quarta-feira, 30 de setembro de 2015

um soneto de fernando assis pacheco



Primeira tirinha da Mafalda completa 51 anos

29 de setembro de 2015 - 14h09 


Em 29 de setembro de 1964, foi lançada a primeira tirinha de Mafalda no semanário “Primera Plana”, da Argentina. A personagem questionadora e indignada do cartunista Quino continua colecionando fãspelo mundo, 51 anos depois de seu nascimento.    



A tirinha ficou famosa por sua forte crítica social ao mundo moderno, associada sempre ao bom humor. Aos seis anos de idade, Mafalda odeia sopa e adora os Beatles. A garotinha de cabelos negros ornados por uma fita e rosto gorducho ficou conhecida por seu jeito rebelde e inconformado. Aos seis anos, filha de pais de classe média, ela nunca se limitou a questões típicas da infância, sempre lançando seu o olhar crítico e contestador para questões econômicas e sociais de todo o planeta. Confira abaixo:

 Mafalda faz 51 anos

Do Portal Vermelho, com Radioagência Nacional

http://www.vermelho.org.br/noticia/270842-11




um poema de armindo rodrigues


terça-feira, 29 de setembro de 2015

Manuel da Fonseca - Maria Campaniça

A OPERÁRIA

terça-feira, setembro 29, 2015

Uma reportagem exemplar...

... chegada por mail amigo (que adoptei... com uns pequenos alinhavos para que também minha fosse):


A OPERÁRIA

Quando Deus fez o paraíso logo nele instalou uma fábrica de calçado e por isso Adão e Eva procriaram até ao mais ínfimo operário. De todos eles, Maria José está há 24 anos sentada aquela máquina de costura, a unir o forro dos sapatos e a cose-los na máquina, a colar juntas para sapatos como se tivesse sido predestinada para que o patrão tivesse uma vida criativa e feliz.

Mal levanta os olhos, e diz que é a "primeira vez" que são visitados por um primeiro-ministro.

Passos e Portas estavam de visita a uma benedita fábrica de calçado, perto de Alcobaça, que fornece essencialmente o mercado militar estrangeiro. E disse Passos que quando era mais novo era moda usar botas da tropa. Contou o presidente do PSD que "era moda... uma vez até fui a uma tomada de posse, quando estava na JSD, com botas de tropa e blusão de cabedal.".

Os operários mantinham a sua atenção no trabalho que estavam, mecanicamente, a executar. Tirar moldes, coser peles, colar solas…

Muito obrigado,
José Monteiro!

Publicada por Sérgio Ribeiro à(s) 11:05

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

William Wordsworth - Splendour in the Grass

A POEM A DAY, COMPLETE WITH ANALYSIS, CRITICISM, BIOGRAPHICAL INFO, LITERARY ANECDOTES, TRIVIA, AND OUR OWN SKEWED SENSE OF HUMOUR :-)
(Poem #1173) Splendour in the Grass


 What though the radiance
 which was once so bright
 Be now for ever taken from my sight,
 Though nothing can bring back the hour
 Of splendour in the grass,
 of glory in the flower,
 We will grieve not, rather find
 Strength in what remains behind;
 In the primal sympathy
 Which having been must ever be;
 In the soothing thoughts that spring
 Out of human suffering;
 In the faith that looks through death,
 In years that bring the philosophic mind.
.
-- William Wordsworth
William Wordsworth's 'Splendour in the Grass' is the poem we hear in the 1961movie by the same name.  Natalie Wood and Warren Beatty starred and Wood was nominated for an Academy Award for her role as Deanie, Beatty's girlfriend.

The poem is from Intimations of Immortality from Recollections of Early Childhood, which begins with the majestic:

  There was a time when meadow, grove, and stream,
  The earth, and every common sight,
            To me did seem
        Apparelled in celestial light,
  The glory and the freshness of a dream.

The entire ode is well worth reading.

My first introduction to Splendour in the Grass was on a day when I was home from school, sick with the flu. I passed the day watching movies on the television. Though I was only about eleven or twelve years old, the poem really resonated. And who can forget Natalie Wood struggling to read it in her English class, then hearing her recite it again, this time much wiser,at the end of the movie?

