segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Douro - Sabedoria popular preserva património oral

 

 

 «Há um sítio na aldeia de Zedes, do concelho de Carrazeda de Ansiães, que é conhecido por `ermo` e onde nenhuma erva nasce apesar de a terra ser boa. Dizem os antigos que aquele é o sítio da reunião das bruxas e que, por isso, a erva ali não consegue nascer». Assim começa a lenda «Ermo das Bruxas», uma das inúmeras histórias, passadas de geração em geração, e que constam do livro «Património Imaterial do Douro - Narrações Orais». 

.Ana Clara; Fotos: Livro 'Património Imaterial do Douro - Narrações Orais' | sexta-feira, 26 de Novembro de 2010

Ao todo são 250 lendas e 166 contos populares que estavam em risco de extinção que Alexandre Parafita fez questão de resgatar às palavras guardadas na sabedoria dos mais velhos. Um trabalho só possível graças à transmissão de geração em geração daquilo que o tempo não apagou.

Desde «A mulher enterrada viva» ao «Carpinteiro e as feiticeiras» passando pela «Enxada que vertia sangue», são várias as lendas e contos recolhidos em Tabuaço, Carrazeda de Ansiães e Vila Flor. O autor explica ao Café Portugal como nasceu a ideia de preservar este património de memória popular. Um trabalho de recolha que demorou três anos.

O projecto nasceu em 2007 para cumprir um dos objectivos que presidiu à Função do Museu do Douro (onde a obra foi apresentada oficialmente a 26 de Novembro de 2010) e que reside na inventariação, recolha, investigação, valorização e divulgação do património imaterial do Douro Vinhateiro.

«Na sua primeira fase, o projecto incidiu sobre o concelho de Tabuaço, para, ao mesmo tempo, implementar a entrada em funcionamento neste município de um dos pólos museológicos do Museu do Douro (o Museu do Imaginário Duriense), o que foi conseguido», afirma o mentor da obra.

Alexandre Parafita, também investigador do Centro de Tradições Populares Portuguesas da Universidade de Lisboa, resgatou à memória de cerca de cem idosos dos concelhos de Vila Flor e Carrazeda de Ansiães, dezenas de peças de romanceiro e cancioneiro, lengalengas, rezas e mezinhas.

O autor salienta que a inventariação e o estudo do património imaterial é hoje um «imperativo das sociedades civilizadas, não só no quadro de uma preocupação global com a diversidade e o entendimento entre as culturas, mas também como forma de potenciar novas ofertas culturais a partir do exotismo e raridades etno-tradicionais».

«O Museu do Douro, com base neste trabalho, está em condições de estimular e potenciar projectos de turismo cultural e turismo do imaginário e outros associados aos lugares de memória da Região», sustenta.

Sobre a forma como os intervenientes reagiram a este levantamento, Alexandre Parafita diz que os idosos são, geralmente, «verdadeiras bibliotecas de saberes acumulados».

«Se soubermos estabelecer com eles uma saudável relação convivial, prontamente desfiam as suas memórias e, desse modo, lá vêm as lendas, as variantes de contos tradicionais, os romanceiros, cancioneiros e tudo o mais que tiverem para transmitir. E reagem muito bem, sobretudo quando percebem que, quem está ali para os ouvir, é alguém disponível para dar alguma nobreza aos seus saberes, e não para os ridiculizar, como tantas vezes sucede», acrescenta.

Segundo Alexandre Parafita, as muitas dezenas de contos tradicionais inventariados, obedecem a um critério científico adoptado pelos últimos catalogadores internacionais, e inscrevem-se em «sub-grupos de contos de animais, contos religiosos, contos de fadas, contos do ogre estúpido, mas também contos jocosos e divertidos (de padres, mulheres levianas, avarentos, doidos) e contos enumerativos».

Por sua vez, as inúmeras lendas traduzem explicações populares de fenómenos sagrados, diabólicos, mitológicos, históricos, entre outros, onde entram os episódios milagrosos sobre a origem de capelas, santuários, ou cruzeiros. Há, ainda, os rituais de almas penadas em tornos de antigas necrópoles, ou as sagas dos lobisomens nas suas encruzilhadas.

