terça-feira, 31 de maio de 2016

Cecília Meireles - Rimance

* Cecília Meireles


Onde é que dói na minha vida, 
para que eu me sinta tão mal? 
quem foi que me deixou ferida 
de ferimento tão mortal? 

Eu parei diante da paisagem: 
e levava uma flor na mão. 
Eu parei diante da paisagem 
procurando um nome de imagem 
para dar à minha canção. 

Nunca existiu sonho tão puro 
como o da minha timidez. 
Nunca existiu sonho tão puro, 
nem também destino tão duro 
como o que para mim se fez. 

Estou caída num vale aberto, 
entre serras que não têm fim. 
Estou caída num vale aberto: 
nunca ninguém passará perto, 
nem terá notícias de mim. 

Eu sinto que não tarda a morte, 
e só há por mim esta flor; 
eu sinto que não tarda a morte 
e não sei como é que suporte 
tanta solidão sem pavor. 

E sofro mais ouvindo um rio 
que ao longe canta pelo chão, 
que deve ser límpido e frio, 
mas sem dó nem recordação, 
como a voz cujo murmúrio 
morrerá com o meu coração... 

Cecília Meireles, in 'Viagem' 

http://www.citador.pt/poemas/rimance-cecilia-meireles

Raduan Nassar é o vencedor do Prêmio Camões



30 de maio de 2016 - 18h18 

Raduan Nassar é o vencedor do Prêmio Camões


 

O Prêmio Camões 2016 foi, nesta segunda-feira (30),  atribuído por unanimidade ao escritor Raduan Nassar, de 80 anos, o 12.º brasileiro a receber aquele que é considerado o mais importante prêmio literário destinado a autores de língua portuguesa. O júri sublinhou "a extraordinária qualidade da sua linguagem" e a "força poética da sua prosa".

"Através da ficção, o autor revela, no universo da sua obra, a complexidade das relações humanas em planos dificilmente acessíveis a outros modos do discurso", diz a justificação do júri, acrescentando que "muitas vezes essa revelação é agreste e incômoda, e não é raro que aborde temas considerados tabu". O júri realça ainda "o uso rigoroso de uma linguagem cuja plasticidade se imprime em diferentes registos discursivos verificáveis numa obra que privilegia a densidade acima da extensão".

Com apenas três livros publicados – os romances Lavoura Arcaica (1975) e Um Copo de Cólera (1978) e o livro de contos Menina a Caminho (1994) –, a exiguidade da obra não impede que Raduan Nassar seja há muito considerado pela crítica um dos grandes nomes da literatura brasileira, ao nível de um Guimarães Rosa ou de uma Clarice Lispector.

Se a singularidade de Nassar lhe garantiu desde cedo um círculo de admiradores fiéis, e se os seus romances alcançaram algum sucesso internacional já na primeira metade dos anos 80, quando foram traduzidos para francês e inglês, a popularidade da sua obra aumentou significativamente com a adaptação cinematográfica de Um Copo de Cólera, em 1999, numa realização de Aluizio Abranches, e de Lavoura Arcaica, em 2001, num filme de Luiz Fernando Carvalho.

Já este ano, Raduar Nassar foi um dos 13 escritores escolhidos para a longlist do MAN Booker International Prize, com a tradução inglesa de Um Copo de Cólera, mas não chegou à lista de seis finalistas, que incluiu o angolano José Eduardo Agualusa.

Em Portugal, Raduan Nassar só começou a ser publicado em 1998, quando Um Copo de Cólera saiu na Relógio D'Água, que logo no ano seguinte editou também Lavoura Arcaica. No ano 2000, a Cotovia publicou Menina a Caminho e outros Contos.

Mas se a sua obra só chegou no final dos anos 90, o escritor visitou Portugal pouco após o 25 de Abril. Almeida Faria contou a história em 2014, na Festa Literária Internacional de Paraty. Corria o conturbado ano de 1975, quando o romancista português ouviu tocar a campainha da sua casa de Lisboa. À porta estava um jovem casal desconhecido. Perguntaram se podiam entrar e ele apresentou-se como escritor brasileiro. Trazia na mão um livro, Lavoura Arcaica, e disse ao escritor português: “Este meu livro saiu agora no Brasil, e como eu acho que ele deve muito ao seu livro A Paixão, eu quis vir oferecer-lhe o livro pessoalmente”. Faria e Nassar tornaram-se amigos desde então.

