segunda-feira, 2 de junho de 2008

25 de Abril - «olhares» - «entrevistas» - «verdades» (30)




Relato"ABRILprisõesMIL"
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Relato de Manuel Maria Múrias
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Já não sei quem foi que disse:Quando ouço gritar: — Viva a Liberdade — volto-me logo a contar os presos...Em Portugal, nestes últimos vinte meses tem sido rigorosamente assim: — temos passado a vida a contar os prisioneiros, por entre o estrondear dos vivas à liberdade...
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No dia 26 de Abril de 1974, para reacender a luz da liberdade e da democracia escurecida pela longa noite do fascismo saíram da cadeia 150 pessoas — e entraram 2.000. Seis meses tornados, no 28 de Setembro, para assegurar melhor a liberdade e a democracia prenderam-se mais duas ou três centenas. Por volta do 11 de Março, o glorioso M.F.A., sempre no saudável intento de defender a liberdade e a democracia endemicamente periclitantes encarcerou outras tantas centenas de homens, até aí libérrimos. Um semestre passado, no 25 de Novembro, de novo para garantir a liberdade e a democracia agredidas violentamente pelas quadrilhas contra-revolucionárias, democraticidas e liberticidas que, até aí, as tinham defendido, detiveram-se cuidadosamente novos rores de gente. Fundadora das grandes penitenciárias e dos campos de concentração (os primeiros instituiram-nos os ingleses na guerra dos boers) a democracia clássica alimenta e vivifica com carinhos extremos uma já velha tradição carcereira...
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Em Portugal, por junto e contado, o horroroso fascismo, em quase meio século de existência, nunca foi tão longe. O Marquês de Pombal revelou-se-nos muito mais modesto; miguelistas e liberais, em relação aos nossos dias, portaram-se com parcimónia; os velhos republicanos românticos, embora democratíssimos, não se podem comparar. A história de Portugal não regista em tempo algum grande fervor prisional; batemos agora todos os nossos antigos níveis de repressão policial. Nunca fomos tão livres — com tantos presos. O Pina Manique ao pé do ex-general Otelo é um anjinho com asas de tarlatana; o Teles Jordão(*) ao lado do comandante Xavier é um néné de nanar.(*) – Teles Jordão, comandante do Forte da Junqueira, prisão miguelista.
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Diz-se para aí que só a verdade é revolucionária. A frase é bonita. Se não for só um blague dos políticos, sempre me atreverei a dizê-la. Já agora estou velho para começar a mentir; suficientemente jovem ainda, porém, para distinguir uma revolução duma substituição — e dizê-lo.
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No pensamento político português pouco especulado e comentado, a primeira missão do poder é fazer justiça. E fazer justiça é, no melhor pensamento político português, defender o fraco do forte, distribuir equitativamente a riqueza, recriando-a e aumentando-a, garantir as liberdades, não abusar do poder, nem da autoridade, julgar insensatamente. De Garcia de Resende ao Padre António Vieira, passando por João de Barros e por Bernardes, a teoria do poder político em Portugal resume-se em fazer justiça. Daí que se não possa fazer política — sem fazer justiça. O que se passa neste momento em Portugal, nesse transcendente plano, deve ser considerado como uma infâmia que nos emporcalha a todos, portugueses, livres e presos.
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Não quero falar, por agora, dos perseguidos, dos exilados, dos desalojados, dos espoliados, dos desempregados, dos arruinados — de tantos milhões de portugueses que o deixaram de ser por simples decisão do poder político. Não. Quero limitar-me aos presos, aos meus camaradas de tantos meses, vítimas inocentes do ódio demo-comunista que nos sufoca ainda. Quero referir-me só a esses porque talvez sofrendo menos que a maioria acompanhei doloridamente o seu espantoso calvário. Não queria esquecer nenhum: — tenho-os todos na alma. Homens de quase oitenta anos com a genica e a coragem de jovenzitos de vinte; sempre impecáveis, sempre sorridentes, com a dignidade de quem não deve nem teme. Rapazelhos de dezasseis e dezassete anos a comportarem-se com a maturidade e a força de quem já sofreu muito. Lembro-os a todos: — milhares de lições de coragem.
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Às vezes, durante este longo ano, esparramado no meu catre de Caxias ou na minha cela da Penitenciária entretido a contar percevejos (tive a subida honrada de oferecer um ao Vice-Presidente da Cruz Vermelha Internacional que, amavelmente, me visitou pour rien...) — a minha situação parecia-me completamente irreal. Ainda estou para saber porque fui preso — e naqueles momentos, embora a curiosidade me não matasse, o sentir-me personagem de Kafka dava-me um certo gozo intelectual. Depois, mirando os meus companheiros (um pide, um arquitecto, um lubrificador de ascensores, um contínuo, um electricista, um tenente-coronel, dois estudantes, um banheiro, tantas e tantas centenas...) sentia agudamente o que sofriam. E revoltava-me. E perguntava. Como é possível?Como é possível estarmos nós aqui — e o país a ruir lá fora? Como é possível, estando eu preso aqui com mais duas mil pessoas — haver um Ministro da Justiça com o desplante de declarar que, em Portugal, não há presos políticos? Como é possível?
