* Ruy Belo
Morreu a
mais bela mulher do mundo
tão bela
que não só era assim bela
como mais
que chamar-lhe marilyn
devíamos
mas era reservar apenas para ela
o seco
sóbrio simples nome de mulher
em vez de
marilyn dizer mulher
Não havia
no fundo em todo o mundo outra mulher
mas
ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite
ao deitar-se quando se sentiu sozinha
ou
suspeitou que tinha errado a vida
ela de
quem a vida a bem dizer não era digna
e que
exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia
no mundo uma mulher mais bela mas
essa
mulher um dia dispôs do direito
ao uso e
ao abuso de ser bela
e decidiu
de vez não mais o ser
nem
doravante ser sequer mulher
O último
dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto
sem regresso mais que rosto mar
e toda a
confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a
violência e voz que num restrito rosto
possa o
máximo mar intensamente condensar
Tomou
todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à
governanta não me acorde amanhã
estou
cansada e necessito de dormir
estou
cansada e é preciso eu descansar
Nunca
ninguém foi tão amado como ela
nunca
ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era
mulher era a mulher mais bela
mas não
há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da
solidão é pedra em nosso peito
Perto de
marilyn havia aqueles comprimidos
seriam
solução sentiu na mão a mãe
estava
tão sozinha que pensou que a não amavam
que todos
afinal a utilizavam
que viam
por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o
corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que
seja bela o adjectivo a empregar
que em
vez de ver um todo se decida dissecar
analisar
partir multiplicar em partes
Toda a
mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou
que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser
atá ao fim coisa que mexe coisa viva
um
segundo bastou foi só estender a mão
e então o
tempo sim foi coisa que passou.
Ruy Belo
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