Kassie
...

Ruy Belo - Esplendor na Relva




* Ruy Belo


Eu sei que deanie loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste


A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de deanie quem desiste


na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquela que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais

lhe será dado a ver o que ela era)
Mas em deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais 





in Poemas com Cinema, Assírio & Alvim, 2010



Ruy Belo: uma poesia que aprendeu a ver com o cinema


No dia em que o cinema Medeia Monumental acolhe em Lisboa uma sessão dedicada à relação da poesia de Ruy Belo com a sétima arte, que encerrará com a exibição de Esplendor na Relva, o PÚBLICO revela o manuscrito original do célebre soneto que o filme de Elia Kazan inspirou ao autor de Homem de Palavra(s).

“Eu sei que deanie loomis não existe/mas entre as mais essa mulher caminha/ e a sua evolução segue uma linha/ que à imaginação pura resiste”. Com esta quadra, que evoca a protagonista de Esplendor na Relva (Splendour in the Grass, 1961), interpretada por Natalie Wood no filme de Elia Kazan, inicia Ruy Belo (1933-1978) um dos seus mais notáveis e discutidos poemas, de que aqui apresentamos o manuscrito original, e ainda um posterior dactiloscrito emendado à mão, dois documentos inéditos cedidos pela mulher do poeta, Teresa Belo.

Este e outros poemas do autor nos quais comparecem expressamente filmes e actores, como No way out, Humphrey Bogart, Vício de matar ou Na morte de Marilyn, irão ser ditos hoje à noite pelo actor Pedro Lamares, no Medeia Monumental, em Lisboa, a abrir uma sessão dedicada à funda e persistente relação que a poesia de Ruy Belo estabeleceu com o cinema. A noite fechará com a exibição de Esplendor na Relva, mas antes ainda será possível ouvir o ensaísta António M. Feijó falard’A Deanie Loomis de Ruy Belo, e assistir a um breve filme que o linguista e filólogo Luís Filipe Lindley Cintra rodou do casamento do poeta com Teresa Belo, celebrado em Vila do Conde, donde esta é natural, em 1966.

Ruy Belo evoca este momento no poema Portugal sacro-profano - Vila do Conde, que também se irá ouvir no Monumental, mas na voz do actor e encenador Luís Miguel Cintra, filho do cineasta de ocasião, que também assistiu à boda quando tinha 17 anos. O seu pai, de resto, não foi apenas o realizador de serviço, tendo assumido também funções de produção.

Desde logo, conta Luís Miguel Cintra, foi preciso desencantar o noivo, que não aparecia. “Faltou à hora do casamento e alguém disse que se calhar se tinha distraído e ainda estava na pensão. O meu pai foi procurá-lo e lá estava ele: era fim de tarde e distraiu-se a ver o pôr-do-sol”.

Mas “o mais engraçado”, acrescenta o actor, é que “eram tão ingénuos, tão puros, que não tinham combinado onde iam passar a lua-de-mel, não sabiam o que iam fazer a seguir, e foi o meu pai que os meteu no carro, depois do copo de água, à procura de um sítio simpático onde os pudesse deixar”.

Teresa Belo precisa que o local escolhido acabou por ser Espinho. E se ignora em que momento Ruy Belo escreveu o poema de Vila do Conde, esse “lugar onde o coração se esconde/ e a mulher eterna tem a luz na fronte”, sabe, em contrapartida, que Literatura explicativa, o poema inicial de Homem de Palavra(s), “foi escrito em Espinho, nessa lua-de-mel improvisada”. E tendo em conta os caeirianos versos que o abrem, tudo indica que o poeta continuava fascinado com os pores-do-sol que já o distraíam em Vila do Conde: “O pôr-do-sol em espinho não é o pôr-do-sol/ nem mesmo o pôr-do-sol é bem o pôr-do-sol (…)”.

Ruy Belo não costumava datar os manuscritos, de modo que Teresa Belo também não sabe quando este escreveu a primeira versão de Esplendor na Relva, mas o mais provável é que tenha sido logo após ter visto a obra de Kazan, que se estreou em Portugal em 1962. “Começámos a namorar em 1961, e deve ter sido mais ou menos por essa altura que fomos ver o filme ao antigo cinema Eden”, conta.

