16 de Outubro de 2013 às 14:56
* Chico Buarque - Deus lhe Pague
* Fernando Namora - Foi hoje um domingo Bonito
* Cecília Meireles - Domingo na praça
* Federico Garcia Lorca – DEMONIO
* Rui Belo - Emprego e Desemprego do Poeta
* Eugénio de Andrade - Pequena elegia chamada domingo
* Manuel Alegre - COMO OUVI LINDA CANTAR POR SEU AMIGO JOSÉ
* António Gedeão - Poema de Domingo
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* Chico Buarque
Deus lhe Pague
Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague
Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí"
Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir
Um crime pra fomentar e um samba pra distrair
Deus lhe pague
Por essa praia, essa saia, pelas essas mulheres daqui
O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir
Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair
Por mais um dia de, agonia, pra suportar a assistir
Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir
E pelo grito demente que nos ajuda a fugir
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague
(Da ópera Vai Trabalhar, Malandro)
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* Fernando Namora
Foi hoje um domingo Bonito
Foi hoje um domingo bonito, Cacilda!
A sanfona correu o lugar de lés a lés.
- Quem deu pelas histórias dos velhos?
Ninguém.
Quem ouviu a fome do gado, preso no curral?
Ninguém.
Quem espantou as galinhas, debicando nos cachos?
Ninguém.
Na venda, houve surra, abriram cabeças.
E farnéis na charneca e dança
no sobrado da tua avó.
O brasileiro trouxe aquela caixa que tem música
e modas di lá.
Tudo foi bonito, Cacilda!
Vem banhar-te na alegria
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* Cecília Meireles
Domingo na praça
Em três altas ondas a fonte desata
na negra bacia
suas longas madeixas de prata.
Entre o lago e as flores, desliza alegria
nas areias quietas:
cantos de ciranda, sapatinhos brancos,
aros velozes de bicicletas.
Depois dos canteiros, dois a dois, sentados,
falando em sonho, sonhando acordados,
os namorados enamorados
dizem loucuras, pelos bancos.
Ah, Deus, - e a grande lua antiga,
que volta de viagens, saindo do oceano,
ouve a alegria, ouve a cantiga,
ouve a linguagem de puro engano,
ouve a fonte que desata
na negra bacia
novas madeixas de prata ...
As águas não eram estas,
há um ano, há um mês, há um dia ...
Nem as crianças, nem as flores,
nem o rosto dos amores ...
onde estão águas e festas
anteriores ?
E a imagem da praça, agora,
que será, daqui a um ano,
a um mês, a um dia, a uma hora ? ...
das penas adormecidas.
Deixa o amanhã.
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* Federico Garcia Lorca.
DEMONIO
Quia tu es Deus, fortitudo mea,
quare me sepulisti?
et quare tristis incedo dum
affligit me inimicus?
Honda luz cegadora de materia crujiente,
luz oblicua de espadas y mercurio de estrella,
anunciaban el cuerpo sin amor que llegaba
por todas las esquinas del abierto domingo.
Forma de la belleza sin nostalgias ni sueño.
Rumor de superficies libertadas y locas.
Medula de presente. Seguridad fingida
de flotar sobre el agua con el torso de mármol.
Cuerpo de la belleza que late y que se escapa.
Un momento de venas y ternura de ombligo.
Amor entre paredes y besos limitados,
con el miedo seguro de la meta encendida.
Bello de luz, oriente de la mano que palpa.
Vendaval y mancebo de rizos y moluscos.
Fuego para la carne sensible que se quema.
Níquel para el sollozo que busca a Dios volando.
Las nubes proyectaban sombras de cocodrilo
sobre un cielo incoloro batido por motores.
Altas esquinas grises y letras encendidas
señalaban las tiendas del enemigo Bello.
No es la mujer desnuda ni el duro adolescente
ni el corazón clavado con besos y lancetas.
No es el dueño de todos los caballos del mundo
ni descubrir el anca musical de la luna.
El encanto secreto del enemigo es otro.
Permanecer. Quedarse en la luz del instante.
Permanecer clavados en su belleza triste
y evitar la inocencia de las aguas nacidas.
Que al balido reciente y a la flor desnortada
y a los senos sin huellas de la monja dormida
responda negro toro de límites maduros
con la flor de un momento sin pudor ni mañana.
Para vencer la carne del enemigo bello,
mágico prodigioso de fuegos y colores,
das tu cuerpo celeste y tu sangre divina
en este Sacramento definido que canto.
Desciendes a la materia para hacerte visible
a los ojos que observan tu vida renovada
y vences sin espadas, en unidad sencilla,
al enemigo bello de las mil calidades.