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in PortugalClub - sáb 31-05-2008 22:36
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Aliança NacionalPonto de Encontro Nacionalista
Informações e forum de ideias. Ponto de encontro nacionalista.
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2003/10/24
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AS MINHAS MEMÓRIAS DO MANUEL MARIA MÚRIAS(I)
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* António da Cruz Rodrigues
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Morreu no ano em que morria o século, com 72 anos, o Manuel Maria Múrias, porventura de tanto ter sido um Homem plenamente do seu tempo, tão ardentemente envolvido que andou nos nossos maiores combates da segunda metade do séc. XX. Com o Manuel Maria, desde 1968, o ano em que pessoalmente nos conhecemos, vivi períodos diversos, todos intensos, de aproximação e amizade. Mas os sete anos de 1989 a 1995 foram de proximidade espiritual total e muito profunda, com longas conversas muitas vezes diárias, no mínimo semanais e muito apoio mútuo: sete anos que me dão jus a acreditar que o conheci como poucos. Pelo que, como poucos, fora dos seus familiares, poderei dizer que ao perdê-lo morreu substancial parte de mim mesmo, impedida que ficou essa parte de crescer e renovar-se como se renovava constantemente no convívio com ele. O conversador, o escritor, o jornalista Porque era, como todos os que o conheceram sabem, um conversador incomparável e com os mais imprevisíveis rasgos de humor, com frequência derrapando em catadupas de sarcasmos sangrentos e vingativos. Na noite do velório, quando fomos cumprimentar a família, vim cá fora abraçar o irmão Nuno e ficámos ambos muito comovidos a falar do Manuel Maria. Quando instantes depois demos por nós, calámo-nos de repente, confundidos por repararmos que sem querer tínhamos começado quase à gargalhada a lembrarmo-nos de tantas blagues e situações verdadeiramente hilariantes vividas com o Manuel Maria. Apesar do insólito, recordar Manuel Maria daquela maneira não deixava de ser uma grande homenagem para que a sua memória espontaneamente e ternamente nos arrastava. Esse espírito de grande humor e vivacidade crítica está presente em muitos dos seus artigos e colaborações na Imprensa. Mas também está no livro que é a sua obra mais completa e profunda e que muito me orgulho de lhe ter «encomendado» para uma editora que pensava lançar e viria a ser a Nova Arrancada: o livro é «De Salazar a Costa Gomes», a reflexão apaixonada e lúcida e a mais fascinante que terá sido escrita sobre um dos mais graves períodos de transição da nossa História. Pouco antes tinha ele acabado o «Chiado - Do séc. XII ao 25 de Abril», que através da Universidade Livre também combinara com o Manuel Maria, com o propósito de ser um roteiro capaz de ajudar à ressurreição do Chiado, ardido em 1998, mas que o A. transformaria na belíssima história social e cultural do famoso bairro de Lisboa, que a N. A. igualmente viria a publicar. Em 1997, propus ao Manuel Maria que organizássemos uma 2ª edição do «Chiado», revista por ele e que fosse muito ilustrada. A sua saúde, que o foi ajudando cada vez menos, impediu a concretização da ideia. Hoje lamento-o profundamente, mesmo com a certeza de que essa tentativa foi a única fracassada das várias, para não dizer muitas, em que juntos nos empenhámos. Porque me lembro com alegria e orgulho de tantas em que fomos bem sucedidos, mesmo quando derrotados pela força de certas circunstâncias. Foi o caso do Bandarra. Fora o Múrias quem me deu de chofre a notícia da militarada de Abril, telefonando-me para casa às quatro da madrugada. Eu tinha publicado dois meses antes na Resistência o editorial dirigido ao Spínola, com o título «Demita-se, Senhor General!» Diga-se que o editorial causou um grande impacto nos meios políticos da situação e que muitos consideravam ter dado mais um empurrão decisivo na demissão do general pelo governo Caetano. Múrias, pelo telefone, não deixou de mo lembrar por meias palavras. Fossem quais fossem os revoltosos, não iriam perdoar-mo, deixou entender: «Você acautele-se! Vêm aí tempos péssimos...», desligou. De facto, os vencedores não me perdoaram. Mas a ele também não. Fomos ambos dos primeiros suspensos nos respectivos serviços do Estado e proibidos de aí voltar: ele na R. T.P.; e eu no Ministério das Corporações, logo em 2 de Maio, ambos ficando a aguardar a demissão compulsiva. Éramos peste. Os crimes dele, a avaliar por tudo o que veio a sofrer, seriam ainda piores que os meus. Pois que eu, em processo sem direito a defesa, apenas vim a ser acusado de delitos de opinião cometidos na Resistência, principalmente o editorial publicado contra o Spínola e o artigo que depois aí escrevi também contra o homem, em Junho, a propósito do seu discurso de anúncio da descolonização que havia de revelar-se exemplar. No fundo, eles tinham razão. Éramos não só peste mas pior ainda, indomáveis. O Múrias, porque nos mantínhamos sempre em contacto, sei que não parou; e eu, com alguns amigos do Vector - o Agnelo Galamba de Oliveira, o Adelino Felgueiras Barreto, o Pedro Garcia Rocha, o João Manuel Cortez Pinto e mais três novatos - no dia oito de Maio já estávamos