulheres que de homens, e as estatísticas alarmantes para as moças, algumas ainda conseguem casamento. No Brasil, a média de moças para os rapazes, em idade de casamento é de mais de três por um. Nas cidades do interior, de onde os rapazes saem para trabalhar fora, as médias costumam subir para oito ou dez moças por rapaz. Se não houver muita promessa de casa, o número de solteironas continuará em verdadeira espiral inflacionária .
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Santo poderoso
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Santo Antônio, juntamente com Santa Rita de Cássia, são os dois santos das causas impossíveis. Aqui em Belo Horizonte muita gente vai ao santuário colocar velas e flores. No interior, há verdadeiras procissões de devotas, e alguns devotos também.
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(Amador. Paulo. "Dias dos namorados". O Estado de Minas. Belo Horizonte, 12 de junho de 1969)

1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

Têm muita graça os costumes; felizmente que vão evoluindo...
é claro que têm algum romantimo certas atitudes do passado, como por exemplo as serenatas, mas outras, acho que seriam desesperadoras. Gosto bem mais dos jovens de agora, cabeça arejada, que dizem o que querem e ao que vêm!
É evidente que exageros são exageros e disso, realmente não gosto; mas gosto da abertura de hoje, quando ela é, como se diz na minha terra:-"pão, pão, queijo, queijo!".

Maria Mamede