Dimensão política

Nassar é conhecido pela extrema raridade das suas aparições públicas, o que veio conferir um peso particular à sua presença, junto de Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto, em Brasília, a 31 de março, no âmbito de um Encontro com Artistas e Intelectuais em Defesa da Democracia. "Os que tentam promover a saída de Dilma arrogam-se hoje, sem pudor, como detentores da ética mas serão execrados amanhã", afirmou então o escritor, citado pela Folha de S. Paulo. Embora o reconhecimento da qualidade do autor seja francamente consensual, esta sua recente intervenção vem também dar à sua escolha para o prêmio Camões deste ano uma inevitável dimensão política.

Com um valor pecuniário de cem mil euros, o prêmio foi anunciado ao fim da tarde no Hotel Tivoli pelo secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, após a reunião do júri, que este ano incluiu a professora e ensaísta Paula Morão e o poeta e colunista Pedro Mexia, os professores universitários, críticos e escritores brasileiros Flora Süssekind e Sérgio Alcides do Amaral, e ainda o autor moçambicano Lourenço do Rosário, reitor da Universidade Politécnica de Maputo, e a ensaísta são-tomense Inocência Mata, atualmente radicada em Macau.

Instituído em 1988 pelos governos de Portugal e do Brasil, o prêmio Camões é atribuído a “um autor de língua portuguesa que tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural da língua comum”, diz o respectivo protocolo, na sua versão revista de 1999. O acordo obriga a que o prêmio seja alternadamente atribuído em território português e brasileiro, e a sua história sugere que tem também prevalecido a intenção de equilibrar o número de vencedores portugueses e brasileiros, bem como a preocupação de fazer representar as várias literaturas africanas. 


 Fonte: Público

http://www.vermelho.org.br/noticia/281604-1

Fotos em
http://www.gazetadebeirute.com/2013/07/raduan-nassar.html

domingo, 29 de maio de 2016

Vampiro: a matar desde os anos 50

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A mítica Coleção Vampiro regressa às livrarias com títulos de Ellery Queen e Van Dine. Com capas revivalistas que piscam o olho às antigas, há ligeiras mudanças mas o espírito é o mesmo.
É uma das mais icónicas coleções de livros portuguesas. Com cerca de 700 títulos, é rara a família que não tem pelo menos um exemplar da Vampiro, a coleção de livros policiais clássicos, de bolso, lançada pela Livros do Brasil nos anos 50. Agora, tantos anos depois, a mítica coleção volta às livrarias, editada pela mesma Livros do Brasil, comprada no ano passado pela Porto Editora. Os Crimes do Bispo, de S. S. Van Dine (n.º 1) e Vivenda Calamidade, de Ellery Queen (n.º 2) são os primeiros títulos lançados e chegam esta quinta-feira, 26, às livrarias.
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Os primeiros números da nova coleção
Em Os Crimes do Bispo um homem aparece assassinado com uma flecha espetada no peito. É apenas o primeiro de muitos corpos que vão surgir, vítimas de um assassino cruel, que vai enviando cartas aos jornais à medida que mata, sempre assinadas ‘O Bispo’. Em Vivenda Calamidade, Ellery Queen decide deixar Nova Iorque e refugiar-se na pacata Wrightsville para escrever o seu próximo romance, instalando-se num anexo da mansão da poderosa família Wright. Mas as mortes sucedem-se e um cocktail de passagem de ano pode, afinal, ser a arma do crime.