clandestinamente, num pinhal perto de Conímbriga, a encontrarmo-nos com o velho António Sousa Machado, o Fernando Meira Ramos, o Joaquim Mendes de Vasconcelos e o Nuno Bigotte Chorão, idos do Porto, para decidirmos a criação do M.P.P. - Movimento Popular Português. Apoiando-nos secretamente e na sombra, veio logo o Henrique Martins de Carvalho, que tinha estado um mês antes do 25/04 em Lausanne com a numerosa delegação do Vector ao Congresso do Office lntemational desse ano, donde viera espantado com a força das nossas ligações nacionais e internacionais. Mais tarde lamentaria eu não ter ligado às apreciações que o Manuel Maria me veio a fazer da personagem. O M.P.P. foi um dos primeiros «partidos» daquela vaga de «partidos» surgidos como cogumelos logo a seguir ao 25/04 - para desaparecerem aliás, em geral, com o 28 de Setembro (1974) ou com o 11 de Março (1975). Mas foi sobretudo o primeiro de todos, e muito antes de todos, a atacar frontal e expressamente o P.C.P., alto e bom som, por sinal num então famoso folheto de 16 páginas intitulado «PCP Partido Fascista», distribuído aos milhares, e em muitas dezenas de grandes cartazes afixados por Lisboa inteira, tudo a partir da sede da Resistência e do Vector, na Rua Nova de São Mamede. Uma coisa era certa: nós no M.P.P., já em Maio/Junho de 1974 não tínhamos dúvida alguma sobre quem então era o principal inimigo de Portugal e dos Portugueses. Mas, apesar de tanto, naqueles primeiros meses de Revolução do 25 de Abril ao 28 de Setembro, talvez o mais bonito de tudo tenha sido mesmo o Bandarra. Como nasceu o Bandarra Em Abril/Setembro de 1974, eu e mais dois amigos, o Agnelo Galamba de Oliveira e o José Francisco Rodrigues, éramos já os únicos accionistas e administradores que nos aguentávamos de pé e activos na Editorial Restauração, dona do semanário Debate e editora de várias obras muito significativas, de carácter histórico e doutrinário, os três vendo debandar outros e com muitas e mais antigas responsabilidades. Como o Debate não tivesse resistido a essa debandada*, o Manuel Maria procurou-me um dia a perguntar-me se eu e a Restauração não quereríamos editar um novo semanário. Já tinha nome, Bandarra. Obtido por mim o acordo dos meus colegas de administração, respondi-lhe rapidamente que sim, desde logo pondo à disposição do novo semanário as instalações para o funcionamento da sua direcção e redacção e o pessoal que tínhamos, os inesquecíveis e mesmo heróicos e sacrificados irmãos Lopes. Com tudo isso, passados poucos dias, já o Manuel obtinha a garantia de apoio financeiro de importantes senhores da nossa praça. Assinadas e avalizadas pelos três administradores em exercício as livranças que ficavam a garantir o empréstimo bancário facultado pelos aludidos senhores, o Bandarra pôde arrancar. Em glória, como todos sabem, tal foi a onda de surpreendido entusiasmo e jubilosa esperança que imediatamente começou a chegar-nos. Talvez não seja excessivo dizer-se que o Bandarra terá sido uma das causas da feroz reacção comunista triunfante com o 28 de Setembro. De facto, os comunas e apaniguados podiam lá tolerar aquela tão clara manifestação anti e contra-revolucionária, dum vigor como depois do 25 ainda se não vira? O 28 de Setembro é o claro desmascarar do PREC até aí mais ou menos tacteante e às apalpadelas e o Bandarra e o seu principal mentor jornalístico, o M.M.M. - grandemente apoiado pelo Miguel Freitas da Costa -, não podiam deixar de ser das primeiras e das principais vítimas do PREC. O Múrias foi para o RALIS e logo para o Forte de Caxias, ainda em 28, depois para a Penitenciária, aí permanecendo até perto do Natal de 1995, um dos últimos criminosos reaccionários da vaga do 28/09 a serem libertados; e o Bandarra, assaltadas e vandalizadas as instalações da Travessa de São Pedro (em Lisboa), impedidos pessoal e dirigentes de lá entrarmos durante meses, queimado à porta, na rua, pela populaça, os exemplares do número dois, não pôde continuar a publicar-se. Digamos que o fracasso do Bandarra foi no mínimo, mesmo assim, uma derrota honrosa. Algum tempo depois fui chamado a Caxias para prestar declarações. Queriam saber porquê e como tinha nascido o Bandarra. Quando me interrogaram sobre o Múrias e lhes respondi que o considerava o maior jornalista português vivo, os dois tenentes que me ouviam - tenho ideia que não passavam de tenentes, se não mesmo de alferes – olharam-me como ET's e não quiseram mais nada; puseram-se a redigir o auto de declarações, que assinei, e mandaram-me logo embora. Não voltaram a incomodar-me, nem a nenhum dos restantes administradores. Mas outros o tinham já feito ou viriam a fazê-lo, por causa da Resistência e do Vector... Ainda uma nota curiosa sobre o rescaldo do Bandarra: surpreendentemente, nunca ninguém viria a exigir, nem aos avalistas, o pagamento das letras do empréstimo bancário à Restauração, todo gasto nos três números publicados. Coisas do 28/09 e do 11 de Março, e suas nacionalizações, que deixaram os prequianos empanturrados, incapazes de digerir e organizar as suas conquistas, ou sequer de travar o caos por eles e elas desencadeado... _____________________________________ * o último número do "Debate" saiu ainda esse sábado, a seguir a 25/04/74, porque já estava na tipografia.


