segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Noticias do Bloqueio

* Egito Gonçalves


Aproveito a tua neutralidade,

o teu rosto oval, a tua beleza clara,

para enviar notícias do bloqueio

aos que no continente esperam ansiosos.




Tu lhes dirás do coração o que sofremos

nos dias que embranquecem os cabelos...

Tu lhes dirás a comoção e as palavras

que prendemos — contrabando — aos teus cabelos.




Tu lhes dirás o nosso ódio construído,

sustentando a defesa à nossa volta

— único acolchoado para a noite

florescida de fome e de tristezas.




Tua neutralidade passará

por sobre a barreira alfandegária

e a tua mala levará fotografias,

um mapa, duas cartas, uma lágrima...




Dirás como trabalhamos em silêncio,

como comemos silêncio, bebemos

silêncio, nadamos e morremos

feridos do silêncio duro e violento.




Vai pois e noticia com um archote

aos que encontrares de fora das muralhas

o mundo em que nos vemos, poesia

massacrada e medos à ilharga.




Vai pois e conta nos jornais diários

ou escreve com ácido nas paredes

o que viste, o que sabes, o que eu disse

entre dois bombardeamentos já esperados.




Mas diz-lhes que se mantém indevassável

e segredo das torres que nos erguem,

e suspensa delas uma flor em lume

grita o seu nome incandescente e puro.




Diz-lhes que se resiste na cidade

desfigurada por feridas de granadas

e enquanto a água e os viveres escasseiam

aumenta a raiva

e a esperança reproduz-se.


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Para saber mais ver, carregando na 1ª hiper-ligação da Efeméride:
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1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

Egito Gonçalves, foi um dos meus padrinhos para entrar na APE., em 84; o outro foi uma colega de trabalho e Amigo, também ele grande Poeta, Nelson Azevedo Ferraz. Egito encontrei-o algumas vezes na Associação de Jornalistas e H.L. do Porto e uma ou duas vezes no G.D.M.Flor de Infesta, ele e outros, como convidados para Encontros de Poesia promovidos por aquela Associação; a troca de palavras foi curta, mas a impressão ficou. Daí ter acabado por ser meu "Padrinho" a pedido do Nelson.
E este poema é lindíssimo!

Bj

Maria Mamede