E não a surpreende que Ruy Belo tenho esperado até ao final da década para dar a conhecer este soneto em Homem de Palavra(s), publicado em 1969 na icónica colecção dos Cadernos de Poesia da D. Quixote. “Ele escrevia livros muito organizados, e portanto ficavam bastantes poemas de fora à espera de um livro onde coubessem.”

As duas versões, manuscrita e dactiloscrita, que encontrou nos seus papéis e que nos autorizou a reproduzir mostram como o poema evoluiu até Ruy Belo se dar por satisfeito. Sendo que aquele que foi porventura o mais virtuoso fabbro da poesia portuguesa da segunda metade do século XX tendia a só se satisfazer com a exactidão.

É talvez por isso que, sendo emocionante ver agora na elegante caligrafia do poeta um soneto que os leitores de Ruy Belo tantas vezes leram em letra de forma, não deixa também de causar uma certa estranheza constatar que este Esplendor na relva possa ter tido versões anteriores, que não tenha nascido logo inteiro e perfeito, como sempre o conhecemos. Mas o que nos deveria espantar é justamente o contrário: que só alguns detalhes, ainda que bastante decisivos, distanciem esta primeira tentativa, escrita ao correr da caneta, do que veio a ser o resultado final.

Ruy Belo escreveu o poema depois de ver o filme de Kazan, que por sua vez se inspirou numa conhecida ode de William Wordsworth, fundador do Romantismo inglês e um poeta central na genealogia literária do poeta português, o que complica a aparente linearidade poema-filme-poema. Não por acaso, Esplendor na relva é um dos poemas de Ruy Belo que mais tinta tem feito correr, a começar pela do próprio autor, que em 1978, no prefácio à segunda edição de Homem de Palavra(s), o integra nos “poemas onde o cinema [o] ensinou a ver”.

Também o poeta e ensaísta Joaquim Manuel Magalhães, autor de alguns dos mais importantes e pioneiros textos críticos sobre Ruy Belo, e organizador da primeira compilação da sua obra poética, alude a este poema, vendo nele um exemplo da lição wordsworthiana: a da “poesia como memória, como transbordar de sentimentos após ter passado a emoção de os ter vivido”. Uma perspectiva que Pedro Serra, num ensaio mais recente, tenta pelo menos matizar, servindo-se deste mesmo poema para tentar demonstrar as dimensões pós-românticas da poesia de Ruy Belo.

Para lá de hesitações menos significativas - e descontando as maiúsculas nos nomes próprios, que o poeta viria a abolir em toda a sua poesia, para que "palavra alguma levante a cabeça no meio da frase" -, a versão manuscrita apresenta dois versos diferentes (e consideravelmente menos interessantes): onde hoje estão os já citados “e a sua evolução segue uma linha/ que à imaginação pura resiste”, o poeta começara por escrever: “e tem comportamento de rainha/ só possível a quem no ser persiste”. Versos que transitam ainda para o dactiloscrito, onde são depois riscados e corrigidos à mão para a sua versão definitiva.

E estes dois versos posteriores serão justamente aqueles em que irá centrar-se João Bénard da Costa, num texto que, sendo uma apreciação do filme de Kazan, é também do que de mais belo se escreveu sobre o poema que este inspirou. O histórico director da Cinemateca pergunta: “Resiste à ‘imaginação pura’ (…) ou resiste, ‘pura’, à imaginação? (…) Ou seja, o adjectivo ‘pura’ refere-se à imaginação ou a Deanie Loomis? Ou – pode ser também – à ‘linha que resiste’? Nestas três perguntas está o cerne de Deanie Loomis, de Natalie Wood e de Splendor in the Grass. São mulheres e filme da nossa imaginação? Ou são mulheres e filme que resistem à nossa imaginação? Ou são mulheres e filme que resistem a uma linha evolutiva que só na nossa imaginação existe?”.