¡Alegrísimo Dios! ¡Alegrísima Forma!
Aleluya reciente de todas las mañanas.
Misterio facilísimo de razón o de sueño,
si es fácil la belleza visible de la rosa.
Aleluya, aleluya del zapato y la nieve.
Alba pura de acantos en la mano incompleta.
Aleluya, aleluya de la norma y punto
sobre los cuatro vientos sin afán deportivo.
Lanza tu Sacramento semillas de alegría
contra los perdigones de dolor del Demonio,
y en el estéril valle de luz y roca pura
la aguja de la flauta rompe un ángel de vidrio.
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* Rui Belo
Emprego e Desemprego do Poeta
Deixai que em suas mãos cresça o poema
como o som do avião no céu sem nuvens
ou no surdo verão as manhãs de domingo
Não lhe digais que é mão-de-obra a mais
que o tempo não está para a poesia
Publicar versos em jornais que tiram milhares
talvez até alguns milhões de exemplares
haverá coisa que se lhe compare?
Grandes mulheres como semiramis
públia hortênsia de castro ou vitória colonna
todas aquelas que mais íntimo morreram
não fizeram tanto por se imortalizar
Oh que agradável não é ver um poeta em exercício
chegar mesmo a fazer versos a pedido
versos que ao lê-los o mais arguto crítico em vão procuraria
quem evitasse a guerra maiúsculas-minúsculas melhor
Bem mais do que a harmonia entre os irmãos
o poeta em exercício é como azeite precioso derramado
na cabeça e na barba de aarão
Chorai profissionais da caridade
pelo pobre poeta aposentado
que já nem sabe onde ir buscar os versos
Abandonado pela poesia
oh como são compridos para ele os dias
nem mesmo sabe aonde pôr as mãos
Ruy Belo, in "Aquele Grande Rio Eufrates"
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* Eugénio de Andrade
Pequena elegia chamada domingo
O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos
estavam os montes e os rios
e as nuvens.
Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.
Hoje os montes e os rios
e as nuvens
não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.
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* Manuel Alegre
COMO OUVI LINDA CANTAR POR SEU AMIGO JOSÉ
Se sabeis novas do meu amigo
novas dizei-me que vou morrendo
por meu amigo que me levaram
num carro negro de madrugada.
Dizei-me novas do meu amigo
em sua torre tecendo os dias
dai-me palavras pra lhe mandar
com ruas brisa domingos sol.
Se sabeis novas de meu amigo
novas dizei-me que desespero
por meu amigo que longe espera
tecendo os dias tecendo a esperança.
Mando recados não sei se chegam
leva-me ó vento da noite triste
ou diz-me novas de meu amigo
que tece o tempo na torre negra.
Que tece o tempo que tece a esperança.
Já da ternura fiz uma corda
ó vento prende-a na torre negra
que meu amigo por ela desça.
Por essa corda feita de lágrimas
que meu amigo por ela desça
ou mande a esperança que vai tecendo
que desespero sem meu amigo.
Manuel Alegre, Praça da Canção/O Canto e As Armas, 1.ª ed. de bolso, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000, pp. 85-86.
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* António Gedeão
Poema de Domingo
Aos domingos as ruas estão desertas
e parecem mais largas.
Ausentaram-se os homens à procura
de outros novos cansaços que os descansem.
Seu livre arbítrio alegremente os força
a fazerem o mesmo que fizeram
os outros que foram fazer o que eles fazem.
E assim as ruas ficaram mais largas,
o ar mais limpo, o sol mais descoberto.
Ficaram os bêbados com mais espaço para trocarem as pernas
e espetarem o ventre e alargarem os braços
no amplexo de amor que só eles conhecem.
O olhar aberto às largas perspectivas
difunde-se e trespassa
os sucessivos, transparentes planos.
Um cão vadio sem pressas e sem medos
fareja o contentor tombado no passeio.
É domingo.
E aos domingos as árvores crescem na cidade,
e os pássaros, julgando-se no campo, desfazem-se a cantar empoleirados nelas.
Tudo volta ao princípio.
E ao princípio o lixo do contentor cheira ao estrume das vacas
e o asfalto da rua corre sem sobressaltos por entre as pedras
levando consigo a imagem das flores amarelas do tojo,
enquanto o transeunte,
no deslumbramento do encontro inesperado,
eleva a mão e acena
para o passeio fronteiro onde não vai ninguém.
- Antônio Gedeão, in "Novos poemas póstumos", (Sá da Costa Ed., 1990), in "Poesia Completa" (Sá da Costa Ed., 1996)
vem de
O Domingo na Poesia ~ segundo vários escritores - 02
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