* Sílvia Mendonça
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Assim como algumas canções e bebidas, passei a evitar alguns tipos de pessoas quando percebi certas provocações e desinteresse. Hoje, vivo à margem, observadora de uma janela virtual, como uma "sujeita" qualquer dissidente do seio seguro. Me especializei na arte de estancar sensações, liberar emoções - e vigiar lembranças presas em velhos armários.
Vivo com o alerta automático de quem não paga mais para ver uma amizade ou romance até o fim. Não mais, vale ressaltar. Tantos amigos e amores - não necessariamente nesta ordem - cruzaram meu caminho. Alguns, partiram no primeiro trem, sem sequer se despedir. Outros, me feriram, até sangrar - sangue que não se estanca em cicatrizes. Não tão rápido!
Às vezes o amor funciona como uma bússola com defeito – não adianta tentar achar o norte. Por que ele/ela vai fugir pelo caminho que inventar quando não houver mais ímã e atração. E esse rompimento acontece o tempo todo, nas aparências das melhores fotografias e no brilho das alianças mais bem polidas.
Um belo dia, depois de um abandono por desengano, lá estava eu, esmurrando as paredes, os parafusos soltos da cabeça, o cabelo grudado no canto da boca. Nervosa, engasgando de raiva no próprio soluço. A passagem marcada para Buenos Aires, vários pedidos de desculpas presos embaixo da língua. Da minha, como se fosse eu a culpada.
Fiquei sentada no sofá da sala do apartamento, quieta, envolta em inércia, não sei por quanto tempo, olhando as luzes intermitentes, como se ali fosse o verdadeiro olho do furacão. E era. Pois, não aguentava mais silêncios brincalhões "gritando" sem nada acontecer ao redor. Esperei aquela sensação arrastada de velório impertinente passar. Fixa, feito um vegetal que não sente, come ou dorme.
E até hoje espero - de olho no calendário e nas mensagens "reveladoras" do biscoitos da sorte.
[20 de março de 1995]
[Reeditado]
[Foto: Hanna Brescia in Pictures]
19 de janeiro de 2014
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