Admite não ter respostas e suspeita de que o poeta também as não teria. O que sabe é que concorda com o que o próprio Ruy Belo escreveu, e que explica bem a importância do cinema na sua obra: “Ninguém, no futuro, nos perdoará não termos sabido ver, esse verbo que tão importante era já para os gregos”.

http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/ruy-belo-uma-poesia-que-aprendeu-a-ver-com-o-cinema-1709272?page=-1

domingo, 27 de setembro de 2015

Ruy Belo - Na morte de Marilyn



* Ruy Belo


Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quem a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e ao abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à governanta não me acorde amanhã
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sozinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar
que em vez de ver um todo se decida dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser atá ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou.



Ruy Belo
Transporte No Tempo

Editorial Presença

sábado, 26 de setembro de 2015

Joana Emídio Marques ~António Lobo Antunes. Ascensão e queda do ‘enfant terrible’ da literatura portuguesa

* Joana Emídio Marques
21 Fevereiro 2015
É o mais importante escritor português, mas o último romance vendeu 1600 exemplares na Fnac, quando há anos se vendiam 10 mil em três meses. Por que abandonámos este minotauro no seu labirinto?
Claudio Magris, um dos maiores pensadores da Europa contemporânea, dedicava a sua crónica no jornal Corriere della Sera, do dia 22 de janeiro, a António Lobo Antunes e chamava-lhe mesmo “um dos mais prodigiosos e fascinantes mestres”, “um Minotauro” da literatura. Ecos em Portugal deste notabilíssimo reconhecimento? Nenhuns. Apenas o blogue do projeto António Lobo Antunes na Web dava conta do acontecimento. Da editora D. Quixote, onde o escritor publica desde 1983, não houve qualquer reação nem no site, nem nas redes sociais. Aliás, na página do Facebook da chancela do grupo Leya, são escassas as referências ao escritor cujo último romance saiu apenas em outubro. Quem é que desistiu de Lobo Antunes? Os leitores ou a editora?
Pedro da Mata, diretor de comunicação da Fnac, dá-nos números arrasadores: nos três meses que passaram desde o seu lançamento, Caminho Como Uma Casa em Chamas vendeu apenas 1600 exemplares no conjunto de todas as Fnac portuguesas, que representam mais de 30% do mercado livreiro. E, apesar de a D. Quixote ter informado o Observador que o livro vai já na quarta edição, uma ronda pelas Fnac e Bertrand da cidade de Lisboa mostra que a única edição à venda é a primeira. Na livraria Bertrand do Centro Comercial da Amoreiras, uma das empregadas mostra no computador que nas outras casas deste grupo livreiro há ainda em stock entre 10 a 14 livros em cada uma.
Já a empresa GfK, que mede as vendas de livros não escolares de 80% do mercado português, confirma ao Observador que, entre 2012 e 2014, Lobo Antunes está apenas no grupo dos 40 escritores portugueses mais procurados. O grupo dos três mais vendidos é encabeçado por José Rodrigues dos Santos, cujo último livro ronda os 10 mil exemplares vendidos apenas nas lojas Fnac. Mais uma vez, Pedro da Mata resume bem a questão: “António Lobo Antunes deixou de ser um escritor da moda e tornou-se um escritor conceituado, 68% dos 1600 exemplares foram adquiridos por portadores do cartão Fnac, ou seja, são leitores cultos que compram livros todos os meses e provavelmente acompanham a obra de Lobo Antunes há muitos anos.”
Nelson de Matos, responsável editorial da D. Quixote entre 1981 e 2004, e um dos edificadores da carreira literária de Lobo Antunes, mostra-se “chocado e triste” com estes números e recorda que nos anos 80 se faziam “tiragens de 10 mil ou 15 mil livros que se vendiam em três meses”. O romance de 1999Exortação aos Crocodilos teve mesmo uma primeira edição em outubro de 1999 e uma segunda logo no mês seguinte, cada uma delas com a indicação de tiragens de 30 mil exemplares. Estamos a falar de 60 mil livros vendidos em dois meses. Mas, segundo Nelson de Matos, houve outras obras com vendas estrondosas, como A Morte de Carlos Gardel, que ultrapassou os 100 mil exemplares em pouco mais de um ano. Isto em 1994, quando não havia cadeias livreiras em todo o país, apenas pequenas livrarias.
Exortação aos Crocodilos
“Exortação aos Crocodilos”, de 1999, um dos grandes sucessos da carreira de Lobo Antunes
Sobre as muitas questões que estes números levantam, o Observador tentou sem sucesso falar com Maria da Piedade Ferreira, a editora de Lobo Antunes na D. Quixote.
Pedro da Mata considera que “há pouco investimento da editora neste autor e ele próprio não se promove, não interiorizou que as coisas mudaram. Hoje um livro e um autor vendem-se como um produto.” Seja pelas regras do mercado, seja por falta de investimento da editora ou por cansaço e pouca exigência dos leitores, a verdade é que o enfant terrible das letras portuguesas que fazia parar o país literário de cada vez que saía um livro seu, que tinha milhares de exemplares vendidos e edições esgotadas em poucos dias, desapareceu.
E desengane-se quem pensa que os seus livros de crónicas se vendem melhor. Pedro da Mata desmistifica: “quem gosta das crónicas de António Lobo Antunes vai lê-las na revista Visão e não compra o livro”. Nelson de Matos recusa esta teoria e contrapõe: “no meu tempo os livros de crónicas vendiam-se tanto como os romances, porque havia um trabalho de promoção do autor, um cuidado, um pensamento estratégico que deixou de haver por parte da D. Quixote e do grupo Leya em geral”.

