domingo, 23 de novembro de 2025

Judite Barros da Costa- O 25 de Novembro, tal como é contado pela direita portuguesa




*  Judite Barros da Costa
 
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O 25 de Novembro, tal como é contado pela direita portuguesa, é um daqueles dias que parecem vir embalados numa caixa bonita, com fita tricolor e um manual de instruções a dizer: "foi aqui que salvámos a democracia." Mas quem conhece a história com os pés na terra — a terra real, a que acolhe o povo e não os gabinetes — sabe que não foi bem isso que aconteceu. O 25 de Novembro foi, antes de mais, uma farsa, a tentativa de meter a Revolução dentro de casa, fechar a porta à chave e dizer-lhe: "fica quieta, que já brincaste demais." Portugal tinha acabado de descobrir que podia respirar, falar alto, inventar-se de novo... E o que fez o poder? Assustou-se com o pulmão cheio, com o peito aberto, com o povo que finalmente se via ao espelho sem patrão nem capataz.

A direita gosta de pintar esse dia como o momento em que "voltámos ao equilíbrio". Equilíbrio para quem? Para o trabalhador que voltou a ser mandado calar? Para o camponês que perdeu a terra recuperada?

Para o país que aprendeu que podia sonhar, mas não demasiado, porque o excesso de sonho incomoda quem manda? O 25 de Novembro foi o travão político mais bem embrulhado da nossa história contemporânea. Foi a mão que ajeita a gola ao mesmo tempo que aperta a nuca. Foi a palmada paternalista que diz: "nós adoramos Abril, mas com moderação, sim? Sem exageros. Sem povo demais. Sem horizontes longos."

Há uma frase não-escrita que paira sobre esta data...

Portugal pode ser livre, desde que não mexa demais.

É esta a democracia que muitos celebram... a que deixa viver, mas só até à linha marcada no chão. E quem tenta passar a linha é chamado de radical, perigoso e comunista.

É curioso... pois os mesmos que falam de 25 de Novembro como "defesa da liberdade" são os que têm alergia à liberdade quando ela aparece na rua, na fábrica, na greve, no sindicato, no corpo, nas causas...

Liberdade, para eles, é uma palavra que fica muito bem num mural, desde que ninguém tente vivê-la com convicção.

Mas o país não é parvo. O instinto português — aquele que sobreviveu ao salazarismo, à fome, ao mar e ao medo — sabe distinguir quando o futuro está a ser chamado e quando está a ser calado. E naquele novembro de 75, o futuro não foi derrotado. Foi apenas amarrado por uns tempos. O problema é que agora querem transformar essa amarra em monumento. Querem que o 25 de Novembro seja memória obrigatória, lição moral e santidade política.

Querem que aceitemos que o país só avança se for devagarinho, com o passo pequeno de quem teme cair. Querem que Portugal continue a confundir prudência com submissão, estabilidade com estagnação, prudência com medo.

Mas a verdade é simples e teimosa: o que sustenta uma democracia não é o medo do povo — é o povo sem medo. O que assusta certos sectores não é a desordem; é a possibilidade de o país querer mais do que a normalidade triste que lhe oferecem.

O que lhes custa admitir é que o 25 de Abril é maior do que o 25 de Novembro — porque foi vontade, não contenção. E por isso, quem é de esquerda não tem de ter pudor em dizê-lo: o 25 de Novembro foi o dia em que tentaram pôr um ferrolho no futuro. E o nosso trabalho, hoje, é manter esse ferrolho gasto, enferrujado, a ranger — até que um dia volte a cair sozinho. Porque Portugal merece mais do que uma democracia vigiada. Merece uma democracia vivida.


E isso, meus caros, só acontece quando o país deixa de pedir licença para ser feliz.

2025 11 22
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