segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Prabhat Patnaik - O ataque mundial aos trabalhadores




Proposição da “supply-side economics”:   “Os ricos trabalham melhor se lhes pagarem mais, enquanto os pobres trabalham melhor se lhes pagarem menos”.

*  Prabhat Patnaik [*]


Sob o capitalismo tardio, há um ataque ao povo trabalhador que faz lembrar o capitalismo inicial e este ataque é mundial, não só no terceiro mundo como também nos países capitalistas avançados. O ataque ocorre a três níveis:   económico, político e ideológico.

O assalto a nível económico tem sido muito falado e é o resultado tanto do aumento da inflação como do grande aumento do desemprego que atualmente afligem o mundo capitalista. A inflação mais elevada foi iniciada por um aumento espontâneo das margens de lucro administrado pelo grande capital, em particular nos Estados Unidos, que depois se espalhou por todo o mundo capitalista (o mecanismo desta propagação não será discutido aqui, mas num artigo posterior); e o aumento do desemprego é o resultado conjunto tanto da crise capitalista mundial como das tentativas oficiais de conter a inflação em todo o lado à custa da classe trabalhadora, reduzindo deliberadamente o emprego. A esperança oficial é que a força negocial dos trabalhadores seja suficientemente reduzida pelo aumento do desemprego, de modo a que não possam negociar salários monetários mais elevados para compensar a subida dos preços, o que acabaria por fazer com que a inflação se atenuasse.

O capitalismo nos primeiros anos da Revolução Industrial na Grã-Bretanha, já salientado por historiadores como Eric Hobsbawm, caracterizou-se por um aumento da pobreza; do mesmo modo, o capitalismo tardio também está a assistir hoje a um aumento do nível de privação absoluta para os trabalhadores. Joseph Stiglitz argumentou que o salário médio real de um trabalhador americano do sexo masculino em 2011 era ligeiramente inferior ao de 1968; com a atual inflação, os salários reais de hoje seriam ainda mais baixos do que em 2011 e, portanto, também em comparação com 1968. Se acrescentarmos a isto o maior desemprego atual nos EUA em comparação com 1968 (a taxa de desemprego oficial camufla este facto, uma vez que não tem em conta a redução da taxa de participação dos trabalhadores devido ao “efeito do trabalhador desencorajado” que funciona num período de desemprego elevado), não restam muitas dúvidas quanto ao aumento do empobrecimento entre os trabalhadores americanos. O mesmo se pode dizer dos trabalhadores de outros países capitalistas avançados. Em países como a Índia e o resto do Terceiro Mundo, há provas claras de um declínio do nível nutricional da população, medido pelo declínio da absorção per capita de cereais alimentares (considerando a soma dos cereais diretamente consumidos, utilizados como alimento para produtos animais e transformados em produtos alimentares) no período desde a década de 1980. Daqui se pode inferir um aumento inequívoco do nível absoluto de pobreza entre os trabalhadores. Por conseguinte, não se pode duvidar do ataque económico aos trabalhadores do mundo capitalista, sobretudo aos trabalhadores pobres.

Contudo, este ataque económico é impossível de sustentar sem restringir os direitos políticos do povo trabalhador; ou seja, sem um ataque político simultâneo contra eles. E esse ataque político tomou a forma do neofascismo que emergiu em grande escala por todo o mundo capitalista. Líderes neofascistas encabeçam regimes em muitos países agora, de Milei na Argentina, a Meloni na Itália, a Trump nos EUA, a Modi na Índia, a Orban na Hungria, a Erdogan na Turquia, para não mencionar Netanyahu em Israel, embora ele esteja em uma categoria própria; e em muitos outros países formações neofascistas estão na expectativa de tomar o poder, como o AfD na Alemanha e o partido de Marine Le Pen na França (neste último caso, frustrado até agora por uma Esquerda Unida).

O ataque político contra o povo trabalhador desencadeado por estas formações neofascistas combina a repressão direta dos trabalhadores e dos sindicalistas e a redução legal dos direitos dos trabalhadores com uma mudança de discurso, de ódio ao "outro", a alguma minoria infeliz e criando aversão entre ela e a maioria. Uma tal mudança de discurso não só relega para segundo plano as questões da vida material quotidiana dos trabalhadores, como também os divide em função de linhas religiosas ou étnicas (com repúdio ao "outro"escolhido), de modo a que não consigam montar uma resistência unida contra a privação económica que lhes foi infligida.

No entanto, para além deste ataque económico e político contra os trabalhadores, o que se torna agora particularmente notório é o ataque ideológico. Este também não se limita a comentários ocasionais feitos por esta ou aquela pessoa. Esses comentários contra os trabalhadores estão a ser feitos em todo o mundo, o que sugere o surgimento de uma conjuntura de ataque ideológico contra os trabalhadores.

