domingo, 1 de maio de 2011

Poema à Mãe - Eugénio de Andrade


Beringel - Pôr do Sol - Foto VN
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No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.
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Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.
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Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.
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Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.
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Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.
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Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.
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Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!
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Olha - queres ouvir-me? -
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;
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Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;
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Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...
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Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.
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Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.
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Boa noite. Eu vou com as aves.
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Voz: José Paulo Santos
Música de fundo: António Chainho e Teresa Salgueiro - "Sombra e nada mais"
Produzido com Audacity
Nota: aconselha-se a audição com auscultadores
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http://jprsantos.podomatic.com/entry/2007-03-22T07_03_18-07_00

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