No Vazio da Onda | © MCS
FEVEREIRO 10, 2016
Como este blog é o meu arquivo, vou guardar aqui umas mnemónicas após lidos 20 contos de José Cardoso Pires.
1. Os Reis-Mandados – O primeiro que li destes vinte. O meu preferido.
2. O Conto dos Chineses – escrito em 1959 tem esta passagem: “Compreendeu então que se tratava de feirantes, destes que vendem carteirinhas lavradas e coisas de enfeitar raparigas. Antigamente havia-os por todo o lado mas hoje é curioso que se encontram muito raramente e cada dia menos. Foram para a terra deles, para a China, resolveu o guarda.” (p. 30)
3. Nós, Aqui por Entre o Fumo – casa onde não há pão todos ralham e dão-se vivas à imaginação.
4. Dinossauro Excelentíssimo – sátira que retrata a vida de Salazar. Ver mais aqui.
5. Celeste e Làlinha: por cima de toda a folha – Muito bom. Avó, mãe e neta regressam das colónias, retornados dizia-se na altura. A vida fica ainda mais difícil, porque a miúda adora uma boneca negra.
6. Carta a Garcia – Três soldados a caminho da prisão acompanhados pela respectiva escolta. A viagem de comboio.
7. Amanhã, Se Deus Quiser – Conflitos familiares.
8. Os Caminheiros – Excelente. Um cego e o seu acompanhante. Um cego vende-se?
9. Dom Quixote, as Velhas Viúvas e a Rapariga dos Fósforos – Muito bom. Um conto forte até às vísceras.
10. Uma Simples Flor nos Teus Cabelos Claros – Um casal na cama. Ele lê, ela tenta adormecer. A leitura dentro do texto.
11. Ritual dos Pequenos Vampiros – Crónica de uma violação anunciada.
12. Estrada 43 – O conto que eu gostaria de ter escrito. Um grupo de trabalhadores a alcatroar uma estrada alentejana num dia de “calores danados”.
13. Week-end – O encontro num quarto de hotel barato.
14. A Semente Cresce Oculta – Prestes a dar à luz e o raio do homem não aparece. Terá sido levado pela PIDE?
15. A República dos Corvos – As tascas de Lisboa, o corvo Vicente (símbolo da cidade), as suas ruas e gentes.
16. Ascensão e Queda dos Porcos-Voadores – Um juiz aposentado a passar uma temporada nas termas vê porcos-voadores ao final do dia e tenta convencer um cirurgião desta sua estranha visão, mais a menina que adora o seu brinquedo, o burro Pintinhas.
17. As Baratas – Conto que lembra Kafka. O engenheiro judeu Kapa fugido da guerra vai trabalhar para uma mina e fica obcecado por baratas.
18. Lulu – Muito bom. Os homens na guerra e as mulheres sozinhas em casa acompanhadas pelos respectivos cães. Um final digamos… bem, a ler.
19. Os Passos Perdidos – informe sobre um congresso – Um burocrata informa os seus superiores sobre um congresso de cegos (e seus respectivos cães-guia). O registo é lavrado numa escrita rigorosamente burocrata.
20. O Pássaro das Vozes – Um dos meus contos preferidos e que merecia um final mais surpreendente. Um dia o contabilista da fábrica de gás chega a casa com um pássaro na mão. Que animal é esse? Um azougueiro, um pássaro africano também conhecido por grou coroado, grulhador ou espantaleão. E que grande vida teve esse pássaro que merece sem contada.
https://novaziodaonda.wordpress.com/2016/02/10/20-contos-de-jose-cardoso-pires/
Com três badaladas, uma bandeirola tombou no poste da estação, ao pé da alavanca das agulhas, e depois só ficou a voz de um homem gordo na carruagem da cauda:
“De então para cá já gastei para cima de seis contos. Seis contos só em papelada, é preciso que se note. E agora as viagens? E agora o doutor? E gratificações? E pedidos?” O revisor fez que sim com a cabeça, porque seis contos é obra, e acrescentou:
“O cabo vai cheio de medo.”
O homem gordo continuou a contar as suas queixas. Mas nesse próprio instante a carruagem estremeceu e o barulho das molas rangendo não deixou perceber a horrível moléstia dos suínos que, segundo ele, alastrava por Campo Maior, nem a pendência que travara com o cunhado no tribunal da comarca.
O comboio arrancou. Logo a seguir começaram a desfilar pelas janelas o relógio, o chefe da estação, o vulto de um velhote sacudindo uma lanterna, as sentinas HOMENS, SENHORAS, e, pronto, a luz recortou-se nas vidraças, correu por terrenos baldios.
“Vai assim, o cabo.” O revisor fez um gesto com os dedos a explicar a que ponto o outro ia encolhido. «Assim», disse ele. “A esta hora nem um feijão lhe cabe no rabo.”»
“Jogos de Azar”
DEZEMBRO 16, 2013
«Uma frigideira com iscas a rufar em lume brando; lá no alto, o esguicho áspero dum bico de acetilene.
Com três badaladas, uma bandeirola tombou no poste da estação, ao pé da alavanca das agulhas, e depois só ficou a voz de um homem gordo na carruagem da cauda:
“De então para cá já gastei para cima de seis contos. Seis contos só em papelada, é preciso que se note. E agora as viagens? E agora o doutor? E gratificações? E pedidos?” O revisor fez que sim com a cabeça, porque seis contos é obra, e acrescentou:
“O cabo vai cheio de medo.”
O homem gordo continuou a contar as suas queixas. Mas nesse próprio instante a carruagem estremeceu e o barulho das molas rangendo não deixou perceber a horrível moléstia dos suínos que, segundo ele, alastrava por Campo Maior, nem a pendência que travara com o cunhado no tribunal da comarca.
O comboio arrancou. Logo a seguir começaram a desfilar pelas janelas o relógio, o chefe da estação, o vulto de um velhote sacudindo uma lanterna, as sentinas HOMENS, SENHORAS, e, pronto, a luz recortou-se nas vidraças, correu por terrenos baldios.
“Vai assim, o cabo.” O revisor fez um gesto com os dedos a explicar a que ponto o outro ia encolhido. «Assim», disse ele. “A esta hora nem um feijão lhe cabe no rabo.”»
Jogos de Azar, José Cardoso Pires (Ed. Dom Quixote)
https://novaziodaonda.wordpress.com/2013/12/16/jogos-de-azar/
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