por Elias Jabbour*
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Porém, uma guarda caracteres especiais: levaremos - nesta tal discussão - em consideração a complexidade de uma formação onde o neto de “Maria, a louca” foi o artífice da internalização de nosso capitalismo comercial (independência), ou vamos utilizar o “supra-sumo do lixo” do marxismo produzido no século 20 como estrada sem vicinais, a argumentos baseados na ignorância, no discurso fácil e na desqualificação de tipo fascista do interlocutor como meio a um “nobre” fim?
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A montanha do conhecimento é cheio de escarpas, dizia Marx. Ou se escala esta montanha com perseverança e humildade ou nos aferremos ao antimarxismo, ao dogma, ao conservadorismo que causou a morte de gente boa em tribunais onde um “deus” – concebido numa formação social onde o direito romano estava tão distante quanto a razão de um policial, preparado ao assassínio de pobres, do BOPE – dizia quem matava ou morria, ou mesmo onde o destino de um trabalhador digno e honesto estava nas mãos de um plutocrata-assassino-protegido de tipo Béria (afinal não é incomum ouvir assertivas, entre elas “o Estado de Direito é coisa de burguês!!!”); ou como nos dias de hoje, rotulemos, desqualifiquemos, absorvendo assim o que de mais fascista criou o método da interlocução inerente ao “pensamento único” neoliberal.
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É isso, a provocação que faço é justamente no sentido de separar o chamado “joio do trigo” que na perspectiva que busco levantar pode se expressar num método tipicamente marxista-leninista (análise das “múltiplas determinações” que formam o concreto) ou num “esquerdismo” cuja superficialidade acaba degenerando – no debate de idéias – numa inconseqüente desonestidade intelectual.
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Eis o desafio de se militar e escrever nos moldes de um soro feito à base de uma mistura de água com açúcar ou se enfrentando os problemas de mente aberta e capacidade para o bom combate.
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Além de uma necessária busca das raízes históricas desta tendência política, minha idéia inicial é abordar o fenômeno do “esquerdismo” partindo da análise de alguns temas que nos interessam na contemporaneidade. Todos eles relacionados ao Brasil, entre eles a formação social brasileira, as características de nosso processo de desenvolvimento, a relação entre industrialização e reforma agrária, o desmonte do complexo rural brasileiro, a política e a economia na subjetividade do empresário nacional, entre outros.
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O pano de fundo, a essência é a discussão acerca do caráter estratégico da questão nacional à nossa transição ao socialismo. Do ponto de vista epistemológico – na falta de instrumentos de experimentação somente dispostos ao trabalho de químicos, físicos e adjacências – somente nos resta utilizar a ciência histórica como campo privilegiado de experimentação das ciências ditas como “da sociedade”. Continuando, além da busca da “raiz das coisas” (história = categoria de formação econômico-social), é mister a dotação de uma visão de conjunto do problema; logo, agrego ainda a necessidade nodal à este tipo de investigação materialista e histórica: o salto de qualidade inerente à fusão da ciência histórica com a ciência econômica, redundando no poderoso instrumento da história econômica, assim como das ciências políticas com a já citada economia inerente à Economia Política.
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É na análise de processos históricos que podemos chegar a alguma síntese justa dos problemas que nos afligem. Afinal, uma verdade somente é passível de lastro se a mesma for lastreada historicamente.
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Expressão sócio-temporal da transição feudalismo-capitalismo
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Conforme salientei na introdução do texto, sendo a história o campo de experimentação, por excelência, das ciências humanas, é na análise de distintos processos históricos que reside a viabilização da compreensão determinados fenômenos. Logo, o “esquerdismo” como fenômeno político e social somente deve ser amplamente baseada como expressão de determinados processos históricos caracterizados por uma crescente ruptura entre determinados níveis de desenvolvimento das forças produtivas com cada vez mais obsoletas relações de produção. Assim sendo, e adiantando minha opinião, acredito ser possível afirmar que o “esquerdismo” é produto histórico de sociedades cuja transição feudalismo – capitalismo ocorreu de forma mais lenta que em sociedades onde a expropriação camponesa deu-se de forma mais radical e acelerada (Inglaterra, p. ex.).
