O agoiro do bufo, nos penhascos,
foi o sinal da Paz.
O Silêncio baixou do Céu,
mesclou as cores todas o negrume,
o folhado calou o seu perfume,
e a Serra adormeceu.
Depois, apenas uma linha escura
e a nódoa branca de uma fonte amiga;
a fazer-me sedento, de a ouvir,
a água, num murmúrio de cantiga,
ajuda a Serra a dormir.
O murmúrio é a alma de um Poeta que se finou
e anda agora à procura, pela Serra,
da verdade dos sonhos que na Terra
nunca alcançou.
E outros murmúrios de água escuto, mais além:
os Poetas embalam sua Mãe,
que um dia os embalou.
Na noite calma,
a poesia da Serra adormecida
vem recolher-se em mim.
E o combate magnífico da Cor,
que eu vi de dia;
e o casamento do cheiro a maresia
com o perfume agreste do alecrim;
e os gritos mudos das rochas sequiosas que o Sol castiga
—passam a dar-se em mim.
E todo eu me alevanto e todo eu ardo.
Chego a julgar a Arrábida por Mãe,
quando não serei mais que seu bastardo.
A minha alma sente-se beijada
pela poalha da hora do Sol-pôr
sente-se a vida das seivas e a alegria
que faz cantar as aves na quebrada;
e a solidão augusta que me fala
pela mata cerrada,
aonde o ar no peito se me cala,
desceu da Serra e concentrou-se em mim.
E eu pressinto que a Noite, nesse instante,
se vai ajoelhar...
… … … … … … …. … … … … … … …
… … … … … … …. … … … … … … …
Ai não te cales, água murmurante!
Ai não te cales, voz do Poeta errante!,
—se não a Serra pode despertar.
In SERRA-MÃE , Ática, 1991
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