A ordem natural das coisas?

Trinta e cinco anos de escrita, 25 romances, cinco livros de crónicas e um de correspondência, traduções em dezenas de línguas e pelo menos duas décadas à espera do prémio Nobel da Literatura fizeram de António Lobo Antunes “o elefante no meio da sala”, diz o escritor Bruno Vieira Amaral, 36 anos, prémio Pen Club Narrativa 2013.
“Ninguém escreve como ele. É, indiscutivelmente, o nosso maior escritor vivo e o único que pode legitimamente ambicionar o Nobel. Qualquer pessoa da minha geração que ambicione tornar-se escritor tem que passar por ele, lidar com a sua terrível força atratora, confrontar-se com o canto da sereia que é a sua escrita.” E remata: “só vende 1600 livros? Que bom para ele. Conquistou o direito de se estar nas tintas para os leitores, para o mercado e tudo isso”.
"António Lobo Antunes só vende 1600 livros? Que bom para ele. Conquistou o direito de se estar nas tintas para os leitores, para o mercado e tudo isso."
Bruno Vieira Amaral, escritor
Opinião diferente tem José Alexandre Ramos, responsável pelo projeto António Lobo Antunes na Web, que existe desde 2004 e que é provavelmente a mais bem organizada e completa base de dados sobre o escritor. Este analista financeiro, de 44 anos, aponta como determinante o facto de as editoras “só apostarem no que é vendável e não em literatura” e atira também contra a “parca” crítica literária em Portugal. “Estou convencido que muita gente continua a ler António Lobo Antunes; apenas deixou de ser moda comprar os seus livros para montra das estantes domésticas. E tem leitores cada vez mais novos. Mas a verdade é que é muito pouco o que se escreve sobre os seus livros em Portugal, e eu vejo isso no trabalho de recolha que faço. Sem falar na opinião de leitura do leitor comum, a crítica literária não sabe escrever sobre Lobo Antunes.”
Opinião idêntica tem o poeta e editor João Paulo Cotrim, que lê Lobo Antunes desde os 15 anos e considera que os livros e o escritor “não perderam o fascínio”, apesar de ele já não ser o “fenómeno mediático que foi”. José Riço Direitinho e António Guerreiro, ambos críticos literários com posições antagónicas perante a obra do escritor, lembram os tempos em que na Feira do Livro de Lisboa as mulheres faziam filas intermináveis para ter um autógrafo dele. “Era considerado o escritor português mais giro e muitas aproveitavam esse momento para lhe passarem os seus números de telefone pessoais”, conta Riço Direitinho, “depois ele dizia coisas que mais ninguém dizia, umas disparatadas outras não, e trouxe para a literatura uma novidade de temas, de estilo e de olhar”.
Por seu turno, António Guerreiro recorda: “Era um enfant terrible que depois adotou a postura de menino mimado, as pessoas queriam ouvir as suas boutades como quando ele chamava a Vergílio Ferreira ‘o Sartre de Fontanelas’.” Guerreiro, um dos críticos literários portugueses há mais tempo no ativo, tem escrito reiteradamente sobre “o excesso que se torna vazio” dos livros de António Lobo Antunes. Em 1990, assinou um texto intitulado “Crítica da faculdade de enjoar” onde se debruça sobre o livro Tratado das Paixões da Alma, afirmando que a obra de Lobo Antunes é um “kitsch de segundo grau”.
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António Guerreiro sobre “Tratado das Paixões da Alma”: “kitsch de segundo grau”
 Em 2007, o crítico Pedro Mexia quebrava a quase unanimidade que se instalou em torno do romancista, ao escrever: “o texto antuniano é hoje um melopeia cheia de repetições, parêntesis, devaneios, saltos temporais, períodos que não acabam e elidem os verbos (…) Essa concepção da escrita talvez explique o desgaste narrativo. António Lobo Antunes, sempre admirável nas duas páginas de uma crónica, tem escrito romances desnecessariamente prolixos e repetitivos.”
Nestas quase quatro décadas a viver para o oficio da escrita, António Lobo Antunes passou de um jovem, belo e promissor escritor a um homem envelhecido, descuidado com a sua imagem, como se aspirasse a fundir-se com o grotesco das suas personagens. Ao mesmo tempo, os seus livros trocaram o enredo por um trabalho sobre a linguagem que para uns é “genial”, como Riço Direitinho, João Paulo Cotrim e Bruno Vieira Amaral, e para outros, como António Guerreiro, é “vazio”.
A morte de José Saramago apagou do mapa o seu inimigo figadal e afastou aqueles que o liam como uma forma de contestar Saramago. “A geração que fez a Guerra Colonial e que lia e se revia nos seus romances foi morrendo, os currículos escolares não ajudam, nem a estúrdia coletiva em que vivem os jovens de hoje”, afirma Maria Alzira Seixo. Catedrática e especialista na obra antuniana, considera que este afastamento dos leitores de Lobo Antunes se pode ainda imputar à falta de investimento editorial e às políticas erradas do mercado de venda de livros.
"Era um enfant terrible que depois adotou a postura de menino mimado, as pessoas queriam ouvir as suas boutades como quando ele chamava a Vergílio Ferreira 'o Sartre de Fontanelas'."
António Guerreiro, crítico
“A crítica literária deixou de existir, os leitores não são convidados a pensar, a decifrar a obra. Um leitor de Lobo Antunes tem que ser envolvido pela obra, tem que aprender a lê-lo. Ora, sem uma editora que o ajude isto é uma tarefa impossível para ele”, declara Nelson de Matos.
Que elações podemos, então, tirar das escassas vendas do maior escritor português? António Lobo Antunes está morto? José Riço Direitinho é taxativo: “Lobo Antunes não está morto. Quem está morto são os leitores portugueses que só querem ler coisas fáceis, livros convencionais.”