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Trocando em miúdos, o processo de desmonte das “terras comunais” (local do feudo destinado ao plantio, pelos servos, de gêneros para subsistência e – eventualmente – ao mercado) em prol da concentração dos meios de produção nas mãos da classe dominante que transformou sua hegemonia econômica em hegemonia política
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Substanciando, interessante notar que uma das características mais marcantes do discurso “esquerdista” é a relação direta entre o socialismo com o modelo de sociedade baseada em princípios igualitaristas, quando na verdade em Marx e Engels observa-se uma distância muito grande entre igualitarismo e igualdade. Afora esta distorção teórica e política dos fundamentos do socialismo científico, é de difícil garimpo encontrar, nos escritos dos fundadores do socialismo científico, a emersão de uma sociedade igualitária como uma das tarefas históricas do socialismo.
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Abrindo parêntese, importante não negarmos que o marxismo surge, no sentido filosófico, como uma corrente hegeliana de esquerda, o que significa a absorção – em suas raízes – tanto das idéias igualitaristas de pensadores franceses (Saint-Simon e Charles Fourier), quanto do cosmopolitanismo inerente aos intelectuais críticos da transformação das ciências humanas e naturais em instrumentos a serviço do projeto nacional bismarckiano na Alemanha.
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Infelizmente não é socializada a informação para quem – em Marx e Engels – a principal tarefa histórica da transição do socialismo ao comunismo reside na proscrição da divisão social do trabalho. Esta constatação muda –radicalmente – a forma de se enxergar o problema da transição...
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Retornando, o elo da solução da equação em torno da gênese do “esquerdismo”, está na mesma tentativa de resposta dos socialistas utópicos às dores do parto da transição feudalismo – capitalista numa Europa Ocidental onde o apoio camponês foi de grande relevância ao êxito, por exemplo, da Revolução Francesa: a conflituoso e traumático desmantelamento das terras comunais à pequena produção mercantil e posteriormente ao capitalismo industrial concentrado em centros urbanos. Importante notar que nas ditas “terras comunais” o igualitarismo era o principal elemento norteador da subjetividade das famílias assentadas em tais espaços. Assim fica mais claro compreender o caráter anticapitalista (não trabalham com o socialismo como superação do capitalismo) do discurso “esquerdista”, pois assim como Nitszche - produziu uma visão anticapitalista a partir da constatação das contradições inerentes daquele processo histórico de substituição de marcos éticos igualitaristas a outra onde a concorrência permearia, inclusive, as relações pessoais.
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Além de Nitszhe, Saint-Simon moldaria seu pensamento e ação ao retorno às antigas formas de relações da gleba comunal. Ressaltando a relação de causa e efeito entre os valores igualitaristas rurais e o “esquerdismo”, é interessante perceber – por exemplo – que os desvios de esquerda de líderes nascidos em comunidades agrárias (como Mao Tsétung) sempre estão baseados em trágicas tentativas de imposição (de cima para baixo) de políticas igualitaristas sob o lastro de políticas econômicas subjetivistas e – conseqüentemente – sem nenhum nexo com as leis objetivas e subjetivas do desenvolvimento social.
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Por fim, é mister demonstrar que a influência dos utópicos em Marx apenas serviu como referência de um determinado processo histórico. Marx e Engels superaram seus antecessores, por exemplo, ao demonstrar que o desenvolvimento de novas e superiores formas de produção é diretamente determinado pela relação entre homem e natureza, e sendo a natureza guiada por um conjunto de leis e que tais leis não são passíveis de mudança pela “vontade humana”. O máximo que o ser humano pode alcançar é a utilização destas leis em seu proveito. Mais, em consonância com a natureza, a próprio desenvolvimento da sociedade estão sujeitas à ação de determinadas leis que em plágio com as que regem a natureza, também não estão a mercê da vontade dos homens. Daí os fundadores do socialismo científico relacionarem a edificação do socialismo sob o pressuposto da deciframento, por parte do homem, das formas de ação das leis naturais e sociais. É a fase da história (futura) marcada pela “construção consciente da sociedade”.
