sexta-feira, 4 de setembro de 2015

dois sonetos de antero de quental

* Antero de Quental


Tese e Antítese

I
Já não sei o que vale a nova ideia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, à luz da barricada,
Como bacante após lúbrica ceia!
Sanguinolento, o olhar se lhe incendeia...
Respira fumo e fogo embriagada...
A deusa de alma vasta e sossegada
Ei-la presa das fúrias de Medeia!
Um século irritado e truculento
Chama à epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obus...
Mas a ideia é num mundo inalterável,
Num cristalino Céu, que vive estável!...
Tu, pensamento, não és fogo, és luz!
II
Num céu intemerato e cristalino
Pode habitar talvez um deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espectáculo divino:
Mas o homem, na terra onde o destino
O lançou, vive e agita-se incessante...
Enche o ar da terra o seu pulmão possante...
Cá da terra blasfema ou ergue um hino...
A ideia encarna em peitos que palpitam:
O seu pulsar são chamas que crepitam,
Paixões ardentes como vivos sóis!
Combatei pois na terra árida e bruta,
Té que a revolva o remoinhar da luta,
Té que a fecunde o sangue dos heróis!


ANTERO DE QUENTAL in Odes Modernas


sobre a poesia de Antero ver  DE IDÉIAS E IDEAIS - UMA LEITURA DE ANTERO DE QUENTAL  in  http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno12-08.html

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