Não entres tão depressa nessa noite escura

“A maior parte dos escritores deste país são castrados (…) fala-se em masturbação intelectual mas eu acho que nem é masturbação, são umas vagas festinhas na ponta do pirilau. Não têm sangue, não têm tripas (…) depois as pessoas queixam-se que em Portugal ninguém lê. É evidente que não leem (…) Portanto, eu compreendo que A Memória de Elefante se venda e também compreendo porque é que os outros não se vendem. Eu acho perfeitamente natural que eles não vendam porque aquilo que eles escrevem não é para ser lido a não ser por pessoas que gostam de fazer palavras cruzadas na alma ou jogar gamão dentro da cabeça, mas não viver. Não tem nada que ver com a vida (…) Tudo isso se passa ao nível da pequena cotterie com todas as suas mesquinhices, um pequeno bordel.”
Isto pode ler-se na primeira entrevista de sempre de António Lobo Antunes, publicada no extinto jornal Diário Popular, em 18 de outubro de 1979.
Quando chega à cena literária portuguesa, dominada ainda pelos neo-realistas e pelo cânone literário do crítico João Gaspar Simões, Lobo Antunes tem 36 anos, traz a nunca totalmente digerida Guerra Colonial para dentro do discurso literário, uma linguagem coloquial onde abundava o vernáculo, um estilo e um olhar absolutamente novos sobre as misérias do quotidiano da gente comum: “Ele foi uma pedrada no charco num tempo em que a escrita portuguesa era muito apetecida”, lembra o editor João Paulo Cotrim.
“O que me impressionou nele foi a liberdade de escrita, a capacidade de dizer coisas despropositadas, as suas metáforas impossíveis”, conta Riço Direitinho, que nessa altura tinha 18 anos, escrevia para o DN Jovem e tentava imitar o estilo antuniano. “Todos nós o imitávamos, a escrita dele cola-se à nossa, o olhar dele colava-se ao nosso”, diz ainda o crítico.
LISBON, PORTUGAL - SEPTEMBER 13:  A portrait of writer Antonio Lobo Antunes on November 09, 2010 in Lisbon, Portugal.  (Photo by Pedro Loureiro/Getty Images)
António Lobo Antunes em novembro de 2010 (Pedro Loureiro/Getty Images)
Se muitos aderiram e se renderam, muitos outros desconfiaram e as suas piadas e alusões a escritores mais velhos valeram-lhe muitos inimigos. A crítica não lhe perdoava o sucesso, a liberdade, a pose. Mas, em meados da década de 90, mais precisamente em 1996, com o romance Manual dos Inquisidores, quase todos acabam por se render. Entre eles o editor e escritor Luiz Pacheco, que tinha o hábito de assoar o nariz aos livros dos escritores mais novos, e Eduardo Prado Coelho, à data o mais determinante crítico literário português. No JL de 21 de novembro de 1996, depois de o chamar de “mimalho” e de lhe criticar o uso de “metáforas patetas” e o “exibicionismo cultural”, Pacheco reconhece: “gosto muito”, “venho aqui para aplaudi-lo”.