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O Brasil, uma formação social complexa
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Minha idéia agora é trazer a discussão para o campo da formação social brasileira. Por quê? Pelo fato de que não podermos fazer uma análise justa de determinadas posições políticas longe do escopo da análise da visão, de determinados grupos, acerca do desenvolvimento histórico das formações sociais em que atuam. Uma tática acertada e justa deve ter como condição sine qua non uma leitura correta da história do local de atuação. Neste caso tento apontar que o subjetivismo e a inconseqüência da tática “esquerdista” no Brasil está diretamente relacionada com dois limites de ordem conceitual e teórica:
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1) Não trabalharem com o princípio para quem o contato dos colonizadores europeus com a periferia do sistema redundou na formação de sociedades onde diferentes formas de produção conviveram (e convivem) dando um caráter complexo ao modo de produção e, conseqüentemente, à formação social como um todo. A percepção do caráter complexo de nossa formação social é a principal condição objetiva à percepção de que numa dada sociedade onde o velho e o novo estão em processo de conflito e convivência, as classes dominantes assumem discursos ora conservadores, ora progressistas. Tal comportamento dúbio por parte das classes dominantes que emergiram na periferia do capitalismo pode ser de perfeita compreensão a partir do exame e domínio das formas como a lei do desenvolvimento desigual e combinado agem sobre determinada formação (no Brasil em nosso caso). Coloco ainda que a lei do desenvolvimento desigual e combinado foi, sob o ponto de vista teórico, a antesala que possibilitou a Lênin alçar a tática política do proletariado à condição de ciência;
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2) O subjetivismo, o espontaneísmo e a conseqüente falta de coerência intrínsecas às “táticas” do esquerdismo são produtos, dentre outros fatores, da falta (e incapacidade) de se analisar (tanto no imediato quanto na história econômica do Brasil em si) o processo de produção como fundamento de primeira ordem à atuação e capacidade de intervenção em processos de acirramento da luta de classes. Assim nasce a principal condição objetiva à negação duma das grandes distorções e aberrações do marxismo no século: a substituição da análise do processo de produção em detrimento da investigação do processo de circulação de mercadorias. Trocando em miúdos, ao não apreenderem de forma séria o marxismo, as análises de cunho esquerdista deixam-se levar por uma definição de capitalismo muito genérica sintetizada na idéia de produção para a venda no mercado, em que o objetivo é o lucro máximo. Assim o extremismo de esquerda aproxima-se muito mais da Economia Política produzida por Adam Smith do que da crítica produzida a ela por Marx. Somente um deslocamento do marxismo – em sua forma radical – em detrimento de uma caduca Economia Política pode servir de base a uma falsa totalidade hegeliana (afinal pode-se vislumbrar o todo mesmo na parte) e da esquematização e estratificação (logo, não observando historicamente o processo de formação e desenvolvimento das nações) do mundo em centro, semi-periferia e periferia, creditando (como nossos teóricos da dependência, esquerdistas e superficiais como Rui Mauro Marini e Gunder Frank) que processos autônomos de desenvolvimento só podem existir com “autorização” (ou “convite”) e a serviço dos interesses do centro. Aliás, algo muito conhecido (o “circulacionismo) entre nós no Brasil acostumados com as “hegemonias” cepalina, da teoria da dependência, das idéias de Caio Prado e Jacob Gorender, das teorias do subdesenvolvimento e daqueles que não trabalham com a hipótese da existência histórica do feudalismo no Brasil (estou a procura de alguém que me aponte as leis da Economia Política que nortearam uma “transição direta” do escravismo ao capitalismo no Brasil). O que existe em comum em todas elas é a não explicação do dinamismo de países como o Brasil (que chegou a ser a 8° economia do mundo no início da década de 1980) e sim na busca cega por explicações de nosso atraso. O Brasil, para os esquerdistas, é um grande fracasso histórico...
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Certa vez Stálin afirmou que se pode falar em cinco modos de produção fundamentais, a saber: o comunismo primitivo, o escravista, o feudal, o capitalista e o socialista. Ignácio Rangel nos advertira que Stálin escrevera e falava este tipo de elaboração em russo, o que quer dizer que ao se tratar de uma língua estranha, não-latina, poderia servir de interpretações mil e vis. Claro, que talvez o então líder soviético não tratara a questão com a radicalidade necessária ao não incluir os chamados modos de produção complexos, entre eles o modo de produção asiático, onde o camponês poderia servir a formas variadas de acumulação a outrem ao mesmo tempo em que acumulava a si próprio, sem falar na essencial serventia ao imperador, senhor do destino, ao mesmo tempo, potencialmente servil a uma ampla massa de milhões de famílias camponesas. A análise desse modo de produção asiático e complexo pode ser importante à percepção das múltiplas formas que se pode tomar o socialismo, dependendo da formação em que ele se desenvolve. Afinal, se a Economia Política não é a mesma para todos os países (Engels), o socialismo não deve ser regido por um “modelão” projetado em algum gabinete lotado por um “senhor do mundo”.
