Muito interessante a entrevista de Mia Couto ao i. Destaco, aqui, a resposta a uma pergunta sobre o acordo ortográfico:
Não sou um militante contra o acordo. Não me reconheci em algumas da razões que foram invocadas para chegar a este acordo, como por exemplo que este acordo facilitaria um melhor entendimento entre a língua. Sempre li livros do Brasil e com o maior prazer, pelo facto de eles terem uma grafia ligeiramente diferente. Os meus livros e os de Saramago são publicados com a grafia original e nunca ninguém se queixou. Acho inclusivamente que há uma diferença na grafia que só traz valor. Mas não faço guerra ao acordo. As nossas guerras são outras, é perceber porque é que nós, países de língua portuguesa como Portugal ou Moçambique, estamos tão distantes do Brasil, porque é que o Brasil está tão distante de nós. Por que razão é que um filme português no Brasil tem de ser legendado. Porque é que quando eu chego ao Brasil e digo que sou de Moçambique, ninguém sabe onde é ou o que é Moçambique.
Na verdade, e desde o tempo dos Patinhas, nunca tive dificuldade em ler livros porque a ortografia era diferente, como, na realidade, continuará a ser, tal como a semântica e a sintaxe. Registo, ainda, a opinião de que a diversidade será sempre fonte de riqueza e não de empobrecimento.
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Discordo do escritor moçambicano quando desiste de combater o acordo, como se uma guerra impedisse outras, reconhecendo que ainda existe demasiada distância entre os países lusófonos. Acredito, no entanto, que esse problema está a esbater-se, sabendo-se que, hoje em dia, graças aos efeitos positivos da globalização, os brasileiros vão conhecendo outros autores da lusofonia.
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Quanto à legendagem dos filmes portugueses no Brasil, devo dizer que sou do tempo das primeiras telenovelas brasileiras em Portugal. Na época, a questão da legendagem chegou a ser colocada, porque havia muita coisa que nos escapava. Hoje, após vários anos de habituação, não há português que não entenda um brasileiro. O inverso, contudo, não é verdade, exactamente porque não têm o hábito de nos ouvir.
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Não será um acordo cheio de desacordos que irá contribuir para que a lusofonia se aproxime. O modo como tudo isto foi imposto é só mais um sintoma do luso provincianismo que vê a novidade como um bem absoluto.
É verdade que a língua sempre evoluiu e assim continuará e sempre haverá acordos ortográficos como sempre houve. No entanto, há uma diferença entre a evolução da língua e as modificações da ortografia: a primeira acontece naturalmente, as segundas derivam de decisões políticas que deveriam ter suporte científico e não estarem dependentes de vaidades ou de interesses comerciais (sendo que estes, na minha opinião, vivem no equívoco de que vão conquistar novos mercados, graças a edições iguais aqui e no Brasil).
Não me oponho ao acordo por entrever uma qualquer submissão ao Brasil ou por pensar que Portugal é que é o dono da língua. Não vejo mal em procurar harmonizar a ortografia no mundo lusófono, embora, por outro lado, não perceba qual a vantagem. As novas regras do hífen, em alguns casos, não me parecem descabidas.
Não percebo, por exemplo, a transformação dos nomes dos meses em nomes comuns e, sobretudo, não percebo que a fonética possa servir de base a um acordo entre países em que há precisamente diferenças… fonéticas. É um acordo estranho que cria novos desacordos.
Gosto de ouvir e de ler todos os “portugueses”, mesmo no interior de Portugal. Adoro ouvir o João Villaret ou o Mário Viegas, como adoro ouvir o Paulo Gracindo ou o Paulo Autran. Adoro as diferenças. O acordo não me faz falta nenhuma e as diferenças sempre me enriqueceram.