A história

“A Coleção Vampiro começou a ser publicada nos anos 50 epublicou mais de 700 títulos durante a sua vida. Foi, como agora se diz, uma coleção icónica. Um sucesso enorme. As pessoas colecionavam os livros, compravam quase todos os que saíam. De certa maneira, revelou aos leitores portugueses os grandes nomes do policial clássico” lembra Manuel Alberto Valente, o atual editor da coleção. “Dessa época não se guardam números e nós não temos os arquivos da Livros do Brasil mas a informação que tenho é que a coleção vendia muitíssimo e era reeditada frequentemente”. Agatha Christie, Raymond Chandler, Rex Stout, George Simenon e Ellery Queen são apenas alguns dos autores que a Vampiro levou às casas dos leitores portugueses, com títulos como Os Crimes do ABC (Agatha Christie), O Longo Adeus (Raymond Chandler) e Maigret e o Corpo Sem Cabeça(George Simenon), protagonizados por personagens como Maigret, Hercule Poirot, Miss Marple e Nero Wolfe.
“Foi uma coleção que, para uma certa geração, ajudou a criar hábitos de leitura”, diz Manuel Alberto Valente, lembrando como, ele próprio, se tornou leitor na adolescência graças à Vampiro.
Um tio meu tinha os livros todos. Quando eu ia a casa dele trazia sempre meia dúzia de títulos que devorava. E depois entregava aqueles e trazia outros. Acho que me fiz leitor assim, através da leitura dos livros da Vampiro. E sei que isso aconteceu com muita gente. Era um literatura popular de qualidade. Criava leitores”, conta o editor.
Hoje, tantos anos depois, Manuel Alberto Valente diz esperar que esse fenómeno se volte a repetir. “Os hábitos de leitura estão a diminuir de um modo assustador. Uma literatura popular, no bom sentido da palavra, como é o policial clássico, pode incentivar a que jovens, e menos jovens, leiam. Enquanto o chamado thriller moderno tem um peso psicológico e social muito acentuado, no policial clássico há um crime e a dedução que leva à sua resolução, a ir ao encontro do culpado. É o modelo da Agatha Christie, uma das autoras mais lidas do mundo inteiro. É um tipo de livro que, tendo qualidade, pode ajudar a levar muitas pessoas a ler. E a ler com alguma regularidade”.
Lá diz o adágio que em equipa que ganha não se mexe e, por isso, a editora vai reproduzir o que foi feito há tantos anos: sairá um livro por mês, numerado, num formato de bolso e com preço acessível (7,70 euros). E o design das capas, assinado por Luís Alegre vai, diz Manuel Alberto Valente, piscar o olho ao das inesquecíveis capas antigas, num revivalismo que hoje está tão em voga.

As novidades

O que, claro, não invalida que existam algumas mudanças. Por um lado, haverá novos títulos e novos autores a integrar a coleção, muitos deles mais modernos – embora não contemporâneos. Por outro lado, alguns livros não serão publicados, até porque há autores, como Agatha Christie e George Simenon que estão agora sob a alçada de outras editoras. Para as obras que se mantêm, aproveitam-se as traduções já feitas mas, garante o editor, serão revistas de forma profunda e cuidada, até porque, há 50 anos, se faziam traduções livres, quase adaptações sendo até comum retirar excertos dos livros com menos ação e considerados chatos, com o objetivo de tornar os livros mais curtos e, acreditava-se, mais acessíveis. “Estamos a ter o cuidado de controlar rigorosamente a fidelidade ao texto original”.
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As capas dos mesmos livros das nas edições originais
E porquê começar com as obras de Ellery Queen e Van Dine? “São dois casos exemplares da ficção policial clássica e dois autores que foram sempre extremamente populares. Vamos, de certa maneira, ao encontro do eco que as pessoas têm”, explica Manuel Alberto Valente. Nos próximos meses, a juntarem-se aos títulos agra editados, serão publicados livros de Rex Stout, Dashiell Hammett e Raymond Chandler. Por enquanto sempre na edição de bolso, sem recuperar a Vampiro Gigante, hipótese que Valente diz nem estar a considerar.
A dimensão pequena dos livros que há 50 anos contribuiu para o sucesso da coleção, permitindo preços mais baixos, pode agora, porém, fazer com que a coleção não vingue. É que, em Portugal, os livros de bolso não são exatamente campeões de vendas. Manuel Alberto Valente sabe que isso pode ser um problema mas considera que se os livros de bolso não vendem não é tanto por os leitores preferirem edições mais robustas mas por os livreiros não lhes darem visibilidade suficiente por terem menor margem na receita. “Isso preocupa-me um bocado, não escondo. A minha esperança é que o êxito da coleção possa levar a que os livros ganhem visibilidade”. Para o garantir a editora vai fazer uma forte campanha de marketing, que incluirá, até, anúncios em televisão – uma raridade no mercado editorial. De resto, tem tudo para correr bem. Até porque, diz o editor, esta é uma tendência internacional.
Curiosamente, neste momento, em vários países da Europa, há vários projetos semelhantes, que estão ou vão acontecer, de relançamento de coleções deste género, com capas revivalistas. É uma onda que está a passar por toda a parte”
http://observador.pt/2016/05/25/vampiro-a-matar-desde-os-anos-50/

terça-feira, 24 de maio de 2016

Porto Sentido ( um post para perder alguns amigos)

terça-feira, 24 de maio de 2016


Ontem, à hora do almoço, fui confrontado por pessoa amiga com o post que escrevi sobre o livro de Henrique Raposo, "Alentejo Prometido".

