Comigo me desavim
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Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.
.
Com dor da gente fugia,
Antes que esta assi crecesse:
Agora já fugiria
De mim , se de mim pudesse.
Que meo espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo
Tamanho imigo de mim?
.
Sá de Miranda
.
http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v278.txt
.
Antre tremor e desejo,
Vã espernça e vã dor,
Antre amor e desamor,
Meu triste coração vejo.
.
Nestes extremos cativo
Ando sem fazer mudança,
E já vivi d'esperança
E agora vivo de choro vivo.
Contra mi mesmo pelejo,
Vem d'ua dor outra dor
E d'um desejo maior
Nasce outro mor desejo.
.
_____
.
_____
,
.
Cerra a serpente os ouvidos
à voz do encantador;
eu não, e agora com dor
quero perder meus sentidos.
Os que mais sabem do mar
fogem d' ouvir as sereas;
eu não me soube guardar:
fui-vos ouvir nomear,
fiz minh' alma e vida alheas.
.
._____
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.Cerra a serpente os ouvidos
à voz do encantador;
eu não, e agora com dor
quero perder meus sentidos.
Os que mais sabem do mar
fogem d' ouvir as sereas;
eu não me soube guardar:
fui-vos ouvir nomear,
fiz minh' alma e vida alheas.
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.
.O sol é grande, caem co'a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d'alto cai acordar-m'-ia
do sono não, mas de cuidados graves.
.
ó cousas, todas vãs todas mudaves,
qual é tal coração qu'em vós confia?
Passam os tempos vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.
.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d'amores.
.
Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
também mudando-m'eu fiz doutras cores:
e tudo o mais renova, isto é sem cura!
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Vã espernça e vã dor,
Antre amor e desamor,
Meu triste coração vejo.
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Nestes extremos cativo
Ando sem fazer mudança,
E já vivi d'esperança
E agora vivo de choro vivo.
Contra mi mesmo pelejo,
Vem d'ua dor outra dor
E d'um desejo maior
Nasce outro mor desejo.
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.
Aquela fé tão clara e verdadeira,
A vontade tão limpa e tão sem mágoa,
Tantas vezes provada em viva frágua
De fogo, i apurada, e sempre inteira;
.
Aquela confiança, de maneira
Que encheu de fogo o peito, os olhos de água,
Por que eu ledo passei por tanta mágoa,
Culpa primeira minha e derradeira,
.
De que me aproveitou? Não de al por certo
Que dum só nome tão leve e tão vão,
Custoso ao rosto, tão custoso à vida.
.
Dei de mim que falar ao longe e ao perto;
E já assi se consola a alma perdida,
Se não achar piedade, ache perdão.
.A vontade tão limpa e tão sem mágoa,
Tantas vezes provada em viva frágua
De fogo, i apurada, e sempre inteira;
.
Aquela confiança, de maneira
Que encheu de fogo o peito, os olhos de água,
Por que eu ledo passei por tanta mágoa,
Culpa primeira minha e derradeira,
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De que me aproveitou? Não de al por certo
Que dum só nome tão leve e tão vão,
Custoso ao rosto, tão custoso à vida.
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Dei de mim que falar ao longe e ao perto;
E já assi se consola a alma perdida,
Se não achar piedade, ache perdão.
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Cerra a serpente os ouvidos
à voz do encantador;
eu não, e agora com dor
quero perder meus sentidos.
Os que mais sabem do mar
fogem d' ouvir as sereas;
eu não me soube guardar:
fui-vos ouvir nomear,
fiz minh' alma e vida alheas.
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.Cerra a serpente os ouvidos
à voz do encantador;
eu não, e agora com dor
quero perder meus sentidos.
Os que mais sabem do mar
fogem d' ouvir as sereas;
eu não me soube guardar:
fui-vos ouvir nomear,
fiz minh' alma e vida alheas.
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.O sol é grande, caem co'a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d'alto cai acordar-m'-ia
do sono não, mas de cuidados graves.
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ó cousas, todas vãs todas mudaves,
qual é tal coração qu'em vós confia?
Passam os tempos vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.
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Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d'amores.
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Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
também mudando-m'eu fiz doutras cores:
e tudo o mais renova, isto é sem cura!
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Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho,
e vejo o que não vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvaliando, como em sonho.
Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assi,
pasmado e duvidoso do que vi,
m'espanto às vezes, outras m'avergonho.
Que, tornando ante vós, senhora, tal,
Quando m'era mister tant' outr' ajuda,
de que me valerei, se alma não val?
Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al,
afronta o coração, a língua é muda.
.
.
.
(...)
.
A ele se aplicam perfeitamente os seus versos da Carta a D. João III: «Homem de um só parecer, / dum só rosto e d'ua fé, / d'antes quebrar que volver / outra cousa pode ser, mas da corte homem não é.»
.
A sua linguagem é elíptica, sóbria, densa, forte, trabalhada, hermética, difícil de entender e às vezes demasiado dura. Mesmo assim, Sá de Miranda é o escritor do século XVI mais lido depois de Camões. A sua verticalidade e a sua coerência impuseram-se.
.
Sá de Miranda concebeu as primeiras comédias clássicas portuguesas (Estrangeiros e Vilhalpandos), cuja recepção pelo público, habituado aos autos (de Gil Vicente sobretudo), não foi das melhores. Se os aspectos criticados por Sá de Miranda e a sua intenção moralizadora o aproximam muito de Gil Vicente, o escritor afasta-se deste último pelas formas e o tom em que vaza as suas críticas.
.
Sá de Miranda deixou uma importante obra epistolográfica e uma série de éclogas, entre outros textos. A sua obra foi publicada postumamente, em 1595. Influenciou decisivamente escritores seus contemporâneos e posteriores, como António Ferreira, Diogo Bernardes, Pero Andrade de Caminha, Luís de Camões, D. Francisco Manuel de Melo ou ainda, mais recentemente, Jorge de Sena, Gastão Cruz e Ruy Belo, entre outros, manifestando alguns textos destes autores nítida intertextualidade com textos mirandinos, sobretudo com o tão conhecido soneto «O Sol é grande, caem co'a calma as aves».
e vejo o que não vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvaliando, como em sonho.
Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assi,
pasmado e duvidoso do que vi,
m'espanto às vezes, outras m'avergonho.
Que, tornando ante vós, senhora, tal,
Quando m'era mister tant' outr' ajuda,
de que me valerei, se alma não val?
Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al,
afronta o coração, a língua é muda.
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Wikisource, a biblioteca livre
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Sá de Miranda
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Francisco de Sá de Miranda (Coimbra, a 28 de agosto de 1481 — Amares, 15 de março de 1558) foi um poeta português..
(...)
A poesia
Para Sá de Miranda, a poesia não é uma ocupação para ócios de intelectual ou de salões, mas uma missão sagrada. O poeta é como um profeta, deve denunciar os vícios da sociedade, sobretudo da Corte, o abandono dos campos e a preocupação exagerada do luxo, que tudo corrompe, deve propor a vida sadia em contacto com a «madre» natureza, a simplicidade e a felicidade dos lavradores..
A ele se aplicam perfeitamente os seus versos da Carta a D. João III: «Homem de um só parecer, / dum só rosto e d'ua fé, / d'antes quebrar que volver / outra cousa pode ser, mas da corte homem não é.»
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A sua linguagem é elíptica, sóbria, densa, forte, trabalhada, hermética, difícil de entender e às vezes demasiado dura. Mesmo assim, Sá de Miranda é o escritor do século XVI mais lido depois de Camões. A sua verticalidade e a sua coerência impuseram-se.
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Sá de Miranda concebeu as primeiras comédias clássicas portuguesas (Estrangeiros e Vilhalpandos), cuja recepção pelo público, habituado aos autos (de Gil Vicente sobretudo), não foi das melhores. Se os aspectos criticados por Sá de Miranda e a sua intenção moralizadora o aproximam muito de Gil Vicente, o escritor afasta-se deste último pelas formas e o tom em que vaza as suas críticas.
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Sá de Miranda deixou uma importante obra epistolográfica e uma série de éclogas, entre outros textos. A sua obra foi publicada postumamente, em 1595. Influenciou decisivamente escritores seus contemporâneos e posteriores, como António Ferreira, Diogo Bernardes, Pero Andrade de Caminha, Luís de Camões, D. Francisco Manuel de Melo ou ainda, mais recentemente, Jorge de Sena, Gastão Cruz e Ruy Belo, entre outros, manifestando alguns textos destes autores nítida intertextualidade com textos mirandinos, sobretudo com o tão conhecido soneto «O Sol é grande, caem co'a calma as aves».
Fonte biográfica principal
- Machado, José de Sousa (1929), O Poeta do Neiva, Notícias Biográficas e Genealógicas, Braga, Livraria Cruz.
1 comentário:
Parabéns pela qualidade e pela sensibilidade do seu Blogue!
Laurinda Fernandes
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