26/02/2016 por Carla Romualdo
Malchik (“Menino”, em russo) tem uma estátua na estação de metro de Mendeleyevskaya, em Moscovo. Era ali que vivia e foi ali que morreu, assassinado. Era um cão rafeiro, de pêlo negro, e viveu na rua até procurar refúgio na estação. Tornou-se conhecido dos utilizadores do metro por guardar a estação do ataque de outros cães e afugentar os bêbedos que provocavam desacatos. Quem passava por ali todos os dias deu-lhe um nome, fazia-lhe festas, levava-lhe comida.
Estima-se que vivam nas ruas de Moscovo cerca de 35 mil cães. Destes, cerca de 500 vivem nas estações de metro, um número impressionante se tivermos em conta que a cidade conta com um total de 200 estações. E entre estes, um número reduzido, aí uns 20, usa o metro para deslocar-se na cidade, um feito notável e que tem chamado a atenção dos estudiosos do comportamento animal. Imaginem um cão capaz de usar escadas rolantes, de escolher a linha de metro e a estação em que deve sair. Que não se assusta com o ruído da locomotiva, com a hostilidade do ambiente, que, seja pelo cheiro ou porque reconhece o nome da estação quando pronunciada pelo aviso sonoro, ou ambos, consegue orientar-se no labirinto subterrâneo.
Malchik não era um desses bichos que viajam, mantinha-se na estação, era fiel à sua casa. Até ao dia em que Yulia Romanova chegou à estação com o seu Staffordshire Bull Terrier, cujo nome a pequena História não registou. Há relatos contraditórios sobre o que terá acontecido: uma testemunha disse que Yulia incentivou o seu cão a ir morder Malchik, que dormia. Outra garantiu que foi Malchik que ladrou ao outro cão e à sua dona, embora todos concordem que não os atacou. Yulia tirou da mala uma faca de cozinha e espetou-a seis vezes em Malchik. Este acabou por morrer ali mesmo, no meio da estação, depois de minutos de agonia.
O assassinato de Malchik indignou muitos cidadãos. Yulia foi detida, descobriu-se entretanto que tinha um historial de maus-tratos a animais, e perturbações psiquiátricas que a levariam a ser submetida a tratamento. Um grupo de artistas, apoiados por cidadãos anónimos, ergueu uma estátua a Malchik, projecto que demoraria anos a concretizar-se. Malchik morreu em 2001 e foi preciso esperar até 2007 para que a sua estátua fosse colocada na estação de Mendeleyevskaya. Que, em seis anos, a memória de um cão vadio não tenha sido esquecida diz bastante sobre a popularidade do bicho e o choque que a sua morte provocou. E sobre a familiaridade dos moscovitas com os guardiães das suas estações.
Conta-se que os cães que viajam no metro evitam as carruagens apinhadas e preferem as do fundo, habitualmente menos frequentadas. Procuram a companhia dos humanos e resguardam-se dela, como é de esperar dos bichos que conhecem o melhor e o pior desses humanos. Esses vinte cães que atravessam a cidade talvez o façam apenas para procurar comida ou também por diversão e vontade de ver o desconhecido. Exploram o que a cidade tem para oferecer-lhes, o que os humanos construíram, e sobrevivem num mundo que não foi feito para eles, mas que os tolera. Mas quando a vida na cidade se endurece, são eles que guardam as estações, são eles que acompanham e defendem os humanos que dormem nas ruas, são eles que retomam o lugar que nunca perderam por inteiro, o de companheiros e defensores de seres humanos solitários e amedrontados.
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