sexta-feira, 9 de julho de 2010

José Saramago morreu aos 87 anos Páginas de uma vida




«Criador dessas personagens, mas, ao mesmo tempo, criatura delas»
José Saramago morreu aos 87 anos
Páginas de uma vida
Nascido de famílias camponesas pobres, na localidade da Azinhaga, concelho da Golegã, José Saramago fez-se escritor e chegou a Prémio Nobel da Literatura. Na sua conduta diária e na sua vasta e rica obra literária, nunca esqueceu as suas origens nem deixou de se afirmar comunista.
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José Saramago nasceu na Azinhaga, na Golegã, em 16 de Novembro de 1922. Os seus pais, camponeses sem terra, chamavam-se José de Sousa e Maria da Piedade. Como o próprio escritor escreveu numa autobiografia editada no sítio electrónico da fundação que tem o seu nome (www.josesaramago.org), «José de Sousa teria sido também o meu nome se o funcionário do Registo Civil, por sua própria iniciativa, não lhe tivesse acrescentado a alcunha por que a família de meu pai era conhecida na aldeia: Saramago.» Facto curioso é o de só aos sete anos, quando teve de apresentar na escola primária um documento de identificação, ter sabido que o seu nome completo era José de Sousa Saramago.
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Aos dois anos vai com a família para Lisboa em busca de uma vida melhor – que tardou em aparecer: «Já eu tinha 13 ou 14 anos quando passámos, enfim, a viver numa casa (pequeníssima) só para nós: até aí sempre tínhamos habitado em partes de casa, com outras famílias.» Durante este tempo, passou períodos prolongados com os avós maternos na aldeia natal.
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Na escola primária foi bom aluno, tal como no Liceu. Mas a vida difícil impediu-o de continuar os estudos. A única alternativa era frequentar uma escola profissional e, durante cinco anos aprendeu o ofício de serralheiro mecânico, que seria a sua primeira profissão. Mas nessa escola aprenderia mais do que isso, através das disciplinas de Francês e Literatura que, surpreendentemente, estavam incluídas no plano de estudos.
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Foram os livros escolares a despertar no então jovem aprendiz de serralheiro o gosto pela literatura, desenvolvido nas noites passadas na biblioteca pública de Lisboa. O primeiro livro comprou-o com 19 anos. Da oficina muda-se para um organismo de Segurança Social, onde passa a trabalhar como empregado administrativo.
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Os primeiros livros, o jornalismo e a política
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Em 1947, ano em que nasce a sua filha Violante, fica marcado na vida de José Saramago como o ano em que publica o seu primeiro livro, Terra do Pecado. Como ele próprio escreveu, «durante 19 anos, até 1966, quando publicaria Os Poemas Possíveis, estive ausente do mundo literário português, onde devem ter sido pouquíssimas as pessoas que deram pela minha falta». Mas esses estiveram longe de ser anos perdidos...
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Ainda jovem, José Saramago inicia a sua actividade antifascista, participando em várias iniciativas da resistência. Nos anos de 1948/49, é apoiante e interveniente activo na candidatura de Norton de Matos à Presidência da República, o que o levaria a perder o emprego no Estado. Voltou à metalurgia, por mão de um amigo.
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No final dos anos 50, José Saramago passa a trabalhar numa editora, Estúdios Cor, como responsável pela produção, actividade que, reconheceu, permitiu-lhe travar conhecimento com alguns dos mais importantes escritores portugueses de então. Entre 1967 e 1968 trabalhou também como crítico literário na Seara Nova.
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 Em 1969 adere ao PCP, passando a integrar a Organização dos Intelectuais de Lisboa e, entre esse ano e 1973, desenvolve uma intensa actividade na CDE no decorrer das campanhas «eleitorais» para a chamada Assembleia Nacional. Em 1970, edita uma nova colectânea de poemas, Provavelmente Alegria. 
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Entretanto, no final de 1971, José Saramago deixou a editora e trabalhou, durante os dois anos seguintes, no vespertino Diário de Lisboa como coordenador de um suplemento cultural e como editorialista. Esses editoriais seriam publicados em 1974, sob o título As opiniões que o DL teve.
