domingo, 30 de outubro de 2022

Luís Reis Torgal: - “A ditadura não foi branda, foi um fascismo à portuguesa”

* Luís Reis Torgal

Numa obra compilada pelo historiador, prova-se que os tentáculos da polícia portuguesa iam às colónias e passavam o Atlântico para vigiar a actividade dos exilados.

O título da obra parte de uma referência irónica, a uma entrevista de António Ferro a António de Oliveira Salazar no início dos anos 30 do século passado. Contudo, Brandos Costumes, o Estado Novo e os Intelectuais, coordenado por Luís Reis Torgal, desfaz esta visão. A ditadura tinha polícia política, prisões sem culpa formada, censura, tribunais plenários especiais, interrogatórios, as matracas da força de choque da Legião Portuguesa, torturas e informadores visando as oposições. Havia falsas eleições das quais saía sempre vitorioso o partido único nas suas duas versões — União Nacional e Acção Nacional Popular —, o sindicalismo livre era reprimido naquele Estado de corporações e aos funcionários públicos exigido um juramento de fidelidade ao regime. “Activo repúdio ao comunismo e a todas as ideias subversivas”, proclamava.

As prisões eram várias e, algumas, coexistiram no tempo: do Aljube ao Campo do Tarrafal, em Cabo Verde; da ilha de Ataúro, em Timor, ao forte de São Sebastião, em Angra do Heroísmo, nos Açores; da fortaleza de Peniche ao forte de Caxias. A polícia teve várias declinações de cosmética mantendo o essencial da sua função. Em 1933, nasceu a PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado), sucedeu-lhe a partir de 1945 a Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE), para terminar na Direcção-Geral de Segurança, assim baptizada por Marcelo Caetano, que caiu com o 25 de Abril de 1974.

“É uma referência irónica, a ditadura não foi branda”, avança, ao PÚBLICO, o coordenador que reúne investigações suas e de outros seis estudiosos — Heloísa Paulo, Julião Soares Sousa, Luís Filipe Torgal, Paulo Marques da Silva, Renato Nunes e Vítor Neto.

“A violência, o processo directo e constante da ditadura fascista não são aplicáveis, por exemplo, ao nosso meio, não se adaptam à brandura dos nossos costumes”, respondera com paternalismo Salazar a António Ferro, dando origem ao mito de uma lusa benignidade do regime de excepção. Ou seja, não há lugar para revisionismos, branqueamentos ou negacionismos.

“A ditadura não foi branda, defendo que o regime foi um fascismo à portuguesa, se utilizarmos a palavra totalitarismo não estamos errados e não há totalitarismos brandos”, acentua Luís Reis Torgal. “Claro que a PIDE não era infalível, nem podia ser, uma coisa é a vigilância, outra a prisão, mas os pides observavam tudo ou, pelo menos, tentavam”, refere.

“O início deste projecto data dos anos 90 do século passado, quando comecei a trabalhar com alunos sobre os arquivos da PIDE”, explica. “Agora, foi pegar em artigos publicados, em sínteses de doutoramento, em livros pouco lidos”, prossegue o professor da Universidade de Coimbra e membro da Academia Portuguesa de História.

Dos dois lados do Atlântico
No entanto, no volume há espaço para novidades: são três. Se era conhecida a militância comunista e a história da repressão do Estado Novo a Soeiro Pereira Gomes, também Miguel Torga e Jorge de Sena sofreram as vicissitudes da vigilância da polícia política. Este último, do outro lado do Atlântico, no exílio brasileiro, através da articulação da PIDE com o Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Brasil, e da presença de enviados especiais da polícia política portuguesa. O Brasil tinha tradição de terra de exílio das oposições, desde o advento do Estado Novo, sujeitas a vigilância. O que foi determinante para que Jorge de Sena partisse para os Estados Unidos.

O historiador Luís Reis Torgal coordena a obra Brandos Costumes, o Estado Novo e os Intelectuais 

Nos relatórios dos arquivos da PIDE, Miguel Torga constava como “escritor desafecto com ideias avançadas” e Fernando Namora estava “sob vigilância”. Aquilino Ribeiro também estava na mira. Fundador da Seara Nova, exilado em França pelo seu envolvimento na revolta de 1927, aderiu à frente oposicionista do Movimento Unitário Democrático (MUD) e teve um processo-crime pela edição de Quando os Lobos Uivam.