Quem me acompanhava na amesendagem  interpelou-me directamente:

- Se alguém  nascido tripeiro escrevesse um livro sobre o teu tão amado Porto, denegrindo a cidade, reagirias com a mesma fleuma?

A resposta saiu-me espontânea, rápida e sem rodeios:

Sem dúvida que sim. Depois de ler o livro e antes de escrever o post, coloquei-me nessa posição e não demorei muito tempo até encontrar a resposta. Se escrevesse um dia um livro sobre a minha infância e juventude no Porto, não seria meigo. 

A minha rejeição à cidade começou aos 12 ou 13 anos. Foi com essa idade que percebi que me tinha de pirar de lá. Apesar dos amigos, da vida feliz que aparentemente levava, sentia-me amarrado a um colete de forças. Sem espaço para respirar e poder ganhar asas para voar.

 Escolhi Direito para vir para Lisboa, porque detestava a claustrofobia do Porto, mais parecido com um bairro grande onde todos se conheciam e intrometiam na vida uns dos outros. Sempre adorei a história e a arquitectura do Porto mas, socialmente, o Porto era uma cidade detestável. Não suportava o bairrismo , a auto contemplação e aquela imagem superlativa que as pessoas   projectavam de si próprias para o exterior, que tresandava a provincianismo- versão pobre de bairrismo bacoco. Como se para além das fronteiras do Porto não existisse vida, ou a cidade fosse o centro de um mundinho onde as pessoas se sentiam estrelas bizarras de uma companhia provinciana. 

 Tive momentos muito felizes na cidade, sem dúvida, mas quando vim para Lisboa suspirei de alívio- apesar das saudades dos amigos.Foi como se me libertasse de um colete de forças e sentisse finalmente a vida a oferecer-se, desnuda, à minha frente. Sabia que Lisboa seria apenas uma etapa. O meu objectivo era saltar além fronteiras e correr mundo como, felizmente, veio a acontecer.

Não é certamente por acaso que hoje em dia os meus melhores amigos do Porto sejam os que tal como eu saíram de lá para estudar, ou logo que terminaram os estudos. Rumaram aos Estados Unidos ou à Europa e só regressaram décadas depois. Alguns estiveram em Macau numa terceira ou quarta experiência além fronteiras.  Como eu.

Alguns reencontraram-se com o Porto depois de uma passagem prolongada por Macau. Foi esse também o meu caso. Apaixonei-me pelo Porto aos 50 anos, mas não pelo Porto que conheci na adolescência. Esse está bem morto e enterrado e se por vezes o recordo neste Rochedo, é para lembrar as reminiscências de coisas boas.

A cidade hoje está muito mudada.Para melhor, obviamente. Cosmopolita, aberta, moderna e descomplexada (apesar de alguns resquícios de bairrismo que se reflectem em notas picarescas). Isso não impediria, obviamente, que escrevesse o que pensava ( e penso) do Porto dos anos 50/60/70. Tal como as pessoas, as cidades também mudam com a idade. Umas pioram, outras tornam-se melhores. Rejeitar isso é iludirmo-nos, ou mesmo mentir. Estás satisfeita com a resposta?

- Estou, mas creio que se escrevesses um post no teu Rochedo ou no FB a relatar esta conversa, ias arranjar alguns inimigos...

- Talvez tenhas razão, mas prefiro ter inimigos a falsos amigos. 

A frontalidade é uma característica que eu aprecio muito nos tripeiros genuínos.

Fernando Correia Pina - SALDO NEGATIVO

* Fernando Correia Pina

Dói muito mais arrancar um cabelo de um europeu
que amputar uma perna, a frio, de um africano.
Passa mais fome um francês com três refeições por dia
que um sudanês com um rato por semana.
É muito mais doente um alemão com gripe
que um indiano com lepra.
Sofre muito mais uma americana com caspa
que uma iraquiana sem leite para os filhos.
É mais perverso cancelar o cartão de crédito de um belga
que roubar o pão da boca de um tailandês.
É muito mais grave jogar um papel ao chão na Suíça
que queimar uma floresta inteira no Brasil.
É muito mais intolerável o xador de uma muçulmana
que o drama de mil desempregados em Espanha.
É mais obscena a falta de papel higiênico num lar sueco
que a de água potável em dez aldeias do Sudão.
É mais inconcebível a escassez de gasolina na Holanda
que a de insulina nas Honduras.
É mais revoltante um português sem celular
que um moçambicano sem livros para estudar.
É mais triste uma laranjeira seca num kibutz hebreu
que a demolição de um lar na Palestina.
Traumatiza mais a falta de uma Barbie de uma menina inglesa
que a visão do assassínio dos pais de um menino ugandês
e isto não são versos; isto são débitos
numa conta sem provisão do Ocidente.

