Cultura
21 de outubro de 2016 - 17h26
Nesta edição de Prosa, Poesia & Arte comemoramos os 15 anos da Cooperifa. O texto de abertura do caderno é assinado pelo escritor e jornalista Toni C., selecionamos também cinco poesias “nascidas” no sarau da Cooperifa.
Os cinco poemas a seguir são essenciais para entender um pouquinho do que é o Sarau da Cooperifa, todos surgiram deste que é considerado um dos mais famosos encontros de amantes da literatura do Brasil. Os poetas são Sérgio Vaz (fundador da Cooperifa), Márcio Batista, Elisandra Souza e Dugeto Shabazz.
Direto do Bar do Zé Batidão* para o Vermelho:
Novos Dias
“Este ano vai ser pior...
Pior para quem estiver no nosso caminho.
Então que venham os dias.
Um sorriso no rosto e os punhos cerrados que a luta não para.
Um brilho nos olhos que é para rastrear os inimigos (mesmo com medo, enfrente-os!).
É necessário o coração em chamas para manter os sonhos aquecidos. Acenda fogueiras.
Não aceite nada de graça, nada. Até o beijo só é bom quando conquistado.
Escreva poemas, mas se te insultarem, recite palavrões.
Cuidado, o acaso é traiçoeiro e o tempo é cruel, tome as rédeas do teu próprio destino.
Outra coisa, pior que a arrogância é a falsa humildade.
As pessoas boazinhas também são perigosas, sugam energia e não dão nada em troca.
Fique esperto, amar o próximo não é abandonar a si mesmo.
Para alcançar utopias é preciso enfrentar a realidade.
Quer saber quem são os outros? Pergunte quem é você.
Se não ama a tua causa, não alimente o ódio.
Por favor, gentileza gera gentileza. Obrigado!
Os Erros são teus, assuma-os. Os Acertos Também são teus, divida-os.
Ser forte não é apanhar todo dia, nem bater de vez em quando, é perdoar e pedir perdão, sempre.
Tenho más notícias: quando o bicho pegar, você vai estar sozinho. Não cultive multidões.
Qual a tua verdade ? Qual a tua mentira? Teu travesseiro vai te dizer. Prepare-se!
Se quiser realmente saber se está bonito ou bonita, pergunte aos teus inimigos, nesta hora eles serão honestos.
Quando estiver fazendo planos, não esqueça de avisar aos teus pés, são eles que caminham.
Se vai pular sete ondinhas, recomendo que mergulhe de cabeça.
Muito amor, mas raiva é fundamental.
Quando não tiver palavras belas, improvise. Diga a verdade.
As Manhãs de sol são lindas, mas é preciso trabalhar também nos dias de chuva.
Abra os braços. Segure na mão de quem está na frente e puxe a mão de quem estiver atrás.
Não confunda briga com luta. Briga tem hora para acabar, a luta é para uma vida inteira.
O Ano novo tem cara de gente boa, mas não acredite nele. Acredite em você.
Feliz todo dia!
(Sérgio Vaz)
Negro Ativo
Quem me nega trabalho, negô
Não terá outra chance de negar
Negro é homem trabalhador
Todos sabem, ninguém pode negar.
Quem me nega salário, negô
Não terá outra chance de negar
Meu suor tem valor, meu senhor
Senhor ainda se nega a pagar.
Quem me nega oração, negô
Não terá outra chance de negar
Negro reza pra teus orixás,
Pra Ogum, pra Xangô e Oxalá.
Quem me nega a paz, negô
Não terá outra chance de negar
Nego-ativo livro o mundo sim senhor
Zumbizando pro mundo se libertar.
Quem nega a luta, negô
Não terá outra chance de negar
Capoeira é atitude do negro
Atitude é a força pra lutar.
Quem me nega a raça, nagô
Não terá outra chance de negar
Preto é cor, negro é raça
Sou negro e com raça não vou sonegar.
Quem me nega justiça, negô
Não terá outra chance de negar
Justiça se faz com amor
Negraz, a humanidade é incapaz ao julgar.
Quem me nega amor, negô
Não terá outra chance de negar
Nega ama teu nego em nagô
Negritude pro mundo amar.
Me negaram de tudo
Nesta terra de negro sem lar
Sei que não me negas, senhor,
Sou teu filho, ninguém pode negar
(Márcio Batista)
Menina Pretinha
A tribo está de luto
A mãe chorou
O solo ficou bruto
O feijão ficou duro
O milho murchou
A aldeia entristecida
Correu compadecida
Até as margens do rio...
O tumbeiro partiu
Sem nenhum aceno sumiu
A lágrima rolou
Da menina que o navio levou
E quando aportou
Foi logo acorrentada
E sendo apalpada
Foi vendida como escrava
A futura Rainha Nagô
Os anos se passaram
E a menina pretinha
Transformou-se
Nessa que pede no sinal
Que vende doce em troca de real
Que é mãe aos treze
Que para de estudar aos doze
Que aos onze já se esqueceu de sonhar
É, menina...
A lua te olha tristonha
Mas fica ansiosa
Pois não vê a hora de você reinar
Assumir as suas linhas na história
E ver seus olhos brilhar.