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AS MINHAS MEMÓRIAS DO MANUEL MARIA MÚRIAS (II)
António da Cruz Rodrigues (continuação do post de 2003/10/24) Depois da prisão: a Rua. Sem ironia... Quando saiu da Penitenciária, depois de quase catorze meses de prisão sem culpa formada - visitei-o lá duas vezes e continuava feroz e pronto para a blague como sempre - o Múrias vinha ansioso e pronto para novas batalhas e a transbordar da sua verve combativa, como que renovada e reciclada pela grandeza da experiência que para ele foi a prisão. Talvez de tão injusta, que por isso não o diminuiu nem na sua inteligência, nem na sua dignidade, antes pelo contrário. Pedi-lhe que relatasse para a Resistência, que eu dirigia - quase a única e a mais duradoura sobrevivente à Revolução das publicações de análise doutrinária, de crítica e de combate de antes de Abril - pedi ao Múrias que relatasse para aí as suas experiências e meditações da prisão, tão fascinado me senti com os seus relatos orais. Ele era aliás um velho colaborador da revista. Correspondeu por isso prontamente ao meu convite, em artigo que convido os leitores de agora a ler ou reler se tiverem a Resistência à mão, para imaginarem ou recordarem as extraordinárias impressões que causou *. Foi ali que o Múrias renasceu para o jornalismo - e com que brilho! - depois de libertado, antes de lançar-se, um ano e tal mais tarde, na criação, direcção e redacção da Rua, em cuja origem e vida nada tive, talvez porque andávamos ambos exclusivamente absorvidos e dominados cada um por seu projecto: ele a Rua e eu a Universidade Livre e comigo todo o grupo do Círculo de Estudos Sociais Vector e alguns convidados. Julgo que um dos maiores prejuízos - ou crimes? - causados - cometidos? - pelo PREC foi ter sequestrado na prisão, entre Caxias e a Penitenciária, durante o longo período de 14 meses, uma parte muito importante da elite social e cultural portuguesa. Atrevo-me a dizer que não tanto pela duração do período de prisão, e prisão sem provas nem pronúncia, mas sobretudo pelo que esse período, coincidente com o PREC, significou para a vivência nacional dos Portugueses. Sob esse aspecto, terá sido mesmo - creio firmemente - o período mais importante destes 50 anos da vida dos Portugueses como entidade colectiva nacional, agudamente consciente de si mesma, período só sobrepujado pela grandeza da mobilização nacional durante alguns anos das guerras do Ultramar. Deste ponto de vista, o Múrias foi seguramente uma das grandes vítimas do PREC abrilino. Cuidadosamente guardado como ele dizia, em Caxias e na Penitenciária pelo pavor que os donos do PREC tinham da reacção (nacional) - talvez o maior factor da derrota final deles - o Múrias não pôde viver na carne e no convívio ombro a ombro, de todos os dias, como todos nós os que ficámos cá fora, a magnitude e o sublime dessa experiência espontaneamente colectiva, durante esses meses e sobretudo entre 13 de Março e 25 de Novembro de 1975, numa apoteose épica que atirava os Portugueses como um homem só ou uma só família, numa só e única expectativa, contra a frente comunista e anti-nacional dos partidos e organizações militares ou civis de esquerda. Ao Múrias, como a tantos outros companheiros seus de cadeia, ficou a faltar-lhes seguramente essa experiência intransmissível para compreenderem que, finda ela, o combate que se impunha à Direita já não era o mesmo combate de antes do 28 de Setembro. Já não se impunha tanto o combate político-polémico do Bandarra, retomado pela Rua, mas outro, o combate cultural, de que a maior expressão, na sociedade civil, viria a ser - o que até hoje ninguém foi capaz de negar - a criação da Universidade Livre. Uma constatação se impõe, porém: se a Rua foi derrotada por carência já de ambiente oportuno, a Universidade Livre também foi derrotada, ainda que pelo contrário, isto é, por excesso de receptividade ambiente. Muitos videirinhos do meio universitário entenderam a Universidade privada antes de mais como uma formidável oportunidade de negócio, e não descansaram enquanto não convenceram o Ministro da Educação a dar-lhes, duma assentada, outras quatro ou cinco universidades — que acolheram os alunos da Universidade Livre, para isso a tempo impedida de funcionar pelo ministro cúmplice — seguidas essas, nos dois ou três anos depois, de mais quatro ou cinco novas privadas. Os tristes resultados já públicos de certas dessas universidades não impedirão de reconhecer que, seja como for e embora transformado em negócio chorudo o objectivo principal imediato da maioria das universidades portuguesas