sábado, 1 de outubro de 2016

Mário de Andrade - o valioso tempo dos maduros



* Mário de Andrade

O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS


Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!


Mario de Andrade (1893 - 1945)

http://simecqcultura.blogspot.pt/2012/04/o-valioso-tempo-dos-maduros-mario-de.html


Mário de Andrade
Figura central do Modernismo brasileiro, Mário de Andrade (1893-1945) tinha 29 anos quando decorria a Semana de Arte Moderna de São Paulo, um marco fundamental para a literatura brasileira. Publicara Há uma Gota de Sangue em Cada Poema (1917), um pequeno volume de pendor pacifista que repensa as sequelas deixadas pela Primeira Grande Guerra. Seguir-se-iam A Escrava que Não é Isaura (1925), obra na qual defende as propostas modernistas, o livro de poemas Losango Cáqui e um de contos, Primeiro Andar, ambos em 1926. No ano seguinte, lança o novo livro de poemas Clã do Jabuti. O ano de 1927 marca o seu baptismo como romancista com Amar, Verbo Intransitivo. Dá finalmente à estampa em 1928, Macunaíma, o Herói Sem Nenhum Carácter, que, segundo Oswald de Andrade, presidiu à criação de um «idioma poético nacional» e que representa o Brasil através de uma personagem simbólica como o Macunaíma.

http://www.antigona.pt/autores/mario-de-andrade/


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