O republicano Tomás da Fonseca, um dos mais tenazes escritores anticlericais do século XX português, foi classificado pela polícia política como “radical e perigoso” e “raivoso anti-situacionista”. Esta classificação teve consequências, pela sua expulsão da Escola do Magistério Público de Coimbra e na proibição pela censura de 17 dos seus livros. Ferreira de Castro, outro “desafecto ao regime” no crivo da polícia política, não teve nenhum livro censurado nem foi preso, o que Luís Reis Torgal justifica pelo seu prestigio internacional.

Na selecção dos estudos de 12 escritores, “meramente simbólica” como assinala o coordenador, destaque para Natália Correia, que, ainda antes de ser processada pela direcção literária das Novas Cartas Portuguesas, de Maria Velho da Costa, Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta, um dos episódios do ocaso da ditadura, teve censurada a sua Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.

Outros dois intelectuais acompanhados pela PIDE aparecem nesta obra, ambos residentes na Casa dos Estudantes do Império, Amílcar Cabral e Agostinho Neto. Do dirigente guineense, agrónomo, nada consta nos arquivos, apesar da sua actividade nacionalista. Quanto ao médico e primeiro Presidente de Angola, o seu envolvimento em acções políticas, como o abaixo-assinado a Craveiro Lopes para que Portugal abandonasse a NATO, o apoio à campanha presidencial de Norton de Matos e a sua adesão ao Movimento Nacional Democrático levaram-no às prisões do Aljube e de Caxias.

30 de Outubro de 2022
Público 2022 10 29

O DISCURSO DE PUTIN E NAPOLEÃO por Carlos Matos Gomes

 * Carlos Matos Gomes 

Através de dois camaradas que muito prezo recebi entre ontem e hoje dois textos importantes, “Napoleão Bonaparte, Sobre a Guerra — A arte da batalha e da estratégia” Apontamentos e notas de Bruno Colson, enviado pelo major-general Carlos Chaves Gonçalves e do major-general Raúl Cunha a tradução de elementos significativos do discurso de Vladimir Putin, no dia 27 de Outubro, no Clube Valdai, um think tank russo que se reúne nos arredores de Moscovo.

Os dois textos têm um elemento comum: a guerra. As causas da guerra, os objetivos da guerra e as consequências da guerra. A mim interessa-me, sempre me interessou, saber como terminam as guerras. Saber como se faz a guerra levou-me à Academia Militar e saber como se faz uma dada guerra, a guerra de guerrilha levou-me aos «comandos». Saber como terminam as guerras levou-me ao 25 de Abril de 1974, ao estudo, à investigação, à literatura.

Não sou um admirador de Napoleão, que perdeu a sua guerra, não atingindo o objetivo que se propôs e pelo qual combateu por toda a Europa, de Lisboa a Moscovo. (No tempo de Napoleão Moscovo era Europa. Agora, segundo a doutrina do secretário-geral da NATO, de que poucos saberão o nome e das afirmações da senhora Ursula Van Der Leyen, que surgiu do anonimato submisso de onde vêm geralmente os presidentes da Comissão Europeia já não é, transformou-se numa jangada, uma jangada de pedra, como a que Saramago ficcionou para a Península Ibérica.) O pensamento único Ocidental impôs que a Rússia deixasse de ser Europa, que se cindisse pelos montes Urais! Este corte ideológico e ditado por interesses alheios à Europa terá consequências. O discurso de Putin anuncia-as. É prudente conhecê-las.

Não sou admirador do francês que quis ser imperador da Europa, que venceu as potências continentais, exceto a Rússia, mas não conseguiu o império planetário que o seu ego imaginou, perdendo para a Inglaterra, a potência marítima, e logo numa batalha em terra, em Waterloo e para um general do Exército, Wellington, mas apoio a afirmação do autor do livro: “De certa maneira, todos os oficiais do mundo se identificam com ele (Napoleão), pois conferiu à profissão militar uma envergadura intelectual e um profissionalismo ainda hoje reivindicados.”

