quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Adriano Correia de Oliveira - Solidário sempre


* Óscar Lopes
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Adriano Correia de Oliveira nasce no Porto, em 1942.
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Os pais mudam-se para Avintes, para a Quinta das Porcas, na margem esquerda do Rio Douro, que será sempre para Adriano o centro do mundo de todos os lugares do mundo por onde andou.

Sempre que podia ia para a varanda da Quinta das Porcas ver o rio, nadar, remar pescar. Com ele os amigos, os muitos amigos de amizades que sabia construir como ninguém.
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Em Avintes, frequenta a escola primária e, com o liceu feito no Porto no inicio de cursar Direito em Coimbra, funda com outros jovens estudantes, a União Académica de Avintes que começou a ser muito conhecida pelas actividades culturais e desportivas.
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Adriano era muito activo na música. O conjunto musical da União Académica ensaiava na Quinta das Porcas. No desporto, era um excelente praticante de voleibol, mesmo falhando quase todos os treinos.
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Adriano, nunca deixou de tocar com esse grupo, mesmo quando já era nome conhecido na canção nacional que se estava a renovar.
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Em Coimbra, inicia os estudos universitários, inscreve-se na secção de voleibol da Académica e ocupa o lugar de primeiro tenor no Orfeão Académico de Coimbra. A sua voz impar distingue-se pelo timbre e pela clareza.
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À sua volta, Portugal está sob o peso da ditadura fascista, e a resistência democrática dá e sofre vários golpes. São as lutas estudantis contra o decreto-lei 40900, é o I Congresso Republicano, são as lutas camponesas e operárias.
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Adriano, sempre activo e solidário, opta pela via da resistência consequente. Em 1960 inscreve-se no Partido Comunista Português. Meses antes, uma dezena de presos políticos, entre os quais Álvaro Cunhal, evadira-se do Forte de Peniche.
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A sua intervenção cultural é cada vez mais activa. Faz teatro no CITAC, escreve para os Cadernos Culturais.
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Publica o primeiro disco com quatro fados de Coimbra.

Anos de brasa

1961/1962 são de anos de brasa. Há greves operárias e camponesas de norte a sul do país. O 1º de Maio de 62 é a maior comemoração de sempre, em Portugal, do Dia do Trabalhador. A União Indiana liberta e recupera Goa. Começa a Guerra Colonial. Há uma tentativa de assalto ao quartel de Beja. José Dias Coelho é assassinado pela Pide. Ocorre a espectacular fuga de Caxias.
Em Lisboa, na sequência da proibição, pelo governo fascista, da comemoração do Dia do Estudante, intensificam-se as lutas estudantis, dando inicio a uma prolongada greve que alastra às outras academias. Mais de 1500 estudantes são presos.
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Adriano, então a viver e a estudar em Lisboa, regressa a Coimbra e está presente em todas as lutas académicas. Não deixa de cantar, fazendo o canto participar na luta.
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Em 1963, Adriano está em Coimbra a viver na República Rás-te-Parta onde funcionará a sede da candidatura democrática às eleições da Associação Académica. Grava um disco emblemático: “Trova do Vento que Passa”, poema de Manuel Alegre e música de António Portugal.
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A Guerra Colonial alarga-se a outras colónias. Em 1964 Álvaro Cunhal escreve o Rumo à Vitória, que viria a ter uma importância determinante na intensificação da luta contra o fascismo e rumo ao 25 de Abril. O general Humberto Delgado é assassinado pela PIDE.
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Luandino Vieira, com o romance Luuanda, ganha o prémio da Sociedade Portuguesa de Autores que na sequência é assaltada e fechada pela Pide.
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Ainda não foi cantada em verso mas, para ele, Adriano, a canção já é uma arma.