Sobrenatural e pagão

Em muitos destes contos e lendas existe uma grande marca do sobrenatural cristão e pagão. O autor realça que as populações rurais são profundamente religiosas e, nessa medida, são muito influenciadas pelo sobrenatural atrás indicado, mantendo formas de comunicação com o Além, através de orações, rezas e ensalmos, que traduzem momentos de inquietação absolutamente singulares.

«E nestes cenários lá vêm também as lendas de milagres e de almas inquietas, mas também de metamorfoses diabólicas, de lobisomens, etc. Se pretende saber se hoje as pessoas ainda acreditam, respondo-lhe que em muitos casos não tenho dúvidas disso. Algumas das lendas de almas penadas, de bruxas ou lobisomens, têm ou tiveram protagonistas conhecidos nas comunidades», sublinha o autor.

«Quando em Vilas Boas a alma de uma menina da aldeia apareceu nua na procissão nocturna, as pessoas acreditaram, pois a situação era verosímil no contexto creencial local. Os pais haviam-se esquecido, após a sua morte, de distribuir as roupinhas da filha pelos pobres, contrariando um costume ancestral», exemplifica.

O autor considera importante que o inventário nacional do Património Cultural Imaterial, a que Portugal está obrigado por força da convenção da UNESCO que subscreveu, se faça com «celeridade e com critério».

«Com celeridade, para recuperar a tempo o riquíssimo potencial da memória de quem ainda estão entre nós; com critério, para garantir a genuinidade do espólio cultural resgatado, evitando que sofra os flagelos da manipulação ou aculturação», argumenta.

E está convicto de que a memória oral «jamais deixará de ser um recurso importante na reconstrução da história». De resto, muitos documentos históricos tiveram, em algum tempo, «a memória oral como fonte credível».

«Muitas lendas, que tiveram a oralidade como meio exclusivo de transmissão, têm sido fundamentais para a descoberta de vestígios arqueológicos no nosso território, e têm permitido também equacionar factos históricos ignorados, ou reequacionar outros que vêm persistindo em nebulosas mais ou menos controversas», explica Alexandre Parafita.

Por fim, realça que o inventário do Património Imaterial do Douro não vai ficar por aqui. «Há muito trabalho para fazer, pois o Douro Vinhateiro tem ainda dezenas de outros concelhos muito ricos culturalmente e não seria justo que ficassem de fora. Contudo, tão importante como a realização do inventário é a realização dos estudos necessários sobre o espólio inventariado», conclui.
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Douro - Património oral resgatado para livro

No dia 26 de Novembro é lançado o segundo volume da obra Património Imaterial do Douro - Narrações Orais. O projecto empreendido pelo Museu do Douro, Peso da Régua, recolheu lendas e contos guardado na memória dos mais velhos.

Café Portugal | quarta-feira, 3 de Novembro de 2010

Lendas e contos de mouros, bruxas ou lobisomens, histórias populares guardadas na memória dos mais velhos e, por isso, em «risco de extinção» foram agora resgatados para livro. No total foram inventariadas 250 lendas e 166 contos populares.

O projecto faz parte do inventário do património imaterial da região duriense que está a ser promovido pelo Museu do Douro desde 2007 e que tem como coordenador científico Alexandre Parafita.

O investigador disse que o segundo volume da obra Património Imaterial do Douro - Narrações Orais é lançado a 26 de Novembro.

Alexandre Parafita resgatou ainda da memória de cerca de cem idosos dos concelhos de Vila Flor e Carrazeda de Ansiães «várias dezenas de peças de romanceiro e cancioneiro, lengalengas, rezas e mezinhas».

«Estes dois municípios possuem índices elevados de população idosa, profundamente influenciada pelo sobrenatural cristão e pagão, que continua a gerar cenários de inquietação no quotidiano rural», salientou.

