terça-feira, 1 de setembro de 2015

A vida dos trabalhadores e do povo comum em John Steinebeck

28 de agosto de 2015 - 10h04 


John Steinbeck (1902-1968) é um dos maiores e mais conhecidos romancistas norte-americanos, autor de obras que se tornaram clássicas. Originário de uma família pobre, foi operário, trabalhador rural, pedreiro, antes de se tornar repórter e escritor.

Por José Carlos Ruy*


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John Ernst Steinbeck, Jr. foi um escritor estadunidense, recebeu prêmio Nobel de Literatura
John Ernst Steinbeck, Jr. foi um escritor estadunidense, recebeu prêmio Nobel de Literatura
Entre suas obras se destacam três romances publicados na década de 1930:Luta Incerta (1936), cujo tema é uma greve de trabalhadores rurais;Ratos e Homens(1937), onde conta a história de dois trabalhadores; e o grande As Vinhas da Ira (1939), sobre a vida do povo pobre durante a grande depressão. E que enfrentou a fúria conservadora, chegou a ser queimado em público e denunciado como “propaganda comunista”! Foi levado ao cinema no filme clássico homônimo dirigido por John Ford.

Em 1961 Steinbeck publicou o romance O Inverno de Nossa Desesperança, título inspirado por uma frase da peça Ricardo III, de William Shakespeare (“O inverno de nossa desesperança / já se transformou em um glorioso estio pelo sol de York, / e todas as nuvens que pesavam sobre nossa casa / jazem sepultadas nas profundas entranhas do oceano”).
Cena do filme As vinhas da ira, dirigido por John Ford
 
Este romance deu a Steinbeck a condição de “arauto da verdade”, segundo a Academia Sueca que lhe conferiu o Nobel de Literatura em 1962. Nele, Steinbeck colocou o dedo em uma ferida marcante da sociedade norte-americana: a contradição entre a rigorosa moralidade protestante, contraposta aos impulsos e imposições sociais pelo sucesso individual e financeiro. 

Leia a íntegra do 1º capítulo da obra O inverno de nossa desesperança 

Quando a manhã clara e dourada de abril despertou Mary Hawley do sono, ela se virou para o marido e o viu puxando a boca com os dedos mindinhos, fazendo cara de sapo para ela.

- Você é um tonto, Ethan - ela disse. - Você se acha mesmo muito engraçado.

- Ah, vamos lá, senhorita Ratinha, quer se casar comigo?

- Você acordou bobo?

- O ano está no dia. O dia está na manhã.

- Parece que sim. Está lembrado de que hoje é Sexta-Feira Santa?

Ele disse, sem emoção:

- Aqueles romanos imundos estão se preparando para seguir em formação até o Calvário.

- Não cometa um sacrilégio. Será que o Marullo vai deixar você fechar o mercado às onze?

- Minha querida flor de abóbora... o Marullo, além de católico, é um folgado. Provavelmente nem vai aparecer. Vou fechar ao meio-dia, até que a execução termine.

- Isso parece conversa de peregrino. Não é nada educado.

- Quanta bobagem, joaninha. Isso vem do lado da minha mãe. É conversa de pirata. Foi mesmo uma execução, você sabe.

- Eles não eram piratas. Foi você mesmo quem disse, baleeiros, e disse que eles tinham cartas de sei-lá-o-que do Congresso Continental.

- Os navios contra os quais eles atiravam achavam que eles eram piratas, sim. E aqueles soldados romanos achavam que era uma execução.

- Agora você ficou bravo. Prefiro quando está bobo.

- Eu sou bobo. E todo mundo sabe disso.

- Você sempre me deixa confusa. Mas tem todo o direito de se sentir orgulhoso... pais peregrinos e capitães baleeiros, tudo na mesma família.

- Será que eles se sentiriam assim?

- Como?

- Será que os meus ancestrais tão importantes sentiriam orgulho ao saber que produziram um desgraçado de um balconista em uma porcaria de um mercado de um imigrante na cidade que já foi inteiramente deles?

- Você não é nada disso. É mais como um gerente, cuida dos registros, deposita o dinheiro e encomenda os produtos.

- Claro. E varro o chão e carrego o lixo e faço mesuras para o Marullo, e se eu fosse a porcaria de um gato, correria atrás dos ratos do Marullo.

Ela colocou os braços em volta dele.

- Vamos ser bobos - disse. - Por favor, não fique falando palavras grosseiras na Sexta-Feira Santa. Eu te amo, de verdade.

- Certo - ele respondeu, depois de uma pausa. - É o que todo mundo diz. Mas não ache que por isso você pode ficar completamente nua 
na cama com um homem casado.

- Eu ia contar uma coisa sobre as crianças.

- Estão na cadeia?

- Agora você ficou bobo de novo. Talvez seja melhor eles mesmos falarem para você.

- Então, por que você não...

- A Margie Young-Hunt vai fazer uma leitura para mim de novo hoje.

- Tipo um livro? Quem é Margie Young-Hunt, o que ela faz, e todos os pretendentes...

- Sabe, se eu fosse ciumenta... Quer dizer, quando um homem finge não notar uma moça bonita, é que...

- Ah, aquela. Moça? Ela já teve dois maridos.

- O segundo morreu.

- Quero meu café-da-manhã. Você acredita nessas coisas?

- Bom, a Margie viu algo sobre um irmão nas cartas. Alguém próximo e querido, foi o que ela disse.

- Alguém próximo e querido por mim vai levar um chute no traseiro se não começar a se mexer logo...

- Já estou indo... ovos?

- Acho que sim. Por que é que chamam de Sexta-Feira Santa? O que há de santo nela?

- Ah! Mas que coisa! - ela disse. - Você vive fazendo piada.

O café estava pronto e os ovos, em uma tigela com torrada ao lado, quando Ethan Allen Hawley escorregou para a mesa da copa perto da janela.

- Estou me sentindo bem - ele disse. - Por que é que chamam este dia de Sexta-Feira Santa?

- Primavera - ela disse do fogão.

- Sexta-Feira de primavera?

- Febre da primavera. As crianças levantaram?

- Até parece. São mesmo uns canalhinhas folgados.

Vamos pegá-los e dar-lhes uma chicotadas.

- Você fala coisas horríveis quando se faz de tonto.

Você vai ficar em casa do meio-dia até as três?

- Não.

- Por que não?

- Mulheres. Elas vão vir me visitar às escondidas. Quem sabe até a tal de Margie.

- Ah, Ethan, não diga coisas assim. Margie é minha amiga. Ela tiraria a camisa do corpo para ajudar você.

- Ah, é? E onde foi que ela arrumou a camisa?

- Lá vem você com essa conversa de peregrino puritano de novo.

- Aposto o quanto você quiser que somos parentes.

Ela tem sangue de pirata.

- Ah! Mas você ficou tonto de novo. Aqui está a lista.

- Enfiou o pedaço de papel no bolso interno do paletó dele. - Parece muita coisa. Mas não se esqueça de que é o fim de semana de 
Páscoa... e duas dúzias de ovos, não esqueça. Você vai se atrasar.

http://www.vermelho.org.br/noticia/269504-11

*José Carlos Ruy é jornalista, editor da Classe Operária, membro da Comissão Nacional de Comunicação e do Comitê Central do PCdoB; integra a Comissão Editorial da revista Princípios

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