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Revolução, contra-revolução e a escrita
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Com a Revolução de Abril, José Saramago passa a integrar a célula dos Escritores do Sector Intelectual de Lisboa do PCP sendo, logo a seguir, eleito para a direcção do Sector de Artes e Letras, organismo entretanto criado e ao qual se manteve ligado durante muitos anos, mesmo depois de ter passado a dedicar-se totalmente à escrita. Durante o processo revolucionário, participa activamente nas várias iniciativas promovidas pelo Partido e pelo movimento operário e popular. Desde 1976 que passa a participar, juntamente com outros destacados intelectuais, na construção da Festa do Avante!.
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Em Abril de 1975, tornou-se director-adjunto do Diário de Notícias, cargo que assumiu até Novembro desse ano, altura em que foi demitido na sequência do golpe de 25 de Novembro. Nesse período difícil, a sua actividade literária ressurgiu com redobrado fulgor com a publicação de O Ano de 1993 e Os Apontamentos.
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«Sem emprego uma vez mais e, ponderadas as circunstâncias da situação política que então se vivia, sem a menor possibilidade de o encontrar, tomei a decisão de me dedicar inteiramente à literatura: já era hora de saber o que poderia realmente valer como escritor», escreveria, mais tarde, no texto autobiográfico. O resultado não poderia ser melhor, com a publicação sucessiva de uma vasto conjunto de obras que o afirmariam como figura cimeira da literatura nacional e mundial: Levantado do Chão (1980); Memorial do Convento (1982); O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984); A Jangada de Pedra (1986); História do Cerco de Lisboa (1989); O Evangelho segundo Jesus Cristo (1991); Ensaio sobre a Cegueira (1995); Todos os Nomes (1997); A Caverna (2000); O Homem Duplicado (2002); Ensaio sobre a Lucidez (2004); As Intermitências da Morte (2005); A Viagem do Elefante (2008); Caim (2009), para além de peças de teatro, livros de crónicas e de viagens, diário.
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Em 1991, o governo português, liderado por Cavaco Silva, veta a apresentação do romance O Evangelho Segundo Jesus Cristo ao prémio literário europeu, sob o pretexto de que o livro era ofensivo para os católicos. Dois anos depois, o escritor muda-se com a mulher, Pilar del Rio, para a ilha de Lanzarote, nas Canárias.
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Ao longo de todo este período, de profícua produção literária, o escritor comunista prosseguiu a sua actividade político-partidária: nas eleições autárquicas de 1989, proposto pelo PCP, integra a lista da coligação Por Lisboa e é eleito presidente da Assembleia Municipal. Foi ainda candidato ao Parlamento Europeu em todas as eleições, de 1987 a 2009.
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Como justamente lembra a nota emitida pelo Secretariado do Partido no sábado, 19 de Junho, «falando dos seus livros, José Saramago disse um dia: “Creio que nada ou quase nada do que fiz depois do 25 de Abril, podia ter sido feito antes” - palavras que nos confirmam que a obra de José Saramago é, também ela, uma conquista de Abril».
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Galardão atribuído em 1998O único Nobel da Literatura de língua portuguesa
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Ao ser galardoado, em 1998, com o Prémio Nobel da Literatura, José Saramago tornou-se assim o primeiro, e até agora único, escritor de língua portuguesa a quem foi atribuído esse prémio. No dia 7 de Outubro desse ano, na cerimónia de atribuição desse prémio, em Estocolmo, perante destacadas individualidades do meio cultural, artístico e político (entre os quais os reis da Suécia), José Saramago começou por falar não de si próprio, mas do homem «mais sábio» que conheceu em toda a sua vida – que, lembrou, «não sabia ler nem escrever».
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Esse homem, o seu avô, «às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia».
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Nesse mesmo discurso, publicado mais tarde numa brochura, José Saramago reconheceu onde foi buscar as suas personagens: «ao pintar os meus pais e os meus avós com tintas de literatura, transformando-os, de simples pessoas de carne e osso que haviam sido, em personagens novamente e de outro modo construtoras da minha vida, estava, sem o perceber, a traçar o caminho por onde as personagens que viesse a inventar, as outras, as efectivamente literárias (…) acabariam por fazer de mim a pessoa em que hoje me reconheço: criador dessas personagens, mas, ao mesmo tempo, criatura delas».
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No Levantado do Chão, confessou ainda, estavam os «homens e as mulheres do Alentejo, aquela mesma irmandade de condenados da terra a que pertenceram o meu avô Jerónimo e a minha avó Josefa, camponeses rudes obrigados a alugar a força dos braços a troco de um salário e de condições de trabalho que só mereceriam o nome de infames, cobrando por menos que nada a vida a que os seres cultos e civilizados que nos prezamos de ser apreciamos chamar, segundo as ocasiões, preciosa, sagrada ou sublime».