Pela mão de Adriano

Entre 1966 e 1968, Adriano Correia de Oliveira volta para Lisboa. Casa, é incorporado na tropa, nasce uma filha, continua a cantar e a lutar politicamente num país sempre em sobressalto que subitamente, vê o ditador cair da cadeira e ficar inutilizado, sendo substituído por outro ditador que simula abrir uma janela enquanto verifica se as portas continuam todas trancadas.
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Adriano canta, solidário com todas as lutas dos estudantes e dos operários. Publica o disco Adriano Correia de Oliveira que é distinguido com o prémio Pozal Henriques, a maior distinção da música «ligeira» em Portugal.
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De 1969 a 1973 vivem-se anos históricos na canção de intervenção.
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São vários os discos então surgidos que irão marcar impressivamente a canção portuguesa. O primeiro disco LP é de Adriano: O Canto e as Armas.
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É pela mão de Adriano que muitos novos cantores e músicos surgem. Acontecimentos musicais determinantes para o futuro, todos com a marca de luta antifascista, sucedem-se. A televisão cobre em directo um espectáculo de fados e baladas de estudantes de Coimbra, a propósito da Queima das Fitas. De súbito uma voz admirável eleva-se para cantar a Trova do Amor Lusíada e Trova do Vento que Passa . É a voz de Adriano que, com a coragem que o acompanhou durante toda a vida, não deixa fugir a oportunidade de enfrentar o poder. É um escândalo. A emissão é interrompida. Em 1971, no Coliseu de Lisboa dá-se o I Primeiro Encontro da Canção Portuguesa. Participam Barata Moura, Vitorino, José Jorge Letria, Fausto, Manuel Freire, Zeca Afonso e Adriano. Um espectáculo memorável rigorosamente vigiado pela Pide, enquanto lá fora o fascismo não pára de apodrecer e abanar com as lutas que irrompem por todo o país.

A canção na rua

25 de Abril! A Revolução dos Cravos. A canção salta para a rua e Adriano está na primeira linha. É um dos fundadores no Colectivo de Acção Cultural, participa no I Festival da Canção Portuguesa no Coliseu dos Recreios e no I Festival da Canção Livre. Anda pelo país fora levando a mensagem do seu partido, o Partido Comunista Português, com a sua voz inconfundível. Vai aos lugares mais longínquos onde quase ninguém ousa ir. Grava o disco Que nunca mais que lhe vale o título de Artista do Ano da revista inglesa Music Week.
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Em 1976 pertence ao Comité Organizador da 1ª Festa do Avante! onde participará sempre com imenso empenho. Continua a cantar por todo o país sempre com grande sentido de militância e companheirismo. A sua presença física, a sua afabilidade e a sua voz impõem-se mesmo em situações complicadas, muitas vezes conseguindo ultrapassar tentativas de boicote. Finalmente consegue realizar um velho sonho profissional: ser um dos fundadores de uma cooperativa artística, Cantarabril, de onde sairá em violenta controvérsia para entrar noutro colectivo de artistas, a Era Nova, com muitos dos seus primeiros companheiros de andanças musicais.
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Adriano cantou até ao fim da sua vida. Cantou sempre com voz firme as belas canções com que travejava a sua actividade de artista empenhado nas lutas do povo a que pertencia. Assim foi até ao último dia da sua vida em 16 de Outubro de 1982.
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Em princípios de Setembro participou no Coliseu dos Recreios numa festa de solidariedade com os trabalhadores da Anop. No final do mesmo mês está em Mondim de Basto, a cantar numa escola, num encontro do Partido. Foi o seu último espectáculo.
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Adriano Correia de Oliveira viveu intensamente, com imenso amor pela vida, construindo inúmeras e sólidas amizades, sempre ao lado do seu povo, sempre com o seu Partido. Fez sempre imensos projectos. Muitos concretizou, como a sua obra musical bem o evidencia. Outros, como um disco de músicas infantis, um dicionário de música de intervenção, nunca chegou a concretizar: os anos breves que viveu roubaram-lhe o tempo necessário. Nunca desistiu de colocar em prática as suas ideias mesmo até ao dia em que, brutalmente, foi ceifado da vida e da actividade criadora.



Até à morte

Adriano esteve desde cedo e até à morte com aqueles para quem a liberdade se concretiza em metas como a abolição da exploração pela mais-valia, a libertação da terra latifundiária, a realização pragmática, e até constitucional, das melhores virtualidades humanas, individuais e colectivas, e como autêntica autodeterminação nacional, na economia e na cultura. (…)
Encontramos a mais íntima associação entre o amor, o companheirismo caloroso, a devoção pátria e a solidariedade com o povo explorado, a solidariedade com a mó de baixo, que é sempre a mais consequente denúncia em qualquer processo histórico.


Óscar Lopes
in Avante 2007.10.11




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