privadas, o facto essencial é que graças à incidência do ensino universitário privado, inventado pela Universidade Livre, o tendencial monolitismo esquerdista da sociedade portuguesa a seguir a Abril foi definitivamente derrotado. Por decidida opção, aliás, da sociedade civil que tão rápida e largamente correspondeu à sua criação. Tudo visto, creio não exagerar dizendo que durante alguns anos muito ou quase tudo o que era elite portuguesa de Direita, por esta congregado ou satelitizado, esteve efectivamente alinhado à volta d' a Rua e da Universidade Livre. Mais importante que isso, porém, será reconhecer que sem o caminho aberto pela U.L. muitas dezenas, mesmo centenas de milhares de jovens portugueses não teriam tido acesso ao ensino universitário. Sem esquecer que a U.L. foi a principal vítima sacrificada da mais feroz guerra de facções dentro da Direita portuguesa, após Abril. Outra vítima terá sido a Rua? O polemetista: de como Manuel Maria Múrias calou Mário Sores Nos tempos que seguiram ao fim d’a Rua, eu e o Manuel Maria recomeçamos a encontrar-nos com certa frequência. E aí por 1988, quando a Universidade Livre, vítima de muitos ódios e em especial o ódio do Ministro João de Deus Pinheiro, já me deixava tempo desocupado, e quando ele Múrias já se apresentava recuperado da queda d'a Rua, de novo cheio de criatividade intelectual e capacidade de afirmação, foi então que se me proporcionou, por razões pessoais que aqui não interessam, propor ao Manuel Maria que fizesse para nós, a Sogelivre, proprietária da U .L., um livro sobre o Chiado, que tinha ardido quase dois anos antes e era preciso "reconstruir" ou não deixar perder, no imaginário nacional. Debatemos muito o assunto entre nós ao longo de muitas conversas quase diárias e, depois de muitas incertezas, ele acabou por decidir-se, e eu aceitei, pelo que viria a ser um belíssimo roteiro histórico, cultural e social do Chiado. Mas, enquanto pesquisava nas bibliotecas e arquivos, com vista ao roteiro, o Múrias foi congeminando e desenvolvendo a ideia, que me propôs e eu também aceitei sem hesitar, do livro "De Salazar a Costa Gomes", que começou a escrever mal acabou o Chiado. Foi-mo "contando" com crescente entusiasmo enquanto o livro crescia e eu crescendo na certeza de estar a assistir à génese duma grande obra, talvez genial. Tinha-se celebrado entretanto o centenário do nascimento do Doutor Salazar, em 1989. Logo a seguir, a partir de um grupo dos que, por iniciativa do Vector, nos deslocámos às comemorações do Vimieiro, em 28 de Julho, nomeadamente o Adelino Felgueiras Barreto, o Herlânder Duarte, o Manuel Arnao Metello e o José Carlos de Athayde de Tavares, a que se juntaram outros, como José Pinheiro da Silva, Francisco Ferro, Rui da Palma Carlos, Eduardo Conceição, decidiu-se criar o Núcleo de Estudos Oliveira Salazar, ou N.E.O.S.. O Manuel Maria era pouco afeito a comemorativismos e talvez ainda menos a grupismos. Não se interessou, portanto, por aí além, pelo N.E.O.S. em regime de comissão instaladora, a que presidi - mas apanhei-o distraído e consegui dele o que viria a ser, admito, um dos mais se não o mais importante estudo em defesa da personalidade de Oliveira Salazar promovido até hoje pelo N .E.O.S.. Conto a história simples. Um dia, creio que em Abril ou Maio de 1991, ia eu a entrar ou a sair da estação do Cais do Sodré, a pensar indignado nas aleivosias produzidas por Mário Soares num artigo publicado nessa manhã no Público, quando inesperadamente dou com o Manuel Maria a sair ou a entrar, a quem logo perguntei se lera o texto insultuoso. «Li, li — disse-me — li, li aquela merda». «Pois então torne a ler e prepare a resposta que você é a pessoa indicada que temos para responder-lhe» — exigi eu em nome do N.E.O.S. «Bem, vou pensar. Não vejo para quê pegar-lhe» — respondeu dubitativo. Mas fiquei com a certeza de que ele não falharia. De tal modo o fez que passados poucos dias me entregou o feroz e lucidíssimo artigo que viríamos logo a publicar em forma de opúsculo e se acha hoje entre as doze colaborações do volume também editado pela Nova Arrancada, com o título de Salazar Sem Máscaras. Em substância, defendia nele o Manuel Maria que na sua catilinada não fazia Soares outra coisa senão, meio consciente ou subconsciente, dar largas a uma espécie de complexo edipiano: atacando o Dr. Salazar, vingava-se por queixas mais ou menos recalcadas que teria contra o próprio Pai dele, o Dr. João Soares. Segundo o Múrias, pois, ao vilipendiar a memória de Salazar, o que Mário Soares fazia inconscientemente ou subconscientemente era limitar-se