Em novembro de 2014, pouco depois da saída do livro Caminho Como Uma Casa em Chamas, António Guerreiro escrevia no jornal Público: “Nas entrevistas, António Lobo Antunes apresenta-se como um escritor que vive dentro de si a experiência da co-naturalidade com o acto criador, recuperando ideias que hoje já não subsistem, nem sequer nos nossos mitos: as ideias de inspiração, de génio, de entusiasmo (no sentido grego de possessão pelo divino).”
Ora, quem está atento ao mundo literário sabe que em cada entrevista António Lobo Antunes fala do Zé (Cardoso Pires), do Ernesto (Melo Antunes), da “mão que escreve sozinha”, dos “livros que se escrevem a si próprios”, “da infância em Benfica”, “do medo da morte”, “da possibilidade de deixar de escrever”. Conhece a postura da cabeça apoiada no dedo, da voz baixa e arrastada como se falasse sempre e só consigo mesmo, sabe que ele raramente ri, exceto nas conferências no estrangeiro. Para Maria Alzira Seixo, Lobo Antunes “é um homem encantador, com uma capacidade de riso e de ironia que ele usava na escrita e deixou de usar com muita pena minha”, lamenta a catedrática.
“A crítica literária deixou de existir, os leitores não são convidados a pensar, a decifrar a obra. Um leitor de Lobo Antunes tem que ser envolvido pela obra, tem que aprender a lê-lo. Ora, sem uma editora que o ajude isto é uma tarefa impossível para ele.”
Nelson de Matos, editor
É toda uma mitologia pessoal, um solipsismo que a pouco e pouco foram sugando a própria obra. “A sua grande personagem é ele próprio”, afirma Bruno Vieira Amaral. “Ninguém vai ler uma entrevista do Lobo Antunes para ouvir o que ele tem a dizer sobre o mundo, ou mesmo sobre os livros que escreve, mas sim para ouvir o que ele vai dizer sobre si mesmo. E é aí que reside o meu fascínio por ele. Porque ele o faz de uma maneira única.”
Já José Riço Direitinho e João Paulo Cotrim reconhecem que pode haver algum cansaço, quer pela persona que o escritor criou, quer pelo ritmo de publicação. “São livros muito exigentes, que demoram tempo a fruir e se lidos uns atrás do outros dá a impressão que estamos sempre a ler a mesma coisa”, diz Riço Direitinho, antes de lembrar como ele enche salas noutros países, “porque não têm que o ouvir dizer as mesmas coisas todos os anos”.
E Cotrim desmente mesmo o mito de Lobo Antunes ser “pouco disponível para os media”, mostrando o livro Confissões do Trapeiro, de Ana Paula Arnaut, que compila todas as entrevistas saídas na imprensa portuguesa entre 1979 e 2007, e onde se podem encontrar conversas dele com jornalistas ou escritores praticamente todos os anos. 