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No dia em que regressou a Lisboa após a atribuição do Nobel – lembra-se na nota do Secretariado do Comité Central – o Partido «prestou-lhe homenagem numa sessão memorável, no Centro de Trabalho Vitória – e, acabada a sessão, dirigiu-se para o Terreiro do Paço a dar um abraço solidário aos trabalhadores que ali levavam a cabo uma jornada de luta contra mais um pacote anti-laboral disparado pelo governo então de serviço à política de direita». Dez anos depois, em 2008, o Salão do Vitória voltou a encher-se – e a contar novamente com a presença de José Saramago – para assinalar a passagem de uma década sobre essa data maior para a cultura portuguesa. Na ocasião, Jerónimo de Sousa sublinhou justamente que a condição de comunista de José Saramago e a «grandeza da sua obra literária não são facilmente dissociáveis: estou em crer que, sem essa condição, a massa humana de muitos dos seus livros não se moveria com o mesmo fulgor e não se sentiria em muitos deles o penoso, trágico, exaltante, contraditório, luminoso, sombrio, incessante movimento da história».
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Nesse mesmo ano, na Festa do Avante!, José Saramago tinha já sido homenageado. Não podendo estar presente, por motivos de saúde, enviou uma fraterna mensagem em que saudava os construtores da Festa, aqueles que, «com o seu trabalho voluntário, e não pedindo nada em troca, constroem a Festa»; aqueles para os quais «a Festa é indispensável» e que «são também indispensáveis à Festa».
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N.º 1908
24.Junho.2010 - Avante
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Extensa e singular obra literária
Terra do Pecado, Romance, 1947; Os Poemas Possíveis, Poesia, 1966; Provavelmente Alegria, Poesia, 1970; Deste Mundo e do Outro, Crónicas, 1985; A Bagagem do Viajante, Crónicas, 1973; As Opiniões que o DL teve, Crónicas, 1974; O Ano de 1993, Poesia, 1987; Os Apontamentos, Crónicas, 1976; Manual de Pintura e Caligrafia, Romance, 1977; Objecto Quase, Conto, 1978; A Noite, Teatro, 1979; Poética dos Cinco Sentidos (O Ouvido), Ensaio, 1979; Levantado do Chão, Romance, 1980; Que farei com Este Livro?, Teatro, 1980; Viagem a Portugal, Viagens, 1980; Memorial do Convento, Romance, 1982; O Ano da Morte de Ricardo Reis, Romance, 1986; A Jangada de Pedra, Romance, 1986; A Segunda Vida de Francisco de Assis, Teatro, 1987; História do Cerco de Lisboa, Romance, 1989; O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Romance, 1991; In Nomine Dei, Teatro, 1993; Ensaio Sobre a Cegueira, Romance, 1995; Cadernos de Lanzarote (1993-1995), Diário, 1997; Cadernos de Lanzarote I, Diário, 1994; Cadernos de Lanzarote II, Diário, 1995; Cadernos de Lanzarote III, Diário, 1996; Todos os Nomes, Romance, 1997; Cadernos de Lanzarote IV, Diário, 1998; Cadernos de Lanzarote V, Diário, 1998; O Conto da Ilha Desconhecida, 1998; A Estátua e a Pedra (Texto de encerramento de um convénio na Universidade de Turim, "Diálogos sobre a Cultura Portuguesa. Literatura-Música-História"); Discursos de Estocolmo, 1999; Folhas Políticas (1976-1998), 1999; A Caverna, Romance, 2000; A Maior Flor do Mundo, Conto, 2001; O Homem Duplicado, Romance, 2002; Ensaio Sobre a Lucidez, Romance, 2004; Don Giovanni ou o Dissoluto Absolvido, Teatro, 2005; Poesía Completa, Poesia, 2005; As Intermitências da Morte, Romance, 2005; As Pequenas Memórias, 2006; A Viagem do Elefante, Romance, 2008; O Caderno (Textos escritos para o blogue. Setembro de 2008 a Março de 2009), 2009; Caim, Romance, 2009;
O Caderno 2 (Textos escritos para o blogue. Abril de 2008 a Novembro de 2009), 2009.
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N.º 1908
24.Junho.2010 - Avante
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