FERNANDO CORREIA PINA


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Fernando Pessoa - NEVOEIRO

* Fernando Pessoa

NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo - fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer,
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!



in Mensagem

sábado, 21 de maio de 2016

Falcão Negro




Falcão Negro
Data: 2 agosto, 2013
Editora: Abril – Minissérie em três edições
Autor: Howard Chaykin (roteiro, arte e cores) – Originalmente em Blackhawk # 1 a # 3.
Preço: de NCz$ 10,00 a NCz$ 20,00 por edição (preço da época)
Número de páginas: 48 (por edição)
Data de lançamento: Setembro a novembro de 1989
Sinopse
Uma lenda dos ares, um homem misterioso, um herói mundial. Não são poucos os adjetivos a serem usados para se definir o Falcão Negro.
Líder de um grupo de ases da aviação, ele é querido por todo o planeta, principalmente pelos americanos, graças à luta que trava contra os nazistas, no auge da Segunda Guerra Mundial. Toda sua fama, porém, sofre um duro revés quando se vê acusado pelo senado dos Estados Unidos de atuar como espião para o regime comunista da União Soviética.
Com isso, algumas perguntas ecoam: quem pretende ver a ruína do Falcão Negro? Quais os perigos reservados para o mundo sem um de seus maiores símbolos?
Positivo/Negativo
Falcão Negro é um personagem bem antigo: surgiu em 1941, criado por Chuck Cuidera, Bob Powell e Will Eisner, como parte de uma antologia de histórias de guerra publicada pela Quality Comics, aMilitary Comics.
Conhecido apenas por seu apelido, ele liderava um grupo de ases da aviação, os Falcões Negros, contra as mazelas perpetradas pelo nazismo. Claro, a ideia era capitalizar em cima da Segunda Guerra Mundial, que transcorria basicamente na Europa – os Estados Unidos só entrariam no conflito no fim daquele ano.
Mais de quatro décadas depois, em 1988, Howard Chaykin remodelou e atualizou o personagem em uma minissérie de três partes lançada pela DC Comics, detentora dos direitos da revista após a falência da Quality.
No entanto, em vez de apenas homenagear o Falcão Negro e sua importância histórica, fazendo uma simples trama baseada na dicotomia clássica da Segunda Guerra – aliados contra nazistas –, o artista reescreve a história do período ao criar um invejável conto de mistério envolvendo agentes secretos.
Na visão de Chaykin, a tensão entre Estados Unidos e União Soviética, que mergulharia o mundo em um estado paranoico por décadas a fio (a Guerra Fria), já existia antes mesmo do término do maior conflito do Século 20.
Isso transforma sua abordagem do clássico personagem em uma versão em quadrinhos dos romances de John le Carré e Graham Greene, mestres da literatura de espionagem, ao abordar conspirações políticas, sexo e assassinatos.
O roteiro de Falcão Negro não é simples de ser acompanhado – em grande parte, graças aos diálogos secos, que muitas vezes fazem alusão a ações e personagens ainda não mostrados ou citados vagamente. O leitor, com isso, torna-se elemento ativo na construção do enredo, tendo que ligar nomes e citações para saber quem é quem, quem é aliado de quem e, principalmente, quem trai quem.