Napoleão Bonaparte não deixou umas «Memórias» estruturadas como tal, mas frases, depoimentos e pensamentos que foram reunidos no livro que recebi. Servem-me para comparar alguns elementos do pensamento do “pequeno Corso”, com o de Vladimir Putin (também ele de baixa estatura) no discurso de fundo que proferiu no Clube Valdai para todos os Estados do mundo e não apenas para o Ocidente.

O discurso é muito mais dirigido aos outros Estados do que ao Ocidente e é significativo que Putin não o tenha querido pronunciar na Assembleia Geral das Nações Unidas e que esta não tenha ambiente, nem se atribua a importância de ouvir o líder da Rússia que decidiu desarrumar o tabuleiro do xadrez mundial. Um sinal de fraqueza da organização e do estado do mundo. O discurso parece ser tão importante e desconcertante da verdade oficial que, prudentemente, a propaganda ocidental decidiu cobri-lo com um manto de silêncio. Palavras do diabo.

Um primeiro ponto comum entre Napoleão e Putin, o senso de ambos na análise de vantagens e inconvenientes de prosseguir uma guerra por parte de forças cercadas. O caso de Mântua, para Napoleão e o caso da Ucrânia (realmente cercada e sem possibilidade de sair do cerco, mesmo com o envolvimento massivo do verdadeiro inimigo da Rússia, os EUA e, por decisão desta, da UE) para Putin.

Sobre o cerco de Mântua, escreve Napoleão ao comandante do Exército Austríaco: “senhor, o bravo deve enfrentar o perigo, mas não a peste de um pântano. A sua cavalaria, tão preciosa, está sem forragem; a sua guarnição, tão numerosa, está mal alimentada; milhares de doentes precisam de um novo ar, de muitos medicamentos e de alimentos sadios: eis aí razões de destruição. Creio ser do espírito da guerra, do interesse dos dois exércitos, chegar a um acerto”.

Esse acordo era para Napoleão, como para Putin, que o chefe cercado lhe entregasse Mântua: “todos ganharemos com isto, e a humanidade ainda mais que nós.”

Putin, no discurso: “Sempre acreditei e ainda acredito no poder do bom senso”. “Estou convencido de que, mais cedo ou mais tarde, os novos centros da ordem mundial e o Ocidente terão que iniciar um diálogo sobre um futuro comum.” (o que apenas será possível com a resolução da guerra na Ucrânia)

Dir-se-á que em ambos os casos se trata de capitulação. É verdade. Mas em todos os casos de final de guerra se trata de capitulação. A finalidade da guerra é impor uma vontade pela força. Vencer é obrigar o inimigo a aceitar outra vontade. Capitular. Napoleão capitulou após Waterloo e sobre a capitulação, isto é, sobre o reconhecimento de que um dado exército ou Estado já não tem condições para resistir e alterar a situação a seu favor, desenvolveu conceitos que bem podiam servir ao Ocidente para utilizar na Ucrânia: “os generais “sábios e humanos” devem instruir o comandante de uma praça a não contar inutilmente com a defesa de uma derradeira posição e oferecer-lhe uma capitulação honrosa e vantajosa. Se ele se obstinar, sendo enfim forçado a render-se por completo pode-se usar contra ele e os seus todo o rigor do direito da guerra.” E acrescenta: “Se o comandante de uma praça decide enfrentar um ataque, sabe que põe em risco a vida de todas as pessoas que se encontram na praça, militares e civis, assim como as suas propriedades.” (Seria útil os mentores de Zelenski lerem esta frase de Napoleão).

A questão do futuro é para todos nós, o dito Ocidente, o ponto sobre o qual os europeus deviam concentrar as atenções. Qual a nova relação de forças entre potências no mundo? Como quer a Europa a partir de agora relacionar-se com os outros espaços políticos e civilizacionais se decidiu atirar para o campo do inimigo o Estado de maior superfície, com maiores reservas de recursos energéticos, com quem partilha a cultura, a história e a religião, além de fronteiras, de mares e da continuidade territorial, e submeter-se à direção da superpotência do outro lado do Atlântico e prioritariamente interessada no Pacífico, responsável pela ordem (desordem) mundial desde o final da II Guerra?

