* Carmo Afonso
Ventura, Moedas e Montenegro estão do mesmo lado e com um discurso alinhado. A xenofobia e as razões do mercado levam, afinal, às mesmas conclusões.
10 de Fevereiro de 2023Sobre
imigração, André Ventura tem afirmado que temos de pensar qual queremos para
Portugal e que, se mais ninguém tem coragem de o dizer, há o Chega para o
fazer.
E disso já sabíamos. O Chega, com
a adversativa do reconhecimento da necessidade de imigrantes, tem vindo a
defender um discurso fortemente restritivo à entrada destes, para usar uma
caracterização eufemística. Na verdade, o partido propaga uma mensagem anti-imigração
e fazendo soar os alarmes da relação demográfica entre nacionais e imigrantes.
Ainda em outubro do ano passado, e faltando à verdade como é costume, Ventura
dizia que Lisboa tinha 500 mil habitantes, dos quais quase 300 mil eram
imigrantes. Foi desmentido: os quase 300 mil estrangeiros vivem na Área
Metropolitana de Lisboa, onde residem quase três milhões de pessoas. Nada de
novo aqui.
As novidades chegaram esta semana
com as declarações de Carlos Moedas e de Luís Montenegro a
propósito do incêndio na Mouraria que vitimou dois migrantes e que pôs a nu
o problema da falta de condições de habitação destas comunidades. Viviam
naquele rés-do-chão 22 pessoas, numa situação absolutamente degradante. Todos
sabemos que não são exceção e que em várias partes do país, com destaque para
Lisboa e Odemira,
imigrantes vivem em condições que nos envergonham e que incomodam.
O que aconteceu aos sobreviventes
desalojados? Que medidas estão a ser tomadas para resolver o problema de
habitação destas pessoas e a forma como estão a ser exploradas a nível laboral
e nos preços que pagam por alojamentos indignos? Estas são preocupações
naturais de quem soube daquela notícia.
Mas pode não ser esse o foco das
preocupações de parte da classe política perante situações como a tragédia na
Mouraria. Podem zelar pelo bem-estar mínimo de pessoas economicamente muito
fragilizadas, que não dominam a língua portuguesa e que não têm qualquer rede
de apoio neste país. Mas podem optar por proteger os portugueses de terem de se
confrontar com a miséria criando medidas que restrinjam a entrada a imigrantes
ou estrangeiros prósperos.
Moedas e Montenegro não hesitaram.
Moedas declarou que não deveria
poder entrar em Portugal quem não tivesse previamente um contrato de trabalho,
ou seja, vamos lá restringir isto. Claro que, se forem ricos, já a conversa é
outra. Curiosamente, afirmou que esta questão não deve ser politizada. Se não
tratarmos como políticas as questões relacionadas com a imigração, passamos a
chamar a Carlos Moedas CEO de Lisboa em vez de presidente da câmara.
Montenegro foi ainda mais
explícito. Disse que o
Governo não deve meter a cabeça na areia e que deve encarar o problema, o
que costuma ser a introdução para “dizer umas verdades”. Não desiludiu. Afirmou
que temos de escolher quem é que queremos em Portugal para serem colaboradores
do nosso desenvolvimento. Ora, desgraçados de Odemira e da Mouraria devem dar
fracos colaboradores.
Várias questões aqui.
A primeira é o evidente uníssono
entre os três destacados líderes da direita. Ventura, Moedas e Montenegro estão
do mesmo lado e com um discurso alinhado. A xenofobia e as razões do mercado
levam, afinal, às mesmas conclusões. Há pessoas a viver miseravelmente em
Portugal. Pois a solução para isso é não deixarmos entrar mais miseráveis.
Por outro lado, depois de os
socialistas terem aniquilado a oposição dos sociais-democratas na medida em
que, a nível orçamental, têm vindo a seguir as políticas que estes
tradicionalmente defendem, temos os sociais-democratas a tentar idêntica
façanha com a agenda política da extrema-direita. E isto é notável.
Reparem que estamos a falar de um
tema no qual o partido racista e xenófobo tem especial “propriedade”. As
restrições à imigração são uma das mais importantes bandeiras do partido. Ao
aproximarem-se desta forma do discurso de Ventura e num momento de luto pela
morte de dois imigrantes, Moedas e Montenegro estão a marcar posição num
território que estava reservado exclusivamente ao ideário do Chega.
Ventura afirmou na Assembleia da
República que o Chega é o único partido com coragem para defender que devemos
escolher os imigrantes que podem entrar em Portugal.
Não, André Ventura. Os dirigentes
do PSD também estão cheios dessa coragem. A coragem para abrir as portas do
país a quem não precisa e a de as fechar aos outros, os que estão desesperados
por uma oportunidade, mesmo que seja um colchão imundo num rés-do-chão da
Mouraria ou num contentor em Odemira. Afinal, era fácil.
A autora é colunista do
PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico
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