terça-feira, 4 de março de 2008

A Barsa versus o Google


COLUNAS >>> Especial Google


Lucas Rodrigues Pires







Outro dia li uma notícia no jornal que me surpreendeu: as vendas da enciclopédia Barsa, depois de anos em decadência, voltaram a crescer, e bem. Esperam boas vendas para este ano que mal acabou de começar. Será este aumento apenas resultado de uma maior ação no corpo-a-corpo dos vendedores, já que a enciclopédia só é vendida de porta em porta?

A questão que estou a colocar é buscar entender justamente como diversos tijolos de papel impresso, com diversos volumes que se propõem a conter sintetizados o conhecimento do mundo, voltaram a vender quando a aparente verdadeira síntese do conhecimento humano, a Torre de Babel do mundo moderno, a Biblioteca de Alexandria da era antiga, está instalada de graça na internet e acessível por um botão de busca no Google.

Para seguir adiante, é preciso saber diferenciar os conteúdos de cada um dos objetos mencionados: a Barsa e o Google. Enquanto a primeira é um conjunto de verbetes da cultura humana e do universo físico – buscando explicar a qualquer um o que vem a ser qualquer coisa que lhe cruze o caminho – produzidos ao longo do tempo e compilada em diversos volumes de papel, o segundo é mais um instrumento de se atingir o mesmo fim. Em poucas palavras, o Google é o meio, a Barsa é o fim, mas não da mesma equação já que estão em veículos distintos.

Mas as diferenças são muitas outras. O Google te leva a conteúdos alheios, de algumas das milhões (ou seriam bilhões?) de páginas da Internet. A Barsa deve ter uma equipe própria que produz cada verbete. Ou seja, um se faz do trabalho de outrem enquanto a outra está voltada a seu próprio umbigo. No Google, é o interessado que busca fazer parte de seu rol de indicações. Para um site configurar no programa de busca, é preciso que a pessoa responsável cadastre o seu site no sistema Google de busca (não apenas uma vez; na verdade, o cadastro em si não garante à sua http a “citação” quando procurarem por “você”), enquanto na Barsa tudo é pensado antes e o leitor/interessado só tem acesso a algo previamente acertado e definido entre os editores.

Continuemos: se a Barsa oferece um conteúdo condensado, mastigado, mesmo que reduzido em explicações ou complexidades, o Google não encurta o caminho, ele te faz navegar por diversas páginas a fim de obter alguma informação que queira. O internauta, ou navegador, na apropriada metáfora que já se institucionalizou, viaja por muitos sites, conhece diversos www em seu Internet Explorer até alcançar o resultado (site, notícia ou o que quer que seja) buscado originalmente. Muitas vezes, por falta de paciência, de destreza ou mesmo de falta do Google (que pode ser do sistema ou dos interessados em constar em seu sistema), saímos da pesquisa sem uma resposta satisfatória quanto a nossa indagação.

Além de tudo isso, claro que temos de pesar entre as diferenças outras duas coisas: a Barsa pode ser acessada rapidamente, basta pegar o volume em que a palavra que queremos deva estar e folhear atrás dela. Para buscar no Google, temos de ligar o computador, abrir a página, clicar a palavra almejada, procurar entre as dezenas ou centenas de indicações algum site que possa ter o que desejamos e assim seguir até que nos satisfaçamos. A outra diferença reside justamente no valor pago por esse serviço: para ter a Barsa, o interessado deve pagar, e não pouco, por sua coleção; o Google está disponível gratuitamente na internet. O único pré-requisito é que o interessado tenha contratado um serviço de acesso à internet. Simplificando: a Barsa é mais rápida e cara, o Google, mais barato e requer um esforço mínimo de queima de neurônios.

Diante dessas diferenças, será que podemos fazer um exercício comparativo de ambos os “produtos”? Seria o Google mesmo o herdeiro das enciclopédias? Mas e as enciclopédias virtuais que existem na internet, como ficam? Seriam elas concorrentes do Google?