Napoleão qualificou os conflitos entre países europeus como guerras civis. Durante uma receção ao corpo diplomático e aos membros do parlamento britânico, numa Europa pacificada pelo tratado de Amiens, comentou com Charles James Fox, chefe do partido Liberal e partidário de uma aproximação com a França: “Existem apenas duas nações, o Oriente e o Ocidente. A França, a Inglaterra e a Espanha têm os mesmos costumes, a mesma religião, as mesmas ideias, até certo ponto. É apenas uma família. Aqueles que querem vê-las em guerra querem a guerra civil.”

A guerra na Ucrânia seria mais uma guerra civil europeia, se não fossem interesses fora da Europa a transformá-la numa guerra de civilizações e de superpotências. A submissão da União Europeia aos Estados Unidos também teve o efeito de transformar uma questão europeia numa questão de divisão do mundo. Foi mais um sucesso desta Comissão, além das sanções, da inflação, da deslocalização de indústrias, do desvio de recursos financeiros, das carências energéticas, do abandono das políticas de ambiente, do desperdício de recursos.

A longa manobra de instalação pelo Ocidente (os EUA e a Inglaterra) de um regime abertamente hostil à Rússia, disponível para integrar a NATO e a deixar instalar no seu território armas de primeiro ataque decisivo, junto à sua fronteira — numa repetição da manobra do Ocidente na Polónia — levaram a Rússia e Putin a concluir que o Ocidente não só os excluía, como os cercava para os destruir e fazer capitular.

O discurso de Putin é muito claro na desfiliação da Rússia do Ocidente e do seu posicionamento do “outro lado”, assumindo o novo campo, o do Oriente, num choque que ele apresenta com grande clareza e crueza: “Como disse Solzhenitsyn, o Ocidente é caracterizado por “uma contínua cegueira de superioridade”. E: “ A confiança do Ocidente na sua própria infalibilidade é uma tendência muito perigosa. O liberalismo mudou para além do entendimento até ao ponto do absurdo, quando os pontos de vista alternativos são declarados subversivos e ameaças à democracia.”

E, como corolário do seu pensamento: “O Ocidente reivindica para si todos os recursos da humanidade.” — “A civilização ocidental não é a única, a maioria da população está concentrada no Leste.” — Por fim: “O período de indisputado domínio do Ocidente nas questões mundiais está a terminar”.

Pensar o futuro é equacionar as consequências já visíveis das decisões da União Europeia e dos atuais líderes europeus de alinharem na estratégia dos EUA de separar a Rússia da Europa, de evitar que a Rússia pudesse ser uma parte decisiva do Ocidente em termos civilizacionais, culturais, políticos, económicos e militares.

Do discurso de Putin, como de há dias do de Xi Jiping, presidente da China no Congresso do Partido Comunista, conclui-se que para estas duas grandes entidades políticas o mundo está irremediavelmente dividido entre Ocidente e Oriente. É nesse cenário de opostos que eles agem a todos os níveis, o político, o económico, o militar. É nesse cenário que elaboram as suas estratégias. A Rússia e a China e todo o Oriente vêm o Ocidente como a continuação de um império colonial, de um domínio que eles não aceitam desde o final da Segunda Guerra e contra o qual lutam desde o Movimento Descolonizador.

A União Europeia (em boa parte através da Inglaterra e após o Brexit através de Úrsula Van Der Leyen) atirou a Rússia para o lado de lá. Acresce que é do lado de lá que se encontram as reservas de energia e de matérias-primas que durante meio milénio asseguraram o poder do lado de cá, do Ocidente. Acontece ainda que o Ocidente colonial não deixou muito boas referências em África, nem nas Américas do Centro e do Sul, nem na Ásia, o que quer dizer que muitos Estados desses espaços serão tentados a concordar com a leitura que Putin faz dele, do Ocidente. Acontece ainda, embora não seja doutrina do Ocidente, que o Oriente apresenta uma muito maior diversidade cultural, política e civilizacional que o Ocidente, maior oferta de visões do homem e do mundo, um maior e mais profundo número de religiões e essa diversidade ideológica, que vai do xintoísmo ao budismo, ao hinduísmo, ao islamismo, ao confucionismo, ao cristianismo ortodoxo, traduz-se em energia e em última análise em poder, apesar das gritantes desigualdades sociais. Mas, como se sabe da história, não foi a miséria e a desigualdade que impediram a Inglaterra de ser o maior poder mundial. ´