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Outra classe de modos de produção complexos foram originados com os contatos ibéricos com a América, onde pode-se conceber perfeitamente, um senhor de escravos regido por um estatuto jurídico para quem “toda a terra pertence ao rei” ou “nenhuma terra sem senhor”. Esse mesmo senhor de escravos era um grande vassalo do rei de Portugal, que por sua vez intermediava o capital comercial baseado no excedente provenientes das terras brasilis com a potência industrial do momento, a Inglaterra. Com o tempo passando, esse mesmo senhor de escravos, passou a liberar seus escravos ao casamento, ao direito de morar em suas terras e plantar seus gêneros em um jogo em que a metade ou a famosa meia fosse retida como renda em troca de favores expressos. O dito senhor de escravos estava “de olho” no aumento da produtividade capaz de abastecer os exigentes e crescentes mercados ingleses. Eis a demanda que permitiu esse relaxamento de relações de produção, dando cores a um feudalismo brasileiro muito semelhante ao praticado no sul de Portugal. Eis, em ralas palavras, a lógica de nosso modo de produção complexo, a “dualidade brasileira” produzida por quem, aqui no Brasil, melhor absorveu a concretude de Aristóteles, a dialética de Hegel, o método de Marx e a capacidade analítica e empírica de Lênin. Refiro-me a Ignácio Rangel.
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Mas o processo não era igual em todo o território. Se girarmos nosso compasso analítico, veremos em regiões como a denominada hoje como Estado de Santa Catarina, as mesmas condições geográficas que permitiram a proliferação da pequena produção mercantil (um pequeno modo de produção, que para Marx reunia as condições objetivas ao processo de industrialização, por conta do acumulo de capital via produção já destinada ao mercado) no nordeste dos Estados Unidos, sendo a raiz do que hoje pode ser considerado um dos mais dinâmicos clusters industriais do mundo e tocada por empreendedores estrangeiros, no melhor estilo, nas palavras de Weber, self made man. Uma região capaz de abarcar o nascimento de empresas “de fundo de quintal” como a WEG, e que hoje é uma das empresa capaz de colocar uma Siemens alemã na defensiva, apesar de deliberada política antiindustrial iniciada com Collor e levada a cabo, ainda, por Lula (dada nossa política cambial e de juros). A revolução de 1930 fez transformar regiões inteiras ocupadas pela pequena produção mercantil em centros industriais como, a já citada Santa Catarina, mas também o Planalto Paulista, entre outras. Não somente isso, gestaram-se em nossa pátria empresários capazes, dinâmicos que colocaram o Brasil na década de 1970 em franca concorrência com o centro do sistema em, por exemplo, produção de cabos ópticos submarinos, ou mesmo, na vanguarda da ocupação da reserva de mercado encerrada na computadorização do sistema bancário, surgindo assim caixas-eletrônicos, antes no Brasil que no centro do sistema.
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O Brasil transformou-se no pós-30 em uma “grande Prússia”, inclusive nos problemas de industrialização sem reforma agrária, colocando para nós (assim como para a Alemanha e o Japão) o problema de “crescer ou crescer”, como única forma de amainar os problemas sociais advindos deste tipo de industrialização. Agravante a isso foi o epílogo de nosso processo de industrialização com a implantação de uma nova indústria de base durante o competente, governo Geisel. Indústria de base poupadora de mão-de-obra, logo, transformando o problema agrário de superpopulação em problema urbano. Novas fontes de acumulação e investimentos são e seriam necessários. Fulcral condição objetiva à reprodução do capital, a fusão entre capital bancário e industrial, gerando um capitalismo financeiro brasileiro (que se constitui em nosso novo grito de independência, assim como o foi o início de nosso processo de industrialização na década de 1930), fora e está sendo abortado. Eis uma grande expressão da brutal força do imperialismo em nosso país.
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Desde então não crescemos e os problemas sociais estão aí, inclusive com o banditismo urbano gerando novas formas de ocupação informal que vão desde os mototáxis do Rio de Janeiro à segurança privada e armada de São Paulo.
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Paradoxos políticos inerentes a complexidade de nossa formação
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Minha idéia não é passar em revista uma idéia adotada particularmente sobre nossa formação social. Apesar da forma rasteira, antidemocrática (pensamento único de “esquerda”, por exemplo, na proclamação de que no Brasil não houve feudalismo), superficial e longe da totalidade intrínseca ao materialismo histórico com que essa temática tem sido tratada (trata-se de uma abordagem longe do “marxismo cirúrgico” de um Lênin, Gramsci e I. Rangel), acredito que as coisas e o debate – impulsionado pelas “rasteiras” que a dialética nos impõe – estão caminhando.