Para o investigador, estas pessoas são os «porta-vozes da memória». Aqui, a «memória oral que se projecta através das lendas permite-nos identificar e conhecer um pouco desses mistérios que vêm do passado longínquos», frisou.

Parafita referiu que a memória oral de muitas aldeias referencia locais de aparições milagrosas, alguns associadas a procissões nocturnas de almas penadas, lugares onde se esconjuraram bruxas, demónios e lobisomens, mas também de refúgios de leprosos, de mouras encantadas e de valiosos tesouros protegidos pelo Livro de São Cipriano.

Estas lendas e contos revelam ainda vestígios de interesse arqueológico, explicam as origens de capelas, cruzeiros e santuários, ou a extinção de povoações por invasões de formigas, e ainda identificam lugares de transfiguração de almas penadas e suas revelações aos mortais (como acontece nas aldeias de Amedo, Arnal, Vilarinho das Azenhas e Vilas Boas).

Mas, por algumas destas aldeias, como Foz Tua, Tralhariz, Pombal de Ansiães, Vila Flor, Ribeirinha ou Vilas Boas, também se escondem histórias de rituais de lobisomens.

O investigador salientou que, com a narração da cura de uma criança leprosa, se explica a construção do santuário da Senhora da Assunção em Vilas Boas (Vila Flor), e que devido aos muitos ossos encontrados num vale após a mortandade que os cristãos infligiram nos mouros ao expulsá-los do castelo de Ansiães, nasce a justificação popular do nome de Vale da Osseira.

Alexandre Parafita frisou que o inventário vai prosseguir, dando resposta a um desafio da UNESCO para a salvaguarda do património imaterial.

Doutorado em Cultura Portuguesa, Alexandre Parafita é investigador do Centro de Tradições Populares Portuguesas da Universidade de Lisboa.
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Douro - Viagem ao Portugal do fantástico

O País tem muita História por registar no que respeita à memória oral, aquela que passa de geração em geração, nas margens da palavra escrita. Relatos que são um património vivo de muitas comunidades. Há um Portugal do fantástico, lugares onde se esconjuraram bruxas, demónios e lobisomens, sítios de aparições milagrosas, ermos com almas penadas, refúgios de leprosos e de mouras encantadas. Lendas e contos reunidas no segundo volume da obra «Património Imaterial do Douro - Narrações» e que o Café Portugal publica em exclusivo.

Café Portugal; Fotos: 'Património Imaterial do Douro - Narrações Orais' | sexta-feira, 26 de Novembro de 2010

Os idosos, os mais velhos, os que têm a sapiência na voz, são eles quem nos conduzem a mistérios e enredos que nos transportam a um passado que já vai longe. São lendas e contos reunidas por Alexandre Parafita, autor do livro que evoca as histórias guardadas nas memórias das populações de Tabuaço, Carrazeda de Ansiães e Vila Flor. Porque, o Douro também guarda personagens carregadas de mistério…



A mulher enterrada viva

A história de um padre, de uma criança e de malfeitores. A morte e os mistérios que a noite encerra numa lenda que mostra o pagão cristão. LER






O  «ermo» das bruxas

O «ermo», expressão que retrata um local sombrio, é local de reunião de bruxas. Ali estes seres possuídos de maldade faziam as rezas contra todos aqueles a quem queriam mal. LER.




                              


A menina nua na procissão

Almas penadas. Crenças ligadas à morte. Esta é uma lenda que conta como a rotina popular pode mudar o desfecho da fé cristã das populações. LER






O carpinteiro e as feiticeiras

As más acções também se cobram. Para os lados do Tua, houve tempos em que feiticeiras atormentavam aqueles que se excediam. São estórias onde o medo e o sobrenatural se misturam sempre com lições de moral pelo meio. LER



                          

            


A enxada que vertia sangue

A fé dos cristãos é retratada neste conto de forma muito peculiar. Os descrentes, aqueles que não tentam sequer acreditar na existência de Deus, têm castigos divinos à sua espera. Os homens, nas lendas populares, são sempre os alvos. LER
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