sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Camilo Castelo Branco - Maria da Fonte

Casa de Camilo




http://archive.org/stream/mariadafonteprop00castuoft#page/n1/mode/2up


Maria da Fonte

A cada um seu Camilo, está visto. Na verdade, a obra do nosso escritor é um mundo tão vasto e proteico que dificilmente se poderá encontrar alguém que o não admire e aprecie em alguma das suas facetas. Há quem prefira nele as histórias de amores contrariados e lágrimas. Há quem prefira as páginas de sarcasmo ou, quando em maré de benevolência, de ironia – de toda a maneira, troça implacável. Há quem prefira o manejar do varapau de polemista invencível. Há até quem prefira o coca-bichinhos de miuçalhas históricas e genealógicas. Há sempre um Camilo que nos diz qualquer coisa.

Pessoalmente, aprecio-o e admiro-o visto de qualquer ângulo – tirante, confesso, o da poesia. Tanto me comovo com o Amor de perdição, como me divirto com a Queda dum anjo, como pasmo da mestria narrativa das Novelas do Minho ou de A Brasileira de Prazins, como passo duas horas entretidas com as suas obras ditas menores, tipo Cavar em ruínas ou Cousas leves e pesadas.

Mas obviamente há sempre um livro de Camilo que, por um motivo ou outro, nos fala mais. Às vezes nem nós sabemos exactamente porquê. O certo é que fala e prende. Acontece-me isso com Maria da Fonte. É como se sabe uma obra simultaneamente de reminiscências históricas e de polémica contra um outro livro, aparecido em 1884, com o título de Apontamentos para a História da Revolução do Minho em 1846 ou da Maria da Fonte, da autoria do ultramontano Padre Casimiro José Vieira, que a si mesmo se intitulava «defensor das cinco chagas e general das duas províncias do norte» e que – Camilo o cita com ironia – «acaudilhou trinta mil homens e abalou por duas vezes o trono».

O padre é ao mesmo tempo mitómano e megalómano. Reescreve a história ao sabor e à medida da sua auto-estima e do seu ódio aos pedreiros-livres. Claro que Camilo reduz metodicamente a cisco as patacoadas do padre, usando armas que tinha sempre à mão de semear: vigor de raciocínio e de argumentação, segurança nos dados históricos, cultura vasta e vastas leituras, sarcasmo e ironia em doses equivalentes.

É impossível ler o livro sem espirrar aqui e ali frouxos de riso (expressão bem camiliana) à custa das bordoadas com que Camilo deslomba (outra expressão bem camiliana) o padre Casimiro. A técnica usada é bem ao jeito do nosso polemista e deu bons resultados em ocasiões anteriores: reduzir os dislates do adversário a estilhaços e brincar depois com eles, por vezes quase até à crueldade.

A Maria da Fonte termina com um “Pós-escrito” que constitui, a meu ver, uma das páginas mais admiráveis de Camilo. Mantém o tom geral do livro, ora sarcástico, ora irónico, mas tempera-o agora de severidade e indignação. Ainda não li em parte alguma – salvo talvez em A velhice do Padre Eterno, em todo o caso num registo diferente – um requisitório tão enérgico e tão sentido contra um certo clericalismo sectário e de vistas estreitas como acontece ser o do padre Casimiro, que acaba por não distinguir entre política e religião e vaticina que todos os adversários hão-de dar «pulos no inferno». O “Pós-escrito” é uma cúpula primorosa para as duzentas e tal páginas do livro. Termina assim:

«[...]As modernas angústias do homem que chama os deuses à imitação do terror antigo que os criara, são sagradas e tamanhas que é pouco menos de infame afrontar com vitupérios o incrédulo atormentado pelo seu materialismo. É isso a esponja chegada aos lábios desses Cristos que se dilaceram nas presas da sua dúvida para se resgatarem pela morte. Se não pode compadecer-se, padre, seja ao menos egoísta. Arranje o paraíso eterno da sua pessoa, e deixe os ateus, deixe-os padecer e morrer. Não lhes faça pressão crudelíssima nos espinhos da sua coroa, injuriando-os porque eles não podem crer que haja um deus a contemplar, com a impassibilidade de um Nero divino, as suas criaturas estorcidas entre as labaredas do incêndio que Sua Majestade Suprema assoprou sem ter primeiramente consultado a vontade das vítimas. Cale-se, padre, por honra de Deus, se o acredita!»

Pires Cabral


http://casadecamilo.wordpress.com/2008/09/19/maria-da-fonte/



Jornal Maria da Fonte


Fundação do Jornal Maria da Fonte

Quando em 1871 José Joaquim Ferreira de Melo e Andrade remete a Camilo Castelo Branco o “esboço” de um Romance que titula de “A Herança de Londres” mas que virá a ser publicado em 2 volumes (1873/1874) sob o título “O Demónio do Ouro”, iniciava-se uma relação que acabaria por revelar-se determinante de muito do futuro de uma Vila e de um Concelho, a Póvoa de Lanhoso.