a matar a memória do Pai. A verdade é que nunca mais se ouviram os tonitruantes ataques de Mário Soares contra o Dr. Salazar, de tão certeira foi a contra- ofensiva do Múrias. Certo é que as melhores inspirações nos vêm muitas vezes dos piores adversários. O Múrias contou-me como foi. Mal me deixara no encontro do Cais do Sodré, quando deu com o estendal dum desses livreiros ambulantes ali costumeiros. Logo os olhares lhe terão caído num qualquer livro sobre psicanálise, que não hesitou em comprar e ler entusiasmado para concluir que a carapuça psicanalítica enfiava como uma luva no Mário Soares denegridor do antigo Presidente do Conselho. Tive, por isso, a talvez excessiva prudência de submeter a resposta do Múrias ao parecer técnico dum psiquiatra, naturalmente seguro conhecedor dos conceitos e descobertas de Freud e seus epígonos. O já referido Dr. Eduardo Conceição, psiquiatra, por mim a tal respeito ouvido, e como disse membro do N .E.O.S., não teve dúvidas em assegurar-me que a resposta do Múrias era perfeitamente conforme aos cânones psicanalíticos. O artigo foi um êxito. E Mário Soares não só não voltou a vilipendiar o Doutor Salazar, como até veio a produzir alguma coisa em defesa, no fundo, de Salazar: lembram-se do célebre relatório por ele subscrito sobre a política de Salazar, durante a 2ª Guerra Mundial, em relação com a famosíssima questão do ouro dos Judeus? Será que, consciente ou subconsciente, o artigo do Múrias terá ajudado Soares a descartar-se, e airosamente, daquela alhada que lhe armaram?... ____________________________________ * Números 115/116 da "Resistência" de 15/12/74. (continua num próximo post)


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AS MINHAS MEMÓRIAS DO MANUEL MARIA MÚRIAS(III)
António da Cruz Rodrigues (continuação do post de 2003/10/27) A Guerra do Golfo, os E.U.A. e os judeus O meu rol de recordações relacionadas com Múrias é, como se vê, variado e extenso. Mas o mais singular ainda será, talvez, que nunca entre nós tenha havido o menor desentendimento ou núvem ameaçadora do clima de militante simpatia que cedo e rapidamente se criou entre nós. Isso não nos impediu, nem quereríamos, de termos frequentes divergências amigáveis em matéria de opinião e de juízo sobre pessoas e acontecimentos. Poderia referir vários casos, mas dou só um exemplo, por o considerar particularmente elucidativo do tipo das nossas divergências de opinião. Era em 1991, durante a chamada Guerra do Golfo, tinha a U.R.S.S. acabado de soçobrar, desfazendo-se em repúblicas e territórios autónomos e ficando a tal ponto impotente que os E. U A. puderam lançar-se, hoje diria sem pudor, na aventura oportunista, bem calculada e bem premeditada, mesmo genialmente articulada por Bush, pai, da guerra contra Saddam Hussein, o presidente do Iraque. Aliás, mais tarde mediocremente imitada e mais mediocremente executada por Clinton em 1998/1999, contra Milosevic da Sérvia, por causa pretensamente do Kosovo. Múrias era por Saddam contra os E.UA.; eu contra Saddam. Ele pretendia que os E.UA. precisavam dum lição contra a sua arrogância agravada pela vitória final na Guerra Fria, então acabada de obter com a implosão do império comunista russo; eu ainda desconfiado do súbito esmagamento da U.R.S.S., não queria consentir nenhum trunfo que eventualmente permitisse, por então, a recuperação comunista, como poderia acontecer se os Americanos e o Ocidente ficassem humilhados na perda daquela cartada mundial. Ele achava que também Israel precisava de um bofetada bem assente, para ver se não continuava, com as suas querelas contra o resto do Médio e Próximo Oriente, a pôr ciclicamente em perigo a paz mundial, arrastando-nos a todos para uma nova Guerra Mundial, em defesa dos seus exclusivos interesses; eu pensava que os Árabes, e os Muçulmanos em geral, mais tarde ou mais cedo se encarregariam disso, de derrotar Israel sem que tivéssemos nós de comprometermo-nos, mas que, por então, prevalecia a necessidade de não deixar os comunistas recuperarem da sua derrota recente, voltando a assumir na sua periferia papel decisivo no vazio que os Americanos, uma vez humilhados, lá deixariam. Ele rematou a discussão com uma ironia: «Só há uma coisa em que você tem razão é que assim não teremos de voltar a receber na Europa, nos próximos tempos, milhares ou milhões de judeus em fuga de Israel, caso os E.UA. percam ou não ganhem esta guerra». Ambos estávamos longe de pensar na altura quanto, passados menos de dez anos, Israel viria a estar realmente ameaçado de soçobrar a uma simples, mas complexa Intifada e o Mundo