O pensamento único que se impôs no Ocidente, a crença na sua superioridade, que Putin referiu no discurso são empobrecedores e enfraquecedores. São sintomas de derrota a prazo. E as derrotas começam normalmente numa fase de decadência do pensamento.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Bárbara Reis - Adriano Moreira, uma vida a explicar dois anos no Estado Novo

Adriano Moreira morreu este domingo. Tinha 100 anos (1922 / 2022)

A nova geração de historiadores olha para Adriano Moreira com distância e com reserva. Quis mudar o Estado Novo por dentro ou apenas suavizar o regime colonial?

* Bárbara Reis

23 de Outubro de 2022

  “Quando eu morrer, vão ler”, disse muitas vezes Adriano Moreira aos filhos. O professor, político e ministro do Ultramar no Estado Novo referia-se a Uma simples carta, um texto que escreveu em Abril de 1974.

“O meu pai dizia sempre isso: ‘Vão ler.’ Eu li-o muitas vezes ao longo dos anos. É um ensaio sobre a pobreza”, disse ao PÚBLICO Isabel Moreira, filha e deputada do PS, no Verão, quando o pai fez 100 anos.

A Carta abre o seu livro de memórias, A Espuma do Tempo — Memórias do tempo de vésperas (Edições Almedina, 2008), e começa assim: “Talvez não haja muito que contar, meus filhos, porque não são muitas as coisas que aconteceram que valha a pena reter e transmitir.”

Não foi bem assim. Na autobiografia, Moreira conta 460 páginas de “coisas”. Uma delas é a de que gostava de ser enterrado no cemitério de Grijó de Vale Benfeito, em Trás-os-Montes, onde nasceu.

Em 1974, quando tinha 52 anos, escreveu — na Carta — que lhe parecia “intolerável” o “afastamento” da terra onde nascera e onde estão enterrados os avós maternos. “Fomos criados no amor à terra, o que não tem apenas um valor simbólico.” Fisicamente seremos terra, diz, “solidários no pó como na vida”. O avô Valentim Alves, “anticlerical por tradição e católico por convencimento”, e o primeiro homem que Moreira viu morrer, resistiu à pobreza e à morte de cinco dos nove filhos como “uma das rochas da serra”.

Agora que morreu, aos 100 anos e dois meses, poderá não ser como quis e ele sabia-o: “Os meus filhos obrigam-me a ter âncora noutro lugar”, lamenta na Carta. Os pormenores do funeral continuam incompletos — sabe-se apenas que o velório é esta segunda-feira, no Mosteiro dos Jerónimos, a partir das 20h, e que haverá uma missa às 12h, no mesmo local, e que o enterro será uma cerimónia privada, desconhecendo-se se será em Lisboa ou em Trás-os-Montes.

Portugal das “jeiras”, “rebusco” e “galelo”

Dizer que Adriano Moreira nasceu noutra época é redundante. Basta pensar que no dia em que nasceu, Portugal “entusiasmava-se com o centenário da independência do Brasil” e que acabámos de celebrar o bicentenário.

Adriano José Alves Moreira nasceu em 1922 numa aldeia marcada pela pobreza, onde não havia “proletários” ou “trabalhadores”, mas “pobres”, diz nas memórias, como os avós maternos, agricultores, e os avós paternos, moleiros.

Uma aldeia onde os mais velhos falavam da I Guerra Mundial, mas também, ainda, “do martírio das invasões francesas, que não se tinha minorado na memória das gerações”, e à qual se chegava, ido de Lisboa, depois de uma viagem de 30 horas, incluindo a parte final que era feita de burro, entre a estação de comboios e a povoação.