De facto, após esse momento, as relações de Camilo Castelo Branco e de Ferreira de Mello acabariam por fazer emergir um desejo íntimo daquele que viria a comprovar-se, ser um dos principais protagonistas, e determinantes, da eclosão da Revolta da Maria da Fonte na Póvoa de Lanhoso na Primavera de 1846. José Joaquim Ferreira de Melo e Andrade exerceu as funções de Administrador do Concelho da Póvoa de Lanhoso entre 1841 e 1847, fazendo-o na assumpção de uma perspectiva fundamentalmente política, dando primazia absoluta aos interesses político-partidários sobre os interesses da população, e contra quem se levantam as vozes e os actos das mulheres de Fontarcada que determinariam o início do que ficaria para a História de Portugal como a Revolução da Maria da Fonte.

Será Ferreira de Mello, Cartista convicto, quem faculta a Camilo a sua versão dos acontecimentos da Revolução da Maria da Fonte, como aliás expressa numa carta que lhe dirige, a acompanhar os documentos, datada de Março de 1874, quase em simultâneo com a publicação de “O Demónio do Ouro”...

O Livro de Camilo Castelo Branco

A publicação do livro de Camilo Castelo Branco “A Maria da Fonte”, mais um trabalho ensaístico do autor do que propriamente Romance, acontece em res-posta ao Livro “Apontamentos para a História da Revolução do Minho em 1846 ou da Maria da Fonte”, do Pe. Casimiro José Vieira, publicado com data de 1883… pela Typographia Lusitana de Braga.

De facto, “A Maria da Fonte” de Camilo Castelo Branco não se trata de um romance histórico, sequer de um romance, assumindo dar à estampa a versão dos acontecimentos de José Joaquim Ferreira de Mello e Andrade, um também seu correligionário político. Neste relato, adoptado por Camilo Castelo Branco como a versão mais autêntica dos acontecimentos, publica textualmente a versão que 11 anos antes Ferreira de Melo lhe remetera, e no qual opta por não mexer, transpondo ipsis verbis, talvez por Ferreira de Mello ter já falecido 4 anos antes (1881).

No discorrer das suas interpretações, de muitos dos factos da Revolução, Camilo vai procurar res-ponder a diversos “interlocutores”; para além do Pe. Casimiro José Vieira, a muitos dos seus adversários políticos, de Almeida Garrett a Oliveira Martins… contribuindo muito vivamente para a mitificação da figura da Maria da Fonte, a Amazona de Ferreira de Mello, de tamancos para os herdeiros da versão “camiliana”, o que provocará uma forte reacção das gentes da Póvoa de Lanhoso, agora já não com foices e roçadoiras... ou de clavina em riste…

Sabendo-se do alcance da obra de Camilo, mesmo em pleno séc. XIX, o que poderiam as gentes ou a comunidade da Póvoa de Lanhoso fazer em defesa do seu bom nome e dos actos heróicos das suas mulheres…? Como poderia uma comunidade repor a sua verdade se tinha sido um dos seus (Ferreira de Mello) a facultar uma visão política dos acontecimentos, ainda que um personagem suspeito no que respeita a isenção…? Como poderia a Póvoa de Lanhoso recolocar as palavras de Ferreira de Mello, que chegam mesmo a ser insultuosas e não apenas para com as mulheres da Póvoa de Lanhoso, afinal “o rodeiro dos engeitados da Póvoa”, de uma das suas figuras e cujos descendentes continuavam a ser referência social na mesma Póvoa de Lanhoso...

A “Maria da Fonte”
na Póvoa de Lanhoso

Não obstante os ecos deste relato não terem sido os desejados, o mesmo será objecto de sucessivas reedições nas páginas dos jornais e em textos de autores locais embora apenas documentalmente confirmados 110 anos depois (em 1996) com a publicação do trabalho de José Viriato Capela e Rogério Borralheiro “A Maria da Fonte na Póvoa de Lanhoso – Novos Documentos para a Sua História” que valida a informação “oral” veiculada ao longo de mais de um século pelo jornal e recolocando muitas das questões em torno da historiografia da Revolução de 1846.

Após 03 de Janeiro de 1886 e até aos nossos dias, 125 anos volvidos, com muito poucas e muito curtas interrupções, o jornal e o título “Maria da Fonte”, entram em casa dos Povoenses, sedimentando e solidificando a ligação, que se torna “umbilical”, da Póvoa de Lanhoso aos feitos de 1846...


http://jornalmariadafonte.blogspot.pt/2011/01/fundacao-do-jornal-maria-da-fonte.html

Sem comentários: