OPINIÃO
Perguntaram a Marcelo se tinha um candidato preferido à liderança do PS e a resposta merece ser transcrita.
15 de Dezembro
de 2023, 0:09
conta muito na serra algarvia. Um homem que
morava no monte da Cabaça adquiriu o costume de mudar de sítio, e, em seu
benefício, os marcos que assinalavam os limites das propriedades. Fez isso numa
propriedade confinante com a de um seu vizinho residente no mesmo monte. Aos
poucos, foi mudando a localização dos marcos da propriedade de forma a tornar a
sua maior e a diminuir a do vizinho. O vizinho, considerado por todos uma
pessoa séria, apercebeu-se da situação e não reagiu logo. Um dia, explodiu.
Agarrou numa enxada e avançou em direção ao homem num gesto que indicava que o
ia matar. O homem levantou os braços e disse ao vizinho: “Calma, amigo, olhe,
eu, desde que perdi a vergonha, estou muito melhor.”
Lembro-me desta
história sempre que vejo alguém a atuar de certa maneira. E aconteceu-me há
pouco. Li em vários jornais o relato do que disse Marcelo Rebelo de Sousa aos
jornalistas, à saída do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, depois
de ter participado no Natal dos Hospitais. Perguntaram a Marcelo se tinha um
candidato preferido à liderança do PS, e a resposta merece ser transcrita: “Ah,
eu tenho. Era o doutor António Costa. Era o meu preferido. Era o que eu teria
preferido.”
Os jornalistas
ainda perguntaram se estava arrependido da decisão que tomou, mas Marcelo
descartou quaisquer responsabilidades: “Não, quem tomou a decisão foi o doutor
António Costa. Ele é que decidiu sair, não fui eu.” E disse mais: “Não fui eu
que lhe disse: olhe, vá-se embora. Não, ele disse-me: 'Perante isto, em
consciência, eu não posso ficar.' A decisão que eu tomei a seguir foi uma
consequência e não uma causa da decisão dele.”
Marcelo estava
muito embalado. Ainda declarou que António Costa tem um prestígio europeu
excecional e todas as condições para vir a ser o próximo presidente do Conselho
Europeu. E mais ainda: disse que Costa seria um bom candidato presidencial “se
entretanto não estiver presidente do Conselho Europeu.”
Vamos lá ver –
costuma dizer o líder preferido do PS, possível presidente do Conselho Europeu
e bom candidato presidencial, António Costa –, afinal porque é que o país
perdeu um primeiro-ministro com tantos talentos e virtudes se ainda por cima o
tinha elegido com maioria absoluta?
Um político
que, na opinião de Marcelo, tem um futuro, lá fora e cá dentro, tão prometedor
teve de virar costas ao cargo de primeiro-ministro e declarou aos portugueses
que não poderá desempenhar nenhum cargo público nos próximos anos e que,
eventualmente, não o poderá fazer nunca mais.
Marcelo Rebelo
de Sousa tem responsabilidade no processo que levou à queda do Governo e à
dissolução do Parlamento. O próprio António Costa acusou Marcelo de falta de
bom senso e de ter feito uma avaliação errada quando dissolveu o Parlamento.
Não estamos a falar de um mero espectador não participante.
Mas não é só
Marcelo que assobia para o lado. A procuradora-geral da República, Lucília
Gago, declinou quaisquer responsabilidades na demissão de António Costa. O
presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Adão Carvalho,
declarou que, naquela magistratura, ficaram todos muito
surpreendidos com essa decisão de Costa. Até disse que o primeiro-ministro
terá usado o célebre parágrafo como pretexto para apresentar o seu pedido de
demissão.
Acontece que há
uma coisa da qual todos temos a certeza: Costa não queria ter apresentado
demissão e se o fez foi porque se viu sem alternativa. E não venham falar dos
76 mil euros de Escária. A demissão foi apresentada antes do conhecimento dessa
descoberta.
Fala-se muito
nas consequências dos casos de corrupção na credibilidade da classe política e
na saúde da democracia. E não há dúvida de que é um assunto preocupante. Mas
que dizer desta desresponsabilização institucional coletiva por parte de
titulares de cargos fundamentais no sistema democrático? Que mensagem passa aos
portugueses vê-los passar entre os pingos da chuva e fazerem de conta que nem
têm uma explicação a dar?
Termino com
mais uma frase de Marcelo a propósito da sua alegada impotência perante o
pedido de demissão de Costa: “Como é que se dissuade uma pessoa que tem uma
convicção muito profunda, muito profunda de que aquilo é a única saída correta
na sua vida? É impossível, é impossível.”
Eu acho que o
nosso Presidente está como o homem da serra algarvia, ou seja, muito melhor.
A autora é
colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico
Advogada
https://www.publico.pt/2023/12/15/opiniao/opiniao/marcelo-rebelo-sousa-melhor-2073753
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