* João d'Oliveira
É irónico, mas sobretudo revoltante, ver a extrema-direita a utilizar a sessão solene do 25 de Novembro para encenar um teatro barato contra a memória da Revolução.
O ato de André Ventura, ao arrancar o cravo vermelho do púlpito, é a medida exata da sua profunda aversão à liberdade popular e ao projeto de igualdade que Abril prometeu.
No entanto, há que ser contundente e ir ao cerne da questão: a celebração do 25 de Novembro é, para as forças mais progressistas, a celebração do encerramento e do travão ao processo revolucionário (PREC). Foi o momento em que a força da Esquerda, que defendia a transformação social profunda, foi neutralizada em favor de uma democracia liberal e burguesa.
A hipocrisia de Ventura reside nisto: ele ataca o cravo, símbolo do 25 de Abril que deu origem a tudo, ao mesmo tempo que celebra o 25 de Novembro, o momento que travou o avanço socialista. Se o 25 de Novembro é o seu dia, que o seja por ter dominado a revolução popular, e não por ser o dia da "Liberdade" que ele pretende distorcer.
A sua atitude é um ataque vulgar e inaceitável à memória da luta. Mas para nós, a maior afronta não é a rosa branca que ele prefere ao cravo; a maior afronta é a derrota do sonho popular que este dia representa.
O cravo vermelho não se retira, porque a luta por uma democracia justa e verdadeiramente progressista não parou em 1975.
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É de engolir em seco ver Pacheco de Amorim, vice-presidente do Parlamento, a pavonear-se no 25 de Novembro como se fosse o paladino da democracia, quando o MDLP, organização a que esteve ligado, deixou um rasto de bombas, medo e cadáveres. Não é opinião. Está documentado.
O MDLP espalhou explosivos por todo o país: sedes do PCP e do MDP/CDE destruídas; ataques a sindicatos e a activistas; redacções intimidadas à força de pólvora; carros armadilhados; bairros inteiros acordados com a casa a tremer. Era terrorismo político puro, destinado a travar a democracia nascente e a reinstalar o país no molde reaccionário de onde Abril o tinha arrancado.
E não falamos apenas de janelas partidas. Houve sangue. O assassinato do padre Max e de Maria de Lurdes, mortos pela bomba colocada no carro dele em 1976, continua a ser um lembrete brutal de até onde ia a violência da extrema-direita portuguesa, um ecossistema onde MDLP e ELP se moviam como duas faces da mesma pulsão antidemocrática.
É por isso que esta encenação de “defensor da liberdade” é tão insultuosa: alguém ligado a um grupo que tentou calar a esquerda a dinamite posa hoje como guardião da República. É a velha estratégia da extrema-direita: destruir o país num dia, posar para fotografias patrióticas no seguinte, sempre à espera que o povo esqueça quem estava a acender o rastilho.
A memória democrática não é descartável. Abril não se deixa reduzir a figurino militar nem entregue para lavagem histórica a quem tentou mandar a liberdade pelos ares.
Se há algo que o progresso nos ensina é simples: a democracia só se mantém viva quando se diz a verdade inteira, sem medo, e quando se expõe, com todas as letras, quem teve as mãos sujas de sangue enquanto o povo lutava para respirar.
2025 11 25
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Foto Victor Nogueira

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