sexta-feira, 5 de outubro de 2018

António Borges Coelho - Na gávea da velha Fortaleza



* António Borges Coelho


Está lá baixo o mar oceano

No bojo de águas frias
lapida o Sol milhões de pedrarias

O largo longo ondear
que só do alto o céu pode abarcar
matiza-se de verde anil cobalto
a desdobrar-se em cor desde o mar alto

Os meus olhos são asas de gaivota
roçando a flor das águas afagando-as
em cada círculo ou rota
ou pousadas balouçando
seguindo o movimento
deste mar tão brando
e logo tão violento

Ei-lo além como salpica
a linha do litoral
a laivos brancos
a face de Portugal
fica
com colarinho
no fato azul marinho
**
Não estás às vezes todo à flor tranquilo
e vem de baixo um sussurar de rouco estilo
com ruído que sobe lá do fundo
como se arrastasses toda a dor do mundo

Que a nossa vida passe no seu flanco
leve das alegrias lento pelas mágoas
fique sempre o sulco branco
qie as traineiras deixam sobre as águas

Nesta toada os olhos se me afundam
pela linha das vagas onduladas
até se perderem nas nuvens amontoadas
que o horizonte inundam

Uma traineira vem chega do largo
os pensamentos quebrada a sua rota
descem num voo planado de gaivota
estou já pousado e ainda as asas
se agitam descem
até que a emoção as deixa rasas

**
Perde sentido a vida
se não a expomos de frente
que leva as trevas de vencida

Porque serei avaro
se tudo à Humanidade devo
o lápis a emoção com que isto escrevo

Agora que o Sol morreu
donde vem a luz que as águas acendeu
é luz que vem de baixo
ou da que o Sol deixou no céu

Camaradas
sejamos vigilantes
como esta luz dos barcos e das casas
nesta noite de armas aperradas
ousados caminhantes


Poema. escrito em 1960 em Peniche, enviado à sessão por António Borges Coelho
https://otempodascerejas2.blogspot.com/2018/10/ontem-na-casa-do-alentejo.html

foto em https://rr.sapo.pt/noticia/69198/reabilitacao_da_fortaleza_de_peniche_decidida_pela_assembleia_da_republica

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