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Este tipo de análise incide diretamente sobre nossa tática. Afinal, o materialismo é histórico e toda nossa construção de uma atitude ante o concreto deve se lastrear historicamente. Além de grande parâmetro à consecução de uma tática justa, tenho certeza que a má interpretação da história é a grande condição objetiva ao amálgama entre esquerdismo e desonestidade intelectual. Por outro lado e sob o ponto de vista da disputa interna de idéias em nosso seio, a cotização histórica é o melhor método de persuasão intelectual e política ante a incompreensão e o discurso fácil.
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Retornando à problemática histórica brasileira e sua relação com o presente, esta expressa “dualidade” que se expressa em todos os campos da vida nacional, tendo sua expressão mais clara o fato de a base econômica do país ter-se tornado amplamente capitalista, enquanto que a superestrutura de poder continua atreladas às maneiras clarificadas pelo pacto de poder de 1930 (destruição do pacto federativo por FHC e um executivo que também toma para si a arte de legislar). Do ponto de vista da análise mais histórica, a complexidade inerente à formação brasileira produziu um esquema de transições truncado; lento, gradual, seguro; com revoluções incompletas (meias rupturas...).
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Paradoxos políticos são conseqüência da complexidade que contorna nosso processo de desenvolvimento, causa e efeito da dualidade que nos é anexa: Dona Maria, a Louca vitimou um militante independentista, Tiradentes, porém foi a mãe de Dom João VI e avó de Pedro I, o príncipe regente que bradou nossa independência. Assim segue nos exemplos que vão desde os quilombolas e Miguelinho de um lado e Princesa Isabel do outro. José Bonifácio, nascido no Brasil, porém membro de uma família aristocrática portuguesa, foi nosso primeiro estadista, um “homem-luz” que em tempos em que ser liberal correspondia a uma atitude revolucionária perante a vida, foi o primeiro a colocar na pauta a necessidade da viabilização de um Estado-Nacional brasileiro sob bases industriais e modernas.
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O sonho da modernização bonifaciana foi posto em prática por um Getúlio Vargas, estancieiro que se tornou o artífice de nossa nacionalidade. Assim, as transições bruscas são impedidas, o potencial revolucionário das classes subalternas nunca se realiza por inteiro; eis a conseqüência em matéria de prática política de uma formação que procede como uma criatura que cresce e se desenvolve casando estruturas preexistentes com o “moderno”, conservando cada qual suas particularidades fundamentais (Rangel, 1961, p. 210), evoluindo sem quebrar o núcleo da unidade dos contrários gerida por esta lógica. Enfim, o Brasil é uma formação social complexa, marcada pela dualidade jurídica, econômica, histórica e política e se não o estudarmos assim, há de parecer-nos uma construção caótica, sem nexos internos estabelecidos e, sobretudo, sem história (Rangel, 1978, p. 12). Acrescento: se não o entendermos nos marcos da complexidade que nos é intrínseca, podemos marchar para o abismo em matéria de prática política.
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Relevo à ação política com amplitude
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Duas considerações ainda. A primeira: essa dubiedade expressa em na historia política do país não pode ser encarada como algo negativo e sim uma determinação da qual podemos nos aproveitar, tendo em vista o grande relevo de ação política que se gera como resultado da variedade de interesses em jogo tendo em vista as múltiplas facetas que cada classe ou setor da sociedade pode assumir de acordo com a época histórica.
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Segundo consideração: equivocam-se os que afirmam pelos cotovelos que a história se repete. Ao analisar os golpes de Estado, primeiro de Napoleão Bonaparte seguida pela executada por Louis Bonaparte Marx, em ''O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte'', crava a genial lógica para quem a história pode se repetir somente sob forma de tragédia ou de farsa. Logo, o que acontece é o soerguimento à tona de características às leis objetivas que se manifestam no curso de nossos ciclos históricos/econômicos. Assim sendo, não é improvável que nossa transição ao socialismo obedeça, quase que piamente, a esta ordem de fatores. Eis porque a transição socialista pela via do capitalismo de Estado está na nossa ordem das coisas, quase que como uma lei objetiva de nosso processo de desenvolvimento. Mas esta é uma outra história, imbricada num mesmo processo...
*Elias Jabbour, é Doutorando e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e autor de ''China: infra-estruturas e crescimento econômico'' 256 pág. (Anita Garibaldi).
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in Vermelho - 24 DE JUNHO DE 2009 - 19h45
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