(Elisandra Souza)
Vamos Pra Palmares
Depois que a noite cair e a treva dominar
O cagueta dormir e o sentinela passar
Eu vou de novo fingir quando o silêncio reinar
Ai eu vou sorrir quando o candeeiro apagar
Trincar por cima do pano para a corrente quebrar
Desmuquifar o aço, faca de cortar jugular
Arrebentar os grilhão pro meu sangue circular
Chamar os nego irmão forte pra capoeirar
Vamo reza um duá depois do salatulichá
Guardar palavra de Allah, amarrar no patuá
Uma estrela e o crescente para nos guiar
Vamo sentido Oriente que eu conheço um lugar
Aonde não tem sinhô, aonde não tem sinhá
E o nego pode comer o que o nego plantar
Onde morrer é melhor, viver pra paz é lutar
Aconteça o que acontecer nóis tamo indo pra lá
Mesmo que eu tenha que cruzar terras e mares
Eu vou pra Palmares, eu vou pra Palmares
Mesmo que no caminho me sangrem os calcanhares
Eu vou pra Palmares, eu vou pra Palmares
Mesmo que os inimigos contra nós sejam milhares
Eu vou pra Palmares, eu vou pra Palmares
Enfrento os Borba Gato e os Raposo Tavares
Eu vou pra Palmares, eu vou pra Palmares
Vamo render o capitão, quebrar a louça do barão
Sacudir o casarão, despojar os dobrão
Levar as filha do sinhô que vai morrer do coração
Tocar fogo na capela e no barracão
Vamos Pra Palmares
Vamo de a pé embrenhar no meio da escuridão
E quando mata adentrar onde num entra alazão
Cor do nego vai camuflar e Allah vai dar proteção
Mãe natureza ajudará abrindo ventre e coração
Subir que nem sucupira e confundir direção
Sem rastro, os astros testemunharão
Mal da mata vai assolar e causar desolação
Inimigos no caminho todos sucumbirão
Vamo cantar uma canção, hino de libertação
Antiga cantiga mandinga mantida recordação
A fé ta no tessubá, promessa ta no alcorão
Faz parte da nossa crença lutar contra a escravidão
Mesmo que eu tenha que cruzar terras e mares
Eu vou pra Palmares, eu vou pra Palmares
Mesmo que no caminho me sangrem os calcanhares
Eu vou pra Palmares, eu vou pra Palmares
Mesmo que os inimigos contra nós sejam milhares
Eu vou pra Palmares, eu vou pra Palmares
Enfrento os Borba Gato e os Raposo Tavares
Eu vou pra Palmares, eu vou pra Palmares
Mesmo que eu tenha que cruzar terras e mares
Mesmo que eu tenha que cortar serras e ares
E que meu sangue regue o chão, solo de nossos lares
Pois todos quilombolas são nossos familiares
Índios e foras da lei, renegados e populares
Mal quistos e mal vistos vindos de vários lugares
Você não tá sozinho porque nós somos seus pares
No levante contra bandeirantes, militares
E se lealdade ao justo Rei jurares
E com as próprias mãos paliçadas cavares
Se por amor a justiça, a causa amares
E por causa da justiça ao amor armares
Quando rufares tambor, quando tambor rufares
Que nos sangrem os calcanhares, contra nós sejam milhares
É tempo de defender nossas raízes milenares
Se esperamos, vacilamos, vamos todos pra Palmares
Mesmo que eu tenha que cruzar terras e mares
Eu vou pra Palmares, eu vou pra Palmares
Mesmo que no caminho me sangrem os calcanhares
Eu vou pra Palmares, eu vou pra Palmares
Mesmo que os inimigos contra nós sejam milhares
Eu vou pra Palmares, eu vou pra Palmares
Enfrento os Borba Gato e os Raposo Tavares
Eu vou pra Palmares, eu vou pra Palmares
(Dugeto Shabazz)
Literaturas das Ruas
A literatura é dama triste que atravessa a rua sem olhar para os pedintes, famintos por conhecimento, que se amontoam nas calçadas frias da senzala moderna chamada periferia. Freqüenta os casarões, bibliotecas inacessíveis ao olho nu e prateleiras de livrarias que crianças não alcançam com os pés descalços.
Dentro do livro ou sob o cárcere do privilégio, ela se deita com Victor Hugo, mas não com os Miseráveis. Beija a boca de Dante, mas não desce até o inferno. Faz sexo com Cervantes e ri da cara do Quixote. É triste, mas A rosa do povo não floresce no jardim plantado por Drummond.
Quanto a nós, Capitães da areia e amados por Jorge, não restou outra alternativa a não ser criar o nosso próprio espaço para a morada da poesia. Assim nasceu o sarau da Cooperifa.
Nasceu da mesma Emergência de Mário Quintana e antes que todos fossem embora pra Passárgada, transformamos o boteco do Zé Batidão num grande centro cultural.
Agora, todas às quartas-feiras, guerreiros e guerreiras de todos os lados e de todas as quebradas vem comungar o pão da sabedoria que é repartido em partes iguais, entre velhos e novos poetas sob a benção da comunidade.
Professores, metalúrgicos, donas de casa, taxistas, vigilantes, bancários, desempregados, aposentados, mecânicos, estudantes, jornalistas, advogados, entre outros, exercem a sua cidadania através da poesia.
Muita gente que nunca havia lido um livro, nunca tinha assistido uma peça de teatro, ou que nunca tinha feito um poema, começou, a partir desse instante, a se interessar por arte e cultura.
O sarau da cooperifa é nosso quilombo cultural.
A bússola que guia a nossa nau pela selva escura da mediocridade.
Somos o grito de um povo que se recusa a andar de cabeça baixa e se prostar de joelhos.
Somos O poema sujo de Ferreira Gullar.
Somos o Rastilho da pólvora.
Somos Um punhado de ossos, de Ivan Junqueira Tecendo a manhã de João Cabral de Melo Neto.
Neste instante, neste país cheio de Machados se achando serra elétrica, nós somos a poesia.
Essa árvore de raízes profundas regada com a água que o povo lava o rosto depois do trabalho.
(Sérigio Vaz)
*Poemas reproduzidos da Internet
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