Se é verdade que muitas obras se esgotam prematuramente por serem demasiado admiradas, a vaidade indisfarçada de Lobo Antunes, os prémios e as honrarias, a falta de uma crítica confrontativa, não o impediram de viver para a escrita e de fazer dela a única finalidade da sua vida, o seu único ato moral e o seu eterno enigma. Ser uma coqueluche dos media não o fez desinvestir da obra para alimentar o fornalha da vaidade. Se há quem pressinta nele algo de falseado isso é, para outros, motivo de adoração.
Mas nas montras das livrarias, o grande esforço de marketing da Leya parece ter ido todo para vender o jovem Afonso Reis Cabral, de 24 anos, prémio Leya 2014, e para Inês Pedrosa, quando tem no seu catálogo o que Riço Direitinho diz ser “o único escritor genial de língua portuguesa, vivo”. O desinvestimento pode confirmar-se também nas redes sociais: a página do Facebook da D. Quixote, com os seus 6107 seguidores, tem, desde outubro até agora, apenas cinco menções a António Lobo Antunes, contra 28 posts sobre o novo romance de Inês Pedrosa (colocados em menos de um mês).
O desinvestimento da editora em Lobo Antunes pode confirmar-se nas redes sociais: a página do Facebook da D. Quixote tem, desde outubro até agora, apenas cinco menções a António Lobo Antunes, contra 28 posts sobre o novo romance de Inês Pedrosa (colocados em menos de um mês).
“O enredo não me interessa para nada”, declarava o escritor em novembro em entrevista à Visão. Desde o ano 2000, comExortação aos Crocodilos, a escrita antuniana tornou-se um depurado ofício sobre a linguagem, que torna os seus livros mais próximos do trabalho poético do que do romance convencional. “Ele é um malabarista de intensidades que está, desde o primeiro livro, a traçar um fresco sobre a sociedade portuguesa do final do século XX e início do século XXI. O que ele escreve é de uma importância tal que não pode ser arrumado só porque não é novidade”, declara João Paulo Cotrim, que recusa terminantemente ver o génio de Lobo Antunes apenas nas crónicas: “as crónicas aproximam leitores porque são fáceis de ler e cheias de sentimentalismo, mas a grande obra dele são os romances”. Nelson de Matos corrobora esta posição: “sempre me desgostou muito esta colagem da sua imagem às crónicas, porque as crónicas não são nada quando comparadas com a genialidade, a capacidade de criação escrita dos seus romances”.
José Alexandre Ramos prefere apontar que “a escrita de Lobo Antunes se tornou mais refinada”, e acrescenta: “eu tinha medo que com a idade lhe acontecesse o que aconteceu ao Saramago e a outros cujos últimos livros não são nada, mais valia que estivessem calados”. E Maria Alzira Seixo afirma mesmo que ele “tem livros perfeitos como uma tragédia de Racine”.
A realidade é que, aos 72 anos, António Lobo Antunes parece ter sido sugado para um mundo intangível pelos leitores, tal como aqueles escritores que ele criticava em 1979: “é um escritor de nicho e, no panorama português, um escritor de nicho vender 1600 exemplares em três meses não é nada mau”, afirma o diretor de comunicação da Fnac.
Voltemos então ao olhar para o que diz o astuto Luiz Pacheco:
“Lobo Antunes, e gostaria de estar equivocado, caiu numa espécie de niilismo flamejante. Aura internacional bastante, nenhuma apetência para ficar por cá. Vejam o paradoxo: tínhamos um grande romancista de subúrbio; ficaremos qualquer dia a ler Lobo Antunes em francês ou em sueco…”
http://observador.pt/especiais/antonio-lobo-antunes-ascensao-e-queda-do-enfant-terrible-da-literatura-portuguesa/