ocidental efectivamente ameaçado de ter de entrar numa guerra que pode generalizar-se, em defesa só dos interesses judaicos e limitadamente americanos. Excluída a ironia, a discussão era, pois, toda ela muito... séria, porque, como se vê, os problemas do Médio e Próximo Oriente, conservam a plena actualidade, e cada vez mais, até. Nós que os vivemos, outra vez, agora intensamente, adivinhamos onde a discussão de há dez anos, continuada na actualidade, acabaria por levar. Descendente de judeus - ele de portuguesíssima cultura Mas, mudando de assunto, se me perguntarem o que me parece que melhor caracterizava a personalidade do Manuel Maria Múrias, responderei sem hesitar que era o seu profundo e enorme portuguesismo, ele que também afirmava alto a sua descendência de judeus cristãos-novos do nordeste de Portugal, pelo lado materno, Baptista, nome que igualmente usava. Filho de um grande jornalista e escritor, erudito e historiador, o Dr. Manuel Múrias, o que intelectualmente de certo modo mais avultava na formação do Manuel Maria era a sua marca de herdeiro espiritual, seguidor, contemporâneo ou interlocutor de três ou quatro gerações duma grande elite cultural portuguesa do séc. XX. Como que para lembrar bem as suas origens e clima em que foi criado, e as suas dívidas culturais, ele gostava de lembrar que aos onze anos já assistia com deleite às conversas entre seu Pai, comissário para Exposição do Mundo Português, e o ministro da tutela, nada mais nada menos que o Eng. Duarte Pacheco, ou, um pouco mais tarde, às tertúlias no gabinete de seu Pai, director da Biblioteca Nacional, com intelectuais portugueses e não raro o romeno Mircea Eliade e o espanhol Ortega y Gasset, o primeiro então adido cultural à embaixada da Roménia e o segundo refugiado da Guerra Civil de Espanha. Mas isso eram apenas vagas recordações de infância, porque o que nele se revelava único e definitivo era a sua cultura toda radicada no substracto duma assídua e regular convivência e familiaridade de autores de sucessivas gerações que sedimentaram a grandeza da inteligência portuguesa no séc. XX. Estou certo de que ele evocaria facilmente estes que recordo, entre mortos e vivos, um pouco ao acaso da memória, necessariamente com as lacunas que o Manuel Maria saberia evitar: o próprio Pai, Manuel Múrias, naturalmente, Rodrigues Cavalheiro, os Caetano Beirão, Pai e Filho, João Ameal, Damião Peres, Barradas de Oliveira, Domingos Mascarenhas, Amândio César, Eduardo Freitas da Costa, Manuel Gama, Augusto Gil, Alberto de Monsaraz, Ladislau Patrício, António Alves Martins, Guilherme de Faria, Álvaro Pinto, Nuno Sampayo, Manuel Alves de Oliveira, o Homem Cristo Filho, Leitão de Barros, Cotinelli TeImo, António Lopes Ribeiro, Fernando Garcia, Perdigão Queiroga, Manoel de Oliveira, Amadeo Sousa Cardoso, Luís Reis Santos, Diogo de Macedo, Ivo Cruz (Pai) e Manuel Ivo Cruz, Luís e Pedro de Freitas Branco, Francisco Franco, Almada Negreiros, António Duarte, Leopoldo de Almeida, Raul Lino, Manuel Lapa, Júlio Gil, Marcelo de Morais, António Pedro, António Lino, Santa Rita Pintor, Jorge Barradas, Mário Saa, Teixeira de Pascoais, Leonardo Coimbra, Fernando Pessoa, Afonso Lopes Vieira, António Corrêa de Oliveira, Luís de Montalvôr, Augusto de Castro, Fernando de Sousa, António Ferro, João de Castro Osório, Fernanda de Castro Ferro, Alfredo Pimenta, José Osório de Oliveira, Armando da Silva, Virgílio Godinho, Mascarenhas Barreto, António Sardinha, Hipólito Raposo, Xavier Cordeiro, José Pequito Rebelo, João do Amaral, Eugénio Tamagnini, António Patrício, Luís Forjaz Trigueiros, Miguel Trigueiros, César Augusto de Oliveira, António de Navarro, Óscar Paxeco, Horácio Bessa Ferreira, José Pacheco, Joaquim e Anrique Paço d'Arcos, António de Oliveira Salazar, Paulo Merêa, Luís Cabral de Moncada, Mário de Figueiredo, Mário de Albuquerque, Fezas Vital, Quirino de Jesus, Arnaldo Miranda Barbosa, Gomes Teixeira, Hernâni Cidade, Tomás de Figueiredo, Francisco Costa, Mário Beirão, Nuno Montemor, Conde de Aurora, Antero de Figueiredo, Alberto Monsaraz, Pedro Homem de Mello, Francisco José Velozo, Vitorino Nemésio, Agustina Bessa Luís, Miguel Torga, Folgado da Silveira, Reis Ventura, Natércia Freire, Ester de Lemos, João Correia de Oliveira, António de Cértima, Rachel Bastos, Vítor Martins, David Mourão-Ferreira, Joaquim Navarro de Andrade, Armando Cortesão, António José Saraiva, Marcelo Alves Caetano, Luís da Câmara Pina, Silvino Silvério Marques, Kaúlza de Arriaga, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, Guilherme Braga da Cruz, Manuel Rodrigues, Beleza dos