quinta-feira, 5 de junho de 2008

Portugal - As eleições entre 1945 e 1974

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Vergílio Ferreira: Aparição


Vergílio Ferreira: Aparição (lithis, literatura e não só...)

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Durante a campanha eleitoral, a censura à imprensa foi grandemente aliviada, .... As eleições presidenciais de 1958 revelaram, sem sombra de engano, ...

in História de Portugal, Oliveira Marques, vol. III.

Contexto Sóciopolítico



(…) A partir de 1945, a existência de uma oposição tornou-se inegável. Exprimiu-se de variantes maneiras, geralmente pouco eficientes, no plano prático, mas passou a constituir um pesadelo constante para o regime. Em Outubro de 1946, eclodiu uma revolta militar no Norte (com uma marcha do Porto à Mealhada), a primeira em dez anos. Embora fosse fácil ao Governo sufocá-la, ela abriu nova era de conspirações e tentativas de revolta, todas, aliás, fracassadas. Em Abril de 1947, uma das mais importantes dentre estas revelou a existência de uma vasta comparticipação militar, com o possível apoio do próprio Carmona, cansado, ele também, da ditadura opressiva de Salazar. (…)


(…) A vitória aliada na Europa (Maio de 1945) foi pretexto para manifestações pró-democráticas e pró-socialistas em todo o País. Para muita gente, e em especial para os opositores ao regime, o triunfo das democracias teria como resultado drásticas mudanças adentro do "Estado Novo", senão mesmo o retorno, puro e simples, às antigas instituições parlamentares. Esta convicção arreigou-se nas principais cidades, gerando uma vasta corrente de opinião pública que punha em xeque as realizações de Salazar e a sua permanência no poder. Tanto a Grã-Bretanha como os Estados Unidos veriam com agrado alterações, quer no sistema político de Portugal quer da Espanha. Assim, em Setembro de 1945, a Assembleia Nacional era dissolvida, anunciando o Governo eleições livres para Novembro, com a possibilidade de participação de outros grupos políticos. Este facto suscitou grande agitação, dentro e fora das fileiras do regime. Dezenas de milhares de pessoas aderiram ao recém-criado M.U.D. (Movimento de Unidade Democrática), espécie de frente Popular contra o "Estado Novo". Durante a campanha eleitoral, a censura à imprensa foi grandemente aliviada, o que revelou descontentamento generalizado a várias camadas da população e um desejo de modificações revolucionárias nas estruturas. (…)

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1949 quis dizer o ponto máximo numa frente unida contra o "Estado Novo". Não tardou que os seus componentes, comunistas, socialistas, moderados, velhos democráticos, levassem as disputas internas ao ponto da cisão no combate pela preeminência, estratégia a adoptar e objectivos a atingir. A lembrança da 1ª. República e o facto de que as únicas personalidades com prestígio e ainda algum eco popular eram os velhos políticos de vinte e cinco anos atrás, envenenavam a oposição portuguesa com questiúnculas pessoais e partidárias, rivalidades e ideais obsoletos, impedindo-a de se adaptar aos tempos modernos e de propor à Nação qualquer coisa de definido, claro e atraente. Para muitos, derrubar o regime significaria apenas riscar, de um traço, toda a legislação, posterior a 1926. Mas, para muitos outros, toda a sorte de interesses havia resultado dessa legislação e das suas efectivações reais. Destas disensões beneficiava o Partido Comunista, único organizado e disciplinado, propenso a registar adesões das camadas jovens e a falar uma linguagem ajustada à época em que se vivia. Em cada acto eleitoral, o Partido Comunista tendia a marcar a sua posição, comandando nos bastidores e actuando isoladamente em função do que julgava serem os seus interesses e os do País. Este facto contribuiu ainda mais para fraccionar a Oposição e para alimentar a propaganda governamental com pasto abundante e eficiente.

