quinta-feira, 15 de julho de 2010

José Fanha - dr. dói-me o peito

* Notas sobre Lia Branco

Hoje às 13:26

Dr.

dói-me o peito

do cigarro

do bagaço

do catarro

do cansaço

dói-me o peito

do caminho

de ida e volta

do meu quarto

à oficina

sem parar

sempre a andar

sempre a dar

dói-me o peito

destes anos

tantos anos

de trabalho

e combustão

dói-me o luxo
dói-me os fatos

dói-me os filhos

dói-me o carro

de quem pode

e eu a pé

sempre a pé

dói-me a esperança

dói-me a espera

pelo aumento

pela reforma

pelo transporte

pela vida e pela morte.



Dr.

já estou farto
de não ser

mais que um braço

para alugar

foi-se a força

e o meu corpo

é como o mosto pisado

como um pássaro insultado

por não poder mais voar.



Dr.

eu não sei ler

os caminhos

por dentro

dos hospitais

mas alguém há-de aprender

entre as rugas do meu rosto

o que não vem nos jornais

e não há nada no mundo

nem discurso

nem cartaz

capaz de gritar mais alto

que as palmas das minhas mãos

que o meu sorriso sem jeito,



Dr.

Dói-me o peito…



José Fanha,

Eu sou Português aqui, ed. Ulmeiro
.
.

1 comentário:

jorge vicente disse...

Muito bom poema!!!

Abraços meus
Jorge Vicente