ELEGIA II
(Da Arrábida)
Alta Serra deserta,
donde vejo
As águas do Oceano duma banda,
E doutra já salgadas as do Tejo:
As águas do Oceano duma banda,
E doutra já salgadas as do Tejo:
Aquela
saüdade que me manda
Lágrimas derramar em toda a parte,
Que fará nesta saüdosa, e branda?
Lágrimas derramar em toda a parte,
Que fará nesta saüdosa, e branda?
Daqui
mais saüdoso o sol se parte;
Daqui muito mais claro, mais dourado,
Pelos montes, nascendo, se reparte.
Daqui muito mais claro, mais dourado,
Pelos montes, nascendo, se reparte.
Aqui
sob-lo mar dependurado
Um penedo sobre outro me ameaça
Das importunas ondas solapado.
Um penedo sobre outro me ameaça
Das importunas ondas solapado.
Duvido
poder ser que se desfaça
Com água clara, e branda a pedra dura
Com quem assim se beija, assim se abraça.
Com água clara, e branda a pedra dura
Com quem assim se beija, assim se abraça.
Mas
ouço queixar dentro a Lapa escura,
Roídas as entranhas aparecem
Daquela rouca voz, que lá murmura.
Roídas as entranhas aparecem
Daquela rouca voz, que lá murmura.
Eis
por cima da rocha áspera descem
Os troncos meio secos encurvados,
Eis sobem os que neles enverdecem.
Os troncos meio secos encurvados,
Eis sobem os que neles enverdecem.
Os
olhos meus dali dependurados,
Pergunto ao mar, às plantas, aos penedos
Como, quando, por quem foram criados?
Pergunto ao mar, às plantas, aos penedos
Como, quando, por quem foram criados?
Respondem-me
em segredo mil segredos,
Cujas primeiras letras vou cortando
Nos pés doutros mais verdes arvoredos.
Cujas primeiras letras vou cortando
Nos pés doutros mais verdes arvoredos.
Assim
com cousas mudas conversando,
Com mais quietação delas aprendo
Que outras que há, ensinar querem falando.
Com mais quietação delas aprendo
Que outras que há, ensinar querem falando.
Se
pelejo, se grito, se contendo
Com armas, com razão, com argumentos,
Elas só com calar ficam vencendo.
Com armas, com razão, com argumentos,
Elas só com calar ficam vencendo.
Ferido
de tamanhos sentimentos
Fico fora de mim, fico corrido
De ver sobre que fiz meus fundamentos.
Fico fora de mim, fico corrido
De ver sobre que fiz meus fundamentos.
Ali
me chamo cego, ali perdido,
Ali por tantos nomes me nomeio,
Quantos por culpas tenho merecido.
Ali por tantos nomes me nomeio,
Quantos por culpas tenho merecido.
Ali
gemo, e suspiro, ali pranteio;
Ali geme, e suspira, ali pranteia
O monte, e vai de meus suspiros cheio.
Ali geme, e suspira, ali pranteia
O monte, e vai de meus suspiros cheio.
Ali
me faz pasmar, ali me enleia
Quanto colhendo estou da saüdade,
Que por toda esta terra se semeia.
Quanto colhendo estou da saüdade,
Que por toda esta terra se semeia.
Ora
me ponho a rir da vaïdade,
Ora triste a chorar com quanto estudo
Erros solicitei da mocidade.
Ora triste a chorar com quanto estudo
Erros solicitei da mocidade.
Tudo
se muda enfim, muda-se tudo,
Tudo vejo mudar cada momento:
Eu de mal em pior também me mudo.
Tudo vejo mudar cada momento:
Eu de mal em pior também me mudo.
Soía
levantar meu pensamento
Assentado sobre estas penedias
Duras, eu duro mais nelas me assento.
Assentado sobre estas penedias
Duras, eu duro mais nelas me assento.
Punha-me
a ver correr as águas frias
Por cima de alvos seixos repartidas,
Que faziam tremer ervas sombrias.
Por cima de alvos seixos repartidas,
Que faziam tremer ervas sombrias.
As
flores, que levava já colhidas,
Passando pelos vales enjeitava
Por outras doutra nova cor vestidas.
Passando pelos vales enjeitava
Por outras doutra nova cor vestidas.
O
livre passarinho, que voava,
Cantando para o céu deixando a terra,
Da terra para o céu me encaminhava.
Cantando para o céu deixando a terra,
Da terra para o céu me encaminhava.
Cuidei
que se esquecesse nesta Serra
A dura imiga minha natureza;
Mas donde quer que vou lá me faz guerra.
A dura imiga minha natureza;
Mas donde quer que vou lá me faz guerra.
Oh!
quem vira naquela fortaleza
Rodeada de fogo de amor puro,
Daquele amor divino esta alma acesa!
Rodeada de fogo de amor puro,
Daquele amor divino esta alma acesa!
Quão
firme, e quão quieto, e quão seguro
No campo se pusera em desafio!
E quão brando sentira o ferro duro!
No campo se pusera em desafio!
E quão brando sentira o ferro duro!
Mas
se agora de mim me não confio,
Se fujo, se me escondo, se me temo,
É porque sinto fraco o peito frio.
Se fujo, se me escondo, se me temo,
É porque sinto fraco o peito frio.
Alevantam-se
os mares; e pasmo, e tremo:
Vejo vento contrário, desfaleço,
A corrente das mãos me leva o remo.
Vejo vento contrário, desfaleço,
A corrente das mãos me leva o remo.
Confesso
minha culpa, bem conheço
Que por mais graves males que padeça
Menos padecerei do que mereço.
Que por mais graves males que padeça
Menos padecerei do que mereço.
Mandais,
Senhor, que busque, bata, e peça,
Eu busco, bato, e peço a vós, Senhor,
Sem haver cousa em mim que vos mereça.
Eu busco, bato, e peço a vós, Senhor,
Sem haver cousa em mim que vos mereça.
Com
os braços na Cruz, meu Redentor,
Abertos me esperai, co lado aberto,
Manifestos sinais do vosso amor.
Abertos me esperai, co lado aberto,
Manifestos sinais do vosso amor.
Ah!
quem chegasse um dia de mais perto
A ver cos olhos de alma essa ferida,
Que esse coração mostra descoberto!
A ver cos olhos de alma essa ferida,
Que esse coração mostra descoberto!
Esse,
que por salvar gente perdida
De tanta piedade quis usar,
Que deu nas suas mãos a própria vida.
De tanta piedade quis usar,
Que deu nas suas mãos a própria vida.
A
sangue nos quisestes resgatar
De tão cruel, e duro cativeiro,
Vendido fostes vós por nos comprar.
De tão cruel, e duro cativeiro,
Vendido fostes vós por nos comprar.
Padecestes
por nós, manso Cordeiro,
Pisado, preso, e nu entre ladrões,
Ardendo o fogo posto no madeiro:
Arçam postos no fogo os corações.
Pisado, preso, e nu entre ladrões,
Ardendo o fogo posto no madeiro:
Arçam postos no fogo os corações.
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/fcruz.htm
Sem comentários:
Enviar um comentário