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Quando Carmona morreu, em Abril de 1951, foi reaberta, entre os adeptos do regime, a questão monárquica. Figuras como Mário de Figueiredo, Lumbrales e Cancela de Abreu defenderam a restauração da Monarquia, ao passo que outras, como Marcelo Caetano e Albino dos Reis a contrariavam. Salazar deu razão a estes últimos. As eleições que se seguiram apresentaram pouco perigo para a Situação. Os moderados oposicionistas propuseram o almirante Quintão Meireles, antigo ministro da Ditadura no ministério Vicente de Freitas (1928-1929) um dos muitos que entendiam haverem Salazar e a sua gente traído a revolução. A Esquerda apresentou Rui Luís Gomes, matemático e professor universitário de nome. O Supremo Tribunal de Justiça, contudo, negou-lhe o seu placet, acusando-o de comunista.


Os Acontecimentos



"Vive o nosso País, há um quarto de século, em regime antidemocrático. É preocupação absorvente do grupo responsável pela govemação pública, é da essência do regime, actuar de modo que seja nula a intervenção do povo no desenrolar da vida nacional.


Mas o Povo reagindo a este propósito do Estado Novo, nunca abdicou dos seus direitos, nunca engeitou as suas responsabilidades para com a Pátria e a República - indicou sempre aos Democratas a luta contra a minoria dominante como o único caminho para a conquista das Liberdades Fundamentais.


Correspondendo a este imperativo das massas populares, e na continuidade de acção desenvolvida pelo M.U.D. e pela candidatura do general Norton de Matos, entendeu a Comissão do Movimento Nacional Democrático que se devia apresentar uma candidatura à Presidência da República.


A Assembleia de Delegados do Movimento Nacional Democrático apoiando e concretizando a proposta da Comissão Central resolveu promover a apresentação da minha candidatura.


Convencido de que o Movimento Nacional Democrático, em que tenho participado desde o início, representa os interesses do Povo Português, aceitei essa responsabilidade, nos terrmos precisos em que aquela Assembleia se pronunciará. E ao aceitá-la não ignoro as enormes dificuldades que, do lado governamental, me estão levantando e levantarão.


(…) Esta candidatura situa-se no conjunto das reivindicações do Movimento Nacional Democrático, reivindicações que convergem para três objectivos fundamentais: República e Liberdade; Pão e Trabalho; Independência Nacional e Paz.


(…) No plano das Liberdades Fundamentais, proponho-me lutar pelas seguintes reivindicações: Amnistia a todos os presos políticos; Reintegração de todos os funcionários públicos afastados dos seus lugares por serem desafectos ao Estado Novo; Readmissão de todos os trabalhadores despedidos por motivos políticos; Abolição da Censura; Supressão da P.I.D.E.; Extinção do Tarrafal; Revogação do Decreto das Medidas de Segurança; Extinção dos Tribunais Plenários de Lisboa e Porto; Liberdade de Formação e Actuação de Partidos Políticos.


Além disso, a Assembleia Nacional não foi eleita livremente e o último projecto de revisão constitucional visava a impedir que o Povo apresentasse um candidato à Presidência da República, reivindico também: Dissolução da Assembleia Nacional e realização de eleições para deputados em: condições de permitirem a participação dos democratas; Nulidade das alterações à Constituição votadas por essa Assembleia.


(…) Neste sentido, dou o meu apoio às classes trabalhadoras: Na luta por melhores salários; Na luta contra o desemprego; Na luta por salário igual para trabalho igual; Na luta pelas liberdades sindicais.


À pequena e média burguesia: Na luta pelo barateamento do crédito e por outras medidas de encorajamento à pequena e média indústria, pequeno e médio comércio, pequena e média lavoura. (…)


Prepara-se a paz:


Desenvolvendo a colaboração com todas as potências; Repudiando o uso das armas atómicas, lutando por uma redução geral de armamentos; Condenando a propaganda de guerra; Lutando por um pacto de paz entre as cinco grandes potências.


O Povo Português reclama mais pão e menos canhões. Por isso pugnarei por uma política de defesa intransigente da Independência Nacional e da cooperação com todas as potências para a conquista da paz mundial. (…)


(Do manifesto "Ao Povo" de Rui Luís Gomes, 1951)


Quintão Meireles, por sua vez, retirou-se da campanha nas vésperas do acto eleitoral, como de costume e o candidato do Governo, general Craveiro Lopes, foi eleito sem oposição.


