quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Filipe Chinita - para parir abril

* Filipe Chinita

.
sempre
o
olhar
para lá das grades
da prisão
.
o
grito
dado
calado
fundo
.
a
certeza
de vencer(mos)
e correr(mos)
livres
para lá das grades
da prisão

- uma delas
face à qual
muitos anos mais tarde
hei-de escolher casa
em amplas janelas
para ela
voltadas
caxias
vista
em liberdade
das janelas da pirâmide
de linda-a-velha -
.
não esquecendo
que já antes
de abril
não sendo então lisboa
a minha cidade
mas a tua
- minha querida lisboeta -
lisboa era já
uma capital
resistente

agrilhoada
mas
resistente

antecipando
a
liberdade

que estava
por vir

que aí
vinha

viria
.
reuniões
assembleias
e até congressos

de clandestinos
.
acção
peregrinando...
- como se não existindo -
pelas ruas
da
cidade
.
inscritas inscrições
nas paredes
da
cidade
.
papéis
bíblia

pequenos
jornais

folhas
volantes
passadas rápidas
de mão
em
mão

colocadas
nos combinados
salvaguardados
sítios

das
vielas
ruas
praças
da
cidade
.
cidade
universitária

resistência
das
liberdades
.
mas
também
nas vielas campos em redor
das aldeias vilas
tão poucas cidades
do meu/nosso
alentejo

montemor

margem esquerda
do
guadiana

bastião resistente

nos campos
do meu alentejo
.
fábricas
da outra banda

margem
esquerda
do
tejo
.
e
naquelas
outras fábricas
que em coroa
em volta da capital
constituiam aquilo
que se viria
a chamar
de sua cintura
operária

vermelha
.
tarefas
sem
nome
.
esses
aparentes
pequenos
nadas
de que se fez e faz
a história
da
resistência
- de qualquer resistência -

que os não participantes

não conhecem e sequer
sonham

mas que formatam
essa lavra
heróica

da
coragem

do
silêncio

da
paciência

sem as quais
os grandes momentos
altos/grandiloquentes
nunca teriam
lugar
.
é
bom
não esquecer

que
abril
foi edifício
que de largo e longo
se construiu

antes que
do
aparente
nada...

surgisse

o
dia
nomeado

inicial
inteiro
e
límpido

os
dias...
antes nomeados
mas fracassados
.
tanta
semente
lançada

no
largo
traço
do
braço

adubo
de
sangue

pelas
terras

tanta
sementeira
perdida

tanto
fecundo
amor

e
inteira
dádiva

para
parir

abril
.
fjc
02.09.1977
(aos 21 anos em moscovo)

fotografia - desconheço a autoria.
fonte: 'forte de peniche, memórias da prisão'

#poemasfj #fascismoporfj

Filipe enviou a mensagem: Ontem às 15:02

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