E, embora séria, a trama se dá ao luxo de conter momentos cômicos, graças ao carisma do protagonista e de seus coadjuvantes. Falcão Negro se parece muito com os papéis representados por Cary Grant nos longas de Alfred Hitchcock, em especial Intriga internacional. Ele é um homem inteligente, no meio de uma situação incontrolável e perigosa, mas que não perde o charme ou o bom humor.
É verdade que Chaykin não faz um grande trabalho, seja como roteirista ou desenhista, há um bom tempo. No entanto, durante os anos 1980, em seu auge criativo, foi mestre da narrativa. Poucos constroem uma diagramação tão ágil quanto a sua, seja pelas sequências com quadros pequenos para transmitir uma ação intensa e rápida, ou quando termina uma cena com um gesto de personagem, diálogo ou onomatopeia que faz referência ao início da cena seguinte – expediente bastante usado também por Alan Moore em seus roteiros.
Por falar em onomatopeias, elas são essenciais em Falcão Negro. Presentes praticamente em todas as páginas – em fartas quantidades e, muitas vezes, indicando sons oriundos de fora de quadro –, elas narram a inquietação de um mundo em combustão.
Seu uso, inclusive, ajuda a ditar o ritmo da trama. O melhor exemplo se encontra no capítulo final, quando um avião voa na direção de Nova York, carregando uma terrível ameaça. Enquanto o restante da história se desenvolve, são inseridos quadros minúsculos mostrando a aeronave e a indicação visual do barulho do motor, por páginas e páginas a fio. O recurso aumenta exponencialmente a tensão, já que o leitor, ao contrário da maior parte dos personagens, é a todo momento alertado do perigo iminente.
O resultado final de Falcão Negro é mais do que satisfatório. Uma pequena obra-prima dos quadrinhos, embora quase desconhecida, que ganhou edição nacional pela Abril no fim de 1989.
Aliás, o trabalho da editora durante esse período deve ser louvado, já que ela trouxe para cá várias séries e especiais renomados, alguns jamais relançados, no formato original e muitas vezes com um atraso mínimo em relação à publicação original. Os três números da minissérie possuem capas originais e pequenos textos introdutórios.


http://www.universohq.com/reviews/falcao-negro/

José Saramago - Camões" e a "Fala do velho do Restelo ao astronauta"

* José Saramago  


"Viagem à Lua" de Friedrich Wilhelm Murnau 


Fala do velho do Restelo ao astronauta




Aqui, na Terra, a fome continua, 
A miséria, o luto, e outra vez a fome. 

Acendemos cigarros em fogos de napalme 
E dizemos amor sem saber o que seja. 
Mas fizemos de ti a prova da riqueza, 
E também da pobreza, e da fome outra vez. 
E pusemos em ti sei lá bem que desejo 
De mais alto que nós, e melhor e mais puro. 

No jornal, de olhos tensos, soletramos 
As vertigens do espaço e maravilhas: 
Oceanos salgados que circundam 
Ilhas mortas de sede, onde não chove. 

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa 
Onde come, brincando, só a fome, 
Só a fome, astronauta, só a fome, 
E são brinquedos as bombas de napalme. 


(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)


http://www.jornaldepoesia.jor.br/1saramago.html#fala



Poema para Luís de Camões 


Meu amigo, meu espanto, meu convívio, 
Quem pudera dizer-te estas grandezas, 
Que eu não falo do mar, e o céu é nada 
Se nos olhos me cabe. 
A terra basta onde o caminho pára, 
Na figura do corpo está a escala do mundo. 
Olho cansado as mãos, o meu trabalho, 
E sei, se tanto um homem sabe, 
As veredas mais fundas da palavra 
E do espaço maior que, por trás dela, 
São as terras da alma. 
E também sei da luz e da memória, 
Das correntes do sangue o desafio 
Por cima da fronteira e da diferença. 
E a ardência das pedras, a dura combustão 
Dos corpos percutidos como sílex, 
E as grutas do pavor, onde as sombras 
De peixes irreais entram as portas 
Da última razão, que se esconde 
Sob a névoa confusa do discurso. 
E depois o silêncio, e a gravidade 
Das estátuas jazentes, repousando, 
Não mortas, não geladas, devolvidas 
À vida inesperada, descoberta, 
E depois, verticais, as labaredas 
Ateadas nas frontes como espadas, 
E os corpos levantados, as mãos presas, 
E o instante dos olhos que se fundem 
Na lágrima comum. Assim o caos 
Devagar se ordenou entre as estrelas. 

Eram estas as grandezas que dizia 
Ou diria o meu espanto, se dizê-las 
Já não fosse este canto. 


(in PROVAVELMENTE ALEGRIA, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1985, 3ª Edição)

http://www.jornaldepoesia.jor.br/1saramago1.html#camoes

Luís de Camões - Fala do velho do Restelo

* Luís de Camões



                     94
"Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
                     95
- "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
                      96
- "Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!
                       97
- "A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?

Os Lusíadas, Canto IV, 94-97
https://pt.wikipedia.org/wiki/Velho_do_Restelo