Por essa altura, o regime vencera indubitavelmente a sua primeira crise séria e fortalecera até a sua posição. Receando um controle comunista da Península Ibérica e decididos a não correrem qualquer risco, os Aliados ocidentais passaram a apoiar o "Estado Novo". Portugal tornou-se membro fundador da Organização do Tratado do Atlântico Norte (O.T.A.N.) desde 1949, surgindo no tablado internacional como um dos defensores do mundo livre. Para se ir ao encontro da opinião pública internacional e das crescentes críticas ao colonialismo, a Constituição foi alterada, modificado o Acto Colonial de 1930 e introduzidas mudanças no estatuto dos indígenas bem como na designação oficial das colónias, crismadas em "províncias ultramarinas". Em 1955, a conjuntura internacional permitiu a entrada de Portugal nas Nações Unidas por acordo entre a União Soviética e as potências ocidentais quanto ao número de estados, comunistas e não comunistas, a admitir.


Portugal, não tendo participado na guerra, não foi um dos participantes na Conferência de S. Francisco nem um dos signatários da Declaração das Nações Unidas (Junho, 1945). O seu pedido de admissão à novel Organização teve, contudo, lugar, pouco tempo depois. Foi vetado pela União Soviética. Um segundo pedido, em 1947, deparou com idêntico resultado. Só em 1955 se tornou possível, por acordo entre as grandes potências, a entrada de Portugal na O.N.U. juntamente com quinze outros países. Destes novos dezasseis estados-membros, quatro pertenciam ao bloco de Leste (Albânia, Bulgária, Hungria e Roménia), quatro ao de oeste (Espanha, Irlanda, Itália e Portugal), ao passo que os restantes oito eram considerados neutrais no confronto entre os dois grandes blocos: Áustria, Cambodja, Ceilão, Finlândia, Jordânia, Laos, Líbia e Nepal. Desta forma foi possível não alterar o jogo de forças no seio da Organização e evitar o veto das grandes potências.


No País, intensificou-se a política de obras públicas, fomentou-se a industrialização e elevaram-se salários. A estabilidade ao nível governamental aumentou ainda. Vários chefes de 1 Estado e ministros estrangeiros visitaram Portugal. Ao mesmo tempo, a repressão continuava ou intensificava-se até. A torre de marfim em que Salazar estava encerrado endurecera, à medida que o Presidente do Conselho ia envelhecendo e perdendo contacto com os níveis inferiores da administração e o público em geral. Em 1940, Salazar abrira mão da pasta das Finanças largando, depois, a da Guerra (1944) e a dos Negócios Estrangeiros (1947). Ficou apenas sendo chefe do Governo. Nestes termos, tornou-se mais fácil para um grupo de favoritos e de conselheiros hábeis rodearem-no estreitamente e influenciarem-no com predomínio. Parece que, também, e como consequência natural, a corrupção no seio da administração pública terá aumentado.


O coronel Fernando dos Santos Costa, ministro da Guerra desde 1944 e, durante muito tempo, tido como o "homem forte" do regime, emergiu a pouco e pouco como um dos favoritos de Salazar e seu possível sucessor. Alinhando na Extrema Direita, era monárquico, embora se tivesse pronunciado contra a restauração da Monarquia em 1951. Outro "delfim" potencial era Marcelo Caetano, professor da Faculdade de Direito e historiador, sem dúvida um dos mais competentes e respeitados defensores do "Estado Novo". Fizera parte do Governo duas vezes, a primeira em 1944-47 como ministro das Colónias, e a segunda, em 1955-58 como ministro da Presidência.