Santos, José Pires Cardoso, Francisco Leite Pinto, Alberto Franco Nogueira, Reynaldo dos Santos, Diogo Pacheco de Amorim, José e Femando Bayolo Pacheco de Amorim, Afonso Rodrigues Queiró, Luís Ribeiro Soares, Jorge Borges de Macedo, José Dias Ferreira, Virgínia Rau, Francisco e João Manuel Cortez Pinto, Pedro Correia Marques, António de Sèves, Eduardo Brazão, Fortunato de Almeida, Fidelino de Figueiredo, A. Mendes Corrêa, Sampaio Bruno, Álvaro Ribeiro, Adriano Moreira, Afonso Botelho, António Quadros, Orlando Vitorino, Agostinho da Silva, Ruy Cinatti, José Marinho, António Braz Teixeira, Henrique Barrilaro Ruas, António TeImo, Femando Sylvan, Azinhal Abelho, Tomás Kim, José Hermano Saraiva, Pedro Soares Martinez, Henrique Martins de Carvalho, Manuel Gomes da Silva, António Manuel Pinto Barbosa, António Jacinto Ferreira, Joaquim Veríssimo Serrão, Daniel Serrão, D. Manuel Trindade Salgueiro, D. Francisco Maria da Silva, D. Manuel Mendes da Conceição Santos, D. António Reis Rodrigues, D. Manuel Almeida Trindade, D. José Patrocínio Dias, Mons. Miguel de Oliveira, Mons. Moreira das Neves, P.e Raul Machado, P.e Domingos Maurício dos Santos, P.e João Maia, P.e Joaquim de Jesus Guerra, P.e Henrique Rêma, P.e João Evangelista, P.e João Seabra, P.e José Quelhas Bigote, António José de Brito, António de Pina Martins, Ricardo Saavedra, António Manuel Couto Viana, Fernando Guedes, Manuel e Artur Anselmo, Fernando Jasmins Pereira, António Banha de Andrade, Herlânder Duarte, Jaime Nogueira Pinto, Rodrigo Emílio de Mello, Goulart Nogueira, João Bigotte Chorão, Miguel Castelo Branco, Luís Pinto Coelho, José Guimarães, Amorim de Carvalho, António Silva Resende, João Manuel Andrade, Mário Mendóça Frazão, Carlos Eduardo Bastos Soveral, Fernando Campos, Pinharanda Gomes, João Conde Veiga, Armor Pires Mota, Fernanda Leitão, Mário Saraiva, Francisco Hipólito Raposo, Barroso da Fonte, António Maria Zorro, Beckert d' Assunção, José O'Neill, José Vale de Figueiredo, Nuno Rogeiro, José Miguel Júdice, etc., etc., etc. Herdeiro, contemporâneo ou interlocutor da gente desta pléiade de mestres e exemplos de portuguesismo, Manuel Maria Múrias era um deles e, se foi discípulo e seguidor de muitos, foi exemplo e referência dos outros, como modelo de português de uma só peça, de antes quebrar que torcer, português de lei porque bebeu o essencial da sua cultura em raízes acima de tudo portuguesas. Raízes que, aliás, iam buscar seiva aos grandes expoentes da cultura portuguesa de todos os séculos, mas, talvez mais acentuadamente ainda, aos grandes modelos de portuguesismo cultural do séc. XIX, como Eça de Queiroz, Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, Alexandre Herculano, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, João de Deus, Conde de Arnoso, Oliveira Martins, os irmãos António e Jacinto Cândido... Quero em suma dizer que o Manuel Maria Múrias era verdadeiramente, como poucos ou nenhuns, o herdeiro e devedor directo duma formidável elite intelectual e cultural portuguesa. O que lhe bastava inteiramente. Dispensava, por isso, ser ou apresentar-se como herdeiro e devedor de qualquer outra das grandes tradições culturais da matriz judaica, cristã e europeia; fosse ela espanhola, italiana, inglesa, alemã, russa ou mesmo francesa, por muito grandes que tenham sido ou sejam. O homem de profunda fé católica E contudo, a imagem do Manuel Múrias ficaria radicalmente amputada se, recordando-o como homem de cultura e de espírito, o não recordássemos, com igual vigor e justiça, como homem de funda espiritualidade. Quem o conheceu, intimamente ou não, ou quem leu certos dos seus escritos, sabe como era capaz de se mostrar terrivelmente duro com sacerdotes e Bispos que julgasse no essencial traidores à tradição da Fé ou adversos a Portugal. Manuel Maria Múrias seria tudo, menos um clericalista. Mas sempre o conheci irrepreensivelmente fiel à sua Fé de católico, apostólico romano, ao magistério dos Papas, portanto. No meio dos seus constantes e prolongados sofrimentos dos últimos anos ou das suas iras de sempre de Português quando ferido no seu portuguesismo, jamais o senti tergiversar na sua fidelidade a Cristo e à sua Igreja, pelo contrário. Mas - Santo Deus! - uma capacidade como poucas para estigmatizar e cobrir de sarcasmos padres e Bispos de pechisbeque. Por isso, porque foi, enquanto a saúde lhe deixou, batalhador temido e intemerato e sem repouso, justifica-se bem que lhe apontemos o voto sagrado, catolicíssimo e portuguesíssimo: Que Deus o tenha em Sua santa guarda!


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