quarta-feira, 3 de setembro de 2008

José Gomes Ferreira - «Homens do futuro»

Assunto: Homens do futuro Data: 3/Set/2008 22:09

Daqui vos envio mais um poema que transcrevi (acho que o autor não se importaria). Foi publicado com outras versões, creio que esta corresponde à última revisão. (Guilhermina)

* José Gomes Ferreira

«Homens do futuro»
.
ouvi, ouvi este poeta ignorado
que cá de longe fechado numa gaveta
no suor do século vinte
rodeado de chamas e de trovões,
vai atirar para o mundo
versos duros e sonâmbulos como eu.
Versos afiados como dentes de serra em mãos de injúria.
Versos agrestes como azorragues de nojo.
Versos rudes como machados de decepar.
Versos de lâmina contra a Paisagem do mundo
_ essa prostituta que parece andar às ordens dos ricos
para adormecer os poetas.
.
Fora, fora do planeta,
tu, mulher lânguida
de braços verdes
e cantos de pássaros no coração!
.
Fora, fora as árvores inúteis
_ ninfas paradas
para o cio dos faunos
escondidos no vento...
.
Fora, fora o céu
com nuvens onde não há chuva
mas cores para quadros de exposição!
.
Fora, fora os poentes
com sangue sem cadáveres
a iludir-nos de campos de batalha suspensos.
.
Fora, fora com as rosas vermelhas,
flâmulas de revolta para enterros na primavera
dos revolucionários mortos na cama!
.
Fora, fora as fontes
com água envenenada de solidão
para adormecer o desespero dos homens!
.
Fora, fora as heras nos muros
a vestirem de luz verde as sombras dos nossos mortos sempre de pé!
.
Fora, fora os rios
a esquecerem-nos as lágrimas dos pobres!
.
Fora, fora as papoilas,
tão contentes de parecerem o rasto de sangue heróico dum fantasma ferido!
.
Fora, fora tudo o que amoleça de afrodites
a teima das nossas garras
curvas de futuro!
.
Fora! Fora! Fora! Fora!
.
Deixem-nos o planeta descarnado e áspero
para vermos bem os esqueletos de tudo, até das nuvens.
Deixem-nos um planeta sem vales rumorosos de ecos húmidos
nem mulheres de flores nas planícies estendidas.
Um planeta feio de lágrimas e montes de sucata
com morcegos a trazerem nas asas a penumbra das tocas.
E estrelas que rompem do ferro fundente dos fornos!
E cavalos negros nas nuvrns de fumo das fábricas!
E flores de punhos cerrados das multidões em alma!
E barracões, e vielas, e vícios, e escravos
a suarem um simulacro de vida
entre bolor, fome, mãos de súplica e cadáveres,
montes de cadáveres, milhões de cadáveres, silêncios de cadáveres
e pedras!
.
Deixem-nos um planeta sem árvores de estrelas
a nós os poetas que estrangulámos todos os pássaros
para ouvirmos mais alto o silêncio dos homens
_ terríveis, à espera,
na sombra do chão
sujo da nossa morte.»

.

Enviado por Guilhermina


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