terça-feira, 1 de setembro de 2015

carta de Karl Marx a Abraham Lincoln

28 de agosto de 2015 - 10h32 

A carta de Karl Marx a Abraham Lincoln

Em novembro de 1864, Karl Marx escreve uma carta a Abraham Lincoln, recém reeleito presidente dos Estados Unidos, na qual o elogia pela luta contra a escravidão. A carta foi publicada pela primeira vez no Bee-Hive Newspaper, em 7 de janeiro de 1865. Reproduzimos neste artigo a tradução feita por José Barata-Moura para o Editorial Avante! - Edições Progresso de Lisboa - Moscou, de 1982.


Karl Marx e Abraham Lincoln
Karl Marx e Abraham Lincoln

A Mensagem da Associação Internacional dos Trabalhadores ao presidente Abraham Lincoln dos Estados Unidos, por ocasião da sua reeleição, foi redigida por Marx por decisão do Conselho Geral. No auge da Guerra Civil nos Estados Unidos esta mensagem teve uma grande importância. Sublinhou a enorme importância da guerra contra a escravatura na América para os destinos de todo o proletariado internacional. Apoiando todos os movimentos progressistas e democráticos, Marx e Engels educavam no proletariado e nos seus elementos de vanguarda na Internacional uma atitude verdadeiramente internacionalista em relação à luta dos povos oprimidos pela sua libertação.


Leia abaixo a íntegra da carta:

A Abraham Lincoln, Presidente dos Estados Unidos da América

Senhor,

Felicitamos o povo Americano pela sua reeleição por uma larga maioria. Se a palavra de ordem reservada da sua primeira eleição foi resistência ao Poder dos Escravistas [Slave Power], o grito de guerra triunfante da sua reeleição é Morte à Escravatura.

Desde o começo da titânica contenda americana, os operários da Europa sentiram instintivamente que a bandeira das estrelas carregava o destino da sua classe. A luta por territórios que desencadeou a dura epopeia não foi para decidir se o solo virgem de regiões imensas seria desposado pelo trabalho do emigrante ou prostituído pelo passo do capataz de escravos?

Quando uma oligarquia de 300.000 proprietários de escravos ousou inscrever, pela primeira vez nos anais do mundo, "escravatura" na bandeira da Revolta Armada, quando nos precisos lugares onde há quase um século pela primeira vez tinha brotado a ideia de uma grande República Democrática, de onde saiu a primeira Declaração dos Direitos do Homem [1] e de onde foi dado o primeiro impulso para a revolução Europeia do século 18; quando, nesses precisos lugares, a contrarrevolução, com sistemática pertinácia, se gloriou de prescindir das "ideias vigentes ao tempo da formação da velha constituição" e sustentou que "a escravatura é uma instituição beneficente", [que], na verdade, [é] a única solução para o grande problema da "relação do capital com o trabalho" e cinicamente proclamou a propriedade sobre o homem como "a pedra angular do novo edifício" — então, as classes operárias da Europa compreenderam imediatamente, mesmo antes da fanática tomada de partido das classes superiores pela fidalguia [gentry] Confederada ter dado o seu funesto aviso, que a rebelião dos proprietários de escravos havia de tocar a rebate para uma santa cruzada geral da propriedade contra o trabalho e que, para os homens de trabalho, [juntamente] com as suas esperanças para o futuro, mesmo as suas conquistas passadas estavam em causa nesse tremendo conflito do outro lado do Atlântico. Por conseguinte, suportaram pacientemente, por toda a parte, as privações que lhes eram impostas pela crise do algodão [2], opuseram-se entusiasticamente à intervenção pró-escravatura — importuna exigência dos seus superiores — e, na maior parte das regiões da Europa, contribuíram com a sua quota de sangue para a boa causa.

Enquanto os operários, as verdadeiras forças [powers] políticas do Norte, permitiram que a escravatura corrompesse a sua própria república, enquanto perante o Negro — dominado e vendido sem o seu consentimento — se gabaram da elevada prerrogativa do trabalhador de pele branca de se vender a si próprio e de escolher o seu próprio amo, foram incapazes de atingir a verdadeira liberdade do trabalho ou de apoiar os seus irmãos Europeus na sua luta pela emancipação; mas esta barreira ao progresso foi varrida pelo mar vermelho da guerra civil[4].

Os operários da Europa sentem-se seguros de que, assim como a Guerra da Independência Americana [3] iniciou uma nova era de ascendência para a classe média, também a Guerra Americana Contra a Escravatura o fará para as classes operárias. Consideram uma garantia da época que está para vir que tenha caído em sorte a Abraham Lincoln, filho honesto da classe operária, guiar o seu país na luta incomparável pela salvação de uma raça agrilhoada e pela reconstrução de um mundo social.

Notas:

[1] Trata-se da Declaração de Independência, adotada em 4 de Julho de 1776 no Congresso de Filadélfia pelos delegados das 13 colônias britânicas da América do Norte; o congresso proclamou a separação das colônias norte-americanas na Grã-Bretanha e a formação de uma república independente: os Estados Unidos da América. Nesse documento foram formulados princípios democráticos burgueses tais como a liberdade da pessoa, a igualdade dos cidadãos perante a lei, a soberania do povo, etc. Todavia, a burguesia e os grandes proprietários fundiários americanos violaram desde o início os direitos democráticos proclamados na Declaração, afastaram as massas populares da vida política e mantiveram a escravatura, que privava os negros, que constituíam uma parte importante da população, dos direitos mais elementares da pessoa humana.

[2] A crise do algodão foi provocada pela cessação do fornecimento de algodão vindo da América, em virtude do bloqueio dos Estados escravistas do Sul pela Marinha dos nortistas durante a Guerra Civil. Uma grande parte da indústria algodoeira da Europa ficou paralisada, o que se refletiu duramente na situação dos operários. Apesar de todas as privações, o proletariado europeu apoiou decididamente os Estados do Norte.

[3] A Guerra da Independência das colônias inglesas na América do Norte (1775-1783) contra a dominação inglesa foi causada pela aspiração da nação burguesa americana, em formação, à independência e à supressão dos obstáculos que entravavam o desenvolvimento do capitalismo. Em resultado da vitória dos norte-americanos foi criado um Estado burguês independente: os Estados Unidos da América. 

[4] A Guerra Civil na América (1861-1865) opôs, nos Estados Unidos, os Estados industriais do Norte e os Estados escravistas do Sul, que se rebelaram contra a abolição da escravatura. A classe operária da Inglaterra opôs-se à política da burguesia inglesa, que apoiava os plantadores escravistas, e impediu a ingerência da Inglaterra na Guerra Civil nos Estados Unidos. 


http://www.vermelho.org.br/noticia/269436-9

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