Com o ano de 1958 teve início a segunda grande crise política do regime. A crescente insensibilidade de Salazar e a sua incompreensão perante o mundo em que vivia começavam a provocar reacção, não só nas fileiras oposicionistas mas também entre os neutros politicamente e até os proprios adeptos da Situação. No seio da União Nacional, adquirira vulto uma ala mais liberal, que pedia maior abertura do espectro político, de forma a poder englobar um número alargado de aderentes ou simpatizantes. Essa ala pretendia modificações ou reforrnas nos métodos administrativos, nas opções governativas (quer em relação ao País quer ao Ultramar e ao estrangeiro) e na atitude face à Oposição. Amadurecera uma geração de técnicos e de intelectuais, sem responsabilidades nem ligações com os primeiros tempos do regime de Salazar. Essa geração estava disposta a colaborar com o Governo em tarefas e responsabilidades mas pretendia as actualizações que julgavam indispensáveis aos tempos correntes. Respeitadores e admiradores de Salazar e sua obra, desconheciam o passado histórico, aceitando o que lhes era afirmado pela propaganda oficiosa acerca do período parlamentar anterior ao "Estado Novo". Muitos julgavam aconselhável a saída de Salazar e sua substituição por um homem mais novo, como Marcelo Caetano. Parece ter sido essa, também a opinião de Craveiro Lopes.


As eleições presidenciais de 1958 revelaram, sem sombra de engano, as dissensões adentro do regime. O Presidente Craveiro Lopes que não se mostrara dócil quanto se esperava, foi vetado pela Comissão Central da União Nacional. Em vez dele, Salazar fez escolher o almirante Américo Tomás, seu ministro da Marinha desde havia catorze anos. A oposição centro-esquerda escolheu por pressão de António Sérgio, o general Humberto Delgado, oficial-aviador no activo e ao tempo Director-Geral da Aeronáutica Civil. Delgado fora outrora um partidário acérrimo da Ditadura e admirador de Salazar. A Extrema Esquerda indicou o nome do advogado Arlindo Vicente.


Delgado mostrou ser o homem adequado às circunstâncias. Demagogo e exaltado, contactou facilmente com as massas populacionais suscitando enorme entusiasmo em todo o País. A Esquerda depressa se deu conta do carisma de Delgado, renunciando à sua candidatura à parte e alinhando atrás dele. Tal como em 1949, o regime receou não sobreviver perante a autêntica bola de neve que a acção de Delgado ia causando, e preparou uma possível acção militar em caso de vitória ou de excessiva ameaça oposicionista. Embora sem garantias de liberdade de voto e sem possibilidade de controle de todas as urnas, Humberto Delgado decidiu ir até ao fim. Os números oficiais deram-lhe um quarto do total dos votos (ganhou aqui e além, mormente numas quantas cidades de Moçambique), mas o general, sempre alegou ter triunfado nas eleições e ser ele, portanto, o legítimo chefe dos Portugueses.


Findo o acto eleitoral, a repressão intensificou-se uma vez mais. Delgado foi demitido, não tardando a ter de solicitar asilo político na Embaixada do Brasil. Mais tarde e ao fim de complicadas diligências, seria autorizado a sair de Portugal, homiziando-se no Brasil e na Argélia. Muitos dos seus partidários foram igualmente demitidos, presos ou julgados. O bispo do Porto, que escrevera uma carta a Salazar insistindo sobre mudanças de método e políticas governamentais, teve de deixar o País também. Uma modificação ministerial (Agosto de 1958), se sacrificou Santos Costa - tornado incómodo em excesso, até para Salazar - excluiu, igualmente, Marcelo Caetano. E este, descontente com a marcha da política, afastou-se também do Conselho de Estado, de que era membro vitalício.


O período de agitação política prosseguiu durante algum tempo. Parte dos Católicos mais progressistas passou a intervir activamente em questões políticas e a lutar contra um regime que - segundo diziam - prejudicava a Igreja, alienando-lhe as simpatias de números cada vez maiores de indivíduos e travando-lhe a marcha indicada pelos novos tempos. Em Março de 1959, uma rebelião esteve para eclodir em Lisboa, com a participação decisiva de grupos católicos. Em Janeiro de 1961, a situação complicou-se com a captura do paquete "Santa Maria" por exilados políticos luso-espanhóis, chefiados por Delgado e Henrique Galvão, outro antigo militante situacionista que já se salientara como conselheiro do almirante Quintão Meireles, dez anos atrás. A captura tinha ligações com uma revolta que eclodiu, de facto, em Angola, em Fevereiro do mesmo ano. Em Abril de 1961, o próprio ministro da Defesa, general Botelho Moniz, tentou um golpe de estado contra Salazar, que fracassou. (…)
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