Na Índia, face a esta carência económica, várias formações políticas, tentando adquirir poder político num regime económico incapaz de produzir mais emprego, têm oferecido transferências às populações. Estas transferências, demasiado pequenas para anular o empobrecimento económico do povo trabalhador (caso contrário, não teríamos assistido à privação nutricional mencionada anteriormente), foram, no entanto, atacadas pelos neofascistas no poder e pelo Primeiro-Ministro Modi como sendo “borlas” ("freebies"). Embora o próprio partido no poder tenha sido forçado, por compulsões eleitorais, a oferecer tais transferências à população, este ataque às transferências foi agora retomado por outros. O empresário que tinha pedido recentemente uma semana de 90 horas para os trabalhadores (pretendendo, de facto, criar um ambiente do tipo Auschwitz nas fábricas indianas), interveio, alegando que tais transferências, ou “brindes”, como ele também optou por lhes chamar, induzem as pessoas a não trabalhar. E agora também um juiz do Supremo Tribunal aderiu a este coro, sugerindo que as transferências impedem as pessoas de trabalhar, uma vez que podem ficar em casa, sem fazer nada e continuar a receber a sua “borla”. Se este juiz do Supremo Tribunal tivesse tornado obrigatório que o governo oferecesse empregos decentes às pessoas em vez de transferências, então a questão teria sido diferente; mas as suas observações foram feitas apenas contra as transferências, não a favor da oferta de emprego decente.

É claro que essas pessoas argumentariam que os empregos existem, mas são escassos; mas não só não apresentam provas para tal afirmação, como também não apresentam provas sobre o nível dos salários que estão a ser oferecidos para esses empregos que dizem estar a faltar. A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) constatou que na Índia existe uma grave falta de oportunidades de emprego digno. Os dados do governo sobre o emprego são gravemente errados, porque mostram que o trabalho não remunerado das mulheres em empresas familiares está a crescer, e este crescimento é contado como crescimento do emprego; mas este crescimento reflete a falta de emprego remunerado noutros locais e, por conseguinte, constitui aquilo a que os economistas geralmente chamam “desemprego disfarçado”.

Exatamente o mesmo ataque ideológico contra os trabalhadores está a ocorrer também nos EUA. Elon Musk, que dirige o “Department of Government Efficiency” (DOGE) criado por Donald Trump, é propenso, pelas suas observações, a efetuar cortes nos benefícios do Medicaid, Medicare e Segurança Social para os pobres, uma apreensão expressa pelo Senador Bernie Sanders recentemente (MR online, 13/Fevereiro). E este ataque às transferências para os pobres está a ser levado a cabo, segundo Sanders, a fim de que o dinheiro possa ser desviado para a concessão de reduções fiscais aos ricos, entre os quais se encontram pessoas como o próprio Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg.

Trata-se de uma ofensiva ideológica de grande envergadura, que se enquadra nos princípios da chamada “supply-side economics”. John Kenneth Galbraith, o economista liberal, disse que a essência da “economia do lado da oferta” era a proposição de que “os ricos trabalham melhor se lhes pagarem mais, enquanto os pobres trabalham melhor se lhes pagarem menos”. Isto está a ser propagado agora por pessoas como Trump e Musk.

No entanto, há aqui uma ironia. A prossecução desta ideologia, que procura justificar que se tire dinheiro aos pobres para o dar aos ricos, só vai agravar ainda mais a crise capitalista. Uma vez que os pobres consomem mais por cada dólar que recebem, em comparação com os ricos, essa redistribuição apenas significará uma maior contração da procura de consumo agregado; e uma vez que o investimento dos capitalistas depende do crescimento esperado do mercado que, por sua vez, depende da experiência real de crescimento do mercado, simplesmente dar-lhes benefícios fiscais não aumentará o seu investimento nem um bocadinho. O resultado líquido será uma redução da procura agregada (considerando o consumo e o investimento em conjunto), o que só irá agravar a crise.

John Maynard Keynes, nos anos 30, que era um defensor do capitalismo e receava que algo como a Revolução Bolchevique pudesse ultrapassá-lo no Ocidente, havia sugerido que, para salvar o sistema capitalista, era necessário aumentar a procura agregada através do esforço governamental; aquilo a que estamos a assistir no capitalismo contemporâneo é exatamente o oposto disto, o que terá sem dúvida implicações políticas de grande alcance.

23/Fevereiro/2025  
Cartoon, autor desconhecido.

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2025/0223_pd/worldwide-assault-working-people

https://resistir.info/patnaik/patnaik_23fev25.html

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