O que parece estar se configurando nesses primeiros anos do século 21 é que o Google adquiriu tal força como guia do internauta que aquele site que não estiver dentro dele está fora do mundo não só virtual. É a tal história do peixe fora d’água, ou da pessoa que não vê a novela e por isso acaba deslocada e isolada nas rodas do café ou em outras formas de aglomeração humana em que a comunicação se faz necessária. A consolidação do Google como referência em busca criou a necessidade de se fazer parte dele, de constar entre suas indicações de páginas como meio de sobreviver. Principalmente entre as empresas que têm site e o usam como e-commerce. Quem vende pela internet e não está no Google deve ter um marketing e divulgação extra-internet, ou seja, o tradicional, que lhe custará uma boa soma de capital, para superar o “anonimato”.

Em relação ao conhecimento do mundo, o Google parece ter em mente não a intenção de uma Babel ou mesmo de uma Barsa. Ele visa ser uma referência da web, no que ela tem em si. Uma referência de busca da internet deve levar em consideração não apenas conhecimentos sistematizados, mas toda a gama de intenções e utilidades que a web oferece. Ela é um instrumento não apenas de armazenamento de informações, mas, superada a incógnita inicial, fundamentalmente já um meio capitalizado para fazer mais dinheiro. Queira-se ou não, a internet, e o Google teve papel fundamental nisso, readaptou as empresas a fazer parte dela como forma de vitrine e de sobrevivência. Não se leva a sério uma empresa que não tenha um site. O site é hoje fundamental não apenas como credibilidade, mas também como um meio de se fazer conhecido por todos. Estar na internet é mais barato, fácil e seguro do que por outros meios e veículos. O e-marketing é ainda pouco eficiente se comparado ao marketing tradicional, mas seu custo também é muito menor. O importante é estar disponível 24 horas para quem quiser visitar ou por algum caminho tortuoso chegar à sua página.

Na internet, como quase tudo é de graça, o importante é a disponibilidade do serviço, seja comercial, cultural ou de qualquer natureza (mas os conteúdos de internet podem todos ser configurados como produtos, mesmo um blog), a facilidade de se chegar ao seu produto e de se vender de uma forma passiva. O Google é a ferramenta atualmente ideal para se disponibilizar e facilitar o acesso ao que você tem a oferecer. “Vendê-lo” é com a página, com o site, com a “atratividade” do produto. Parece que seu ponto de apoio é basicamente econômico, diferentemente da Barsa que ainda mantém uma idéia muito mais cultural do que qualquer outra coisa. Ela voltou a aumentar suas vendas apoiada no discurso iluminista de que o conhecimento está em suas mãos. É mais fácil, seguro (afinal, nem tudo na internet é de fonte confiável) e tem credibilidade. Além, é claro, de impor um status ao proprietário que ajudou a vender muitas coleções em sua história.

O Google está longe de ser uma Barsa, assim como a Barsa está longe de ser um Google. Nem um nem outro querem ser como o outro. Querem apenas ser referências em seus ramos de atuação. Uma como compilação de verbetes e conhecimento, o outro como intermediário entre o internauta e sua busca. Cada um a seu modo, em seu meio (um via meio impresso, outro na internet), em suas ambições, estão em expansão (especificamente a Barsa voltando a crescer depois de quase falir). E não é de se surpreender e de aplaudir a volta da Barsa, ainda mais com a venda porta a porta, tida como morta com o advento da internet e seus infindáveis recursos? Está aí mais uma prova de que a internet não é o bicho-papão que pregavam e tudo é uma questão de readaptação, e competência pra tanto, claro.

Post Scriptum
Leio no jornal novamente uma reportagem do caderno "Mais!", da Folha de S. Paulo, (29/01/2006) dizendo que o Google foi eleita a marca mais influente do planeta. Além disso, discutiam a opção da empresa em censurar conteúdo, com condição do governo chinês, para entrar naquele mercado, e a decisão nos EUA de um juiz federal em obrigar a empresa a fornecer registros de pesquisas de usuários. Para uma empresa virtual, seu poder já está muito acima do esperado. Parece que o Google deixou de ser um instrumento de auxílio de busca aos internautas, mais de um bilhão deles em 2006, para ter um papel também político. O projeto Google superou em muito sua idéia inicial. Agora é ver como ela se sai no campo real das gigantes comerciais.

Lucas Rodrigues Pires
São Paulo, 16/3/2006
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in Digestivo Cultural -

Quinta-feira, 16/3/2006
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