Um tempo em que se usava a expressão “colheita do Senhor” para quando as crianças morriam — e morriam muito —, em que, no mundo rural, se dizia “regar a leira”, “pagar uma jeira com outra jeira”, se falava do “rebusco” (apanha do que fica no campo depois da colheita), do “galelo” (cachos que ficam na videira depois da vindima), em que a aguardente era “mata-bicho” com supostas “virtudes preventivas de doenças sérias”, o interior estava cheio de “viúvas de homens vivos” e, na igreja, os homens e as mulheres ficavam separados durante a missa.

Na sua aldeia, “não se conhecia a humildade”. “A justiça civil tinha pouca ocasião de intervir, salvo nos casos de furto” — conta nas memórias —, pois “a violência física e a morte de homem eram frequentemente problemas familiares”, “não se denunciava o agressor, se calhava fazia-se justiça privada, muitas vezes com a colaboração da aldeia, quando o culpado era de fora”.

“Não gosto do padre”

O avô materno não ia à missa. Andava já no liceu quando, finalmente, se atreveu a perguntar-lhe porquê:

— Não gosto do padre. E não é por ter dois filhos, que ninguém tem nada com isso. É porque empresta dinheiro a juros aos pobres.

O pai, que em Lisboa se tornou polícia, não tinha sapatos apresentáveis para ir fazer o exame da instrução primária à vila e foi com as botas emprestadas de um soldado, cheias de papel para não lhe caírem dos pés. Foi também na aldeia transmontana onde nasceu que uma tia o ensinou a ler e a escrever pela Cartilha de João de Deus antes da idade de ir para a escola.

Em 1923, os pais, António e Leopoldina, mudaram-se para Lisboa com o filho bebé. Viam-se como “emigrantes que vinham do norte” e o pai foi para uma das carreiras abertas para os pobres da província — a PSP. António Moreira reformou-se como subchefe ajudante na Administração do Porto de Lisboa. Contou muitas vezes — e muitos viram — que andava sempre com a fotografia do pai fardado de polícia no bolso do casaco e que, com frequência, a mostrava aos polícias com que se cruzava. Todos sublinham a raridade destes pais que, vindos da aldeia, quiseram muito que os filhos fossem para a universidade. A irmã de Moreira, Olívia Moreira, que tem 90 anos, licenciou-se em Medicina nos anos 1950 — e é também sempre sublinhado que é militante do PCP e os dois foram sempre íntimos.

Entre Trás-os-Montes e Trás-os-Montes

O livro de memórias vai do beco da Rua Estevam Pinto, em Campolide, Lisboa, onde morava com os pais, a Grijó de Vale Benfeito, em Trás-os-Montes, onde nasceu e passava as férias de Verão, “meses dos mais decisivos da minha vida”.

Moreira chama “emigrantes” às pessoas que iam para Lisboa de outros lugares em Portugal — “os meus pais emigraram não tinha dois anos”. Na capital, as pessoas viviam numa “espécie de colónias interiores”, organizadas por regiões. Por isso, Moreira cresceu em Campolide, mas “intimamente amarrado à aldeia transmontana” onde nasceu, conta a filha Isabel. “Há uma frase na Carta de que gosto muito: é quando o meu pai diz que ‘viajava entre Trás-os-Montes e Trás-os-Montes’.”

“A vida de um estudante pobre não era fácil nesse tempo.” Moreira andou no Liceu Passos Manuel e no Liceu do Carmo, para onde ia e voltava a pé para casa. O mesmo na Faculdade de Direito. Ficou amigo para a vida de colegas que entraram na faculdade ao mesmo tempo, em 1939: Manuel Gonçalves Pereira, Fernando Pedroso Rodrigues, João Rosas e Vicente Loff.

Dar com uma mãe, tirar com a outra

Em 1990, o historiador Manuel Loff — sobrinho de Vicente Loff — entrevistou-o para a sua tese de mestrado. A conversa entre o jovem estudante e o político reformado inclui os dois anos de Moreira no Ministério do Ultramar, a legislação reformista que introduziu, mal chegou, em 1961, e a “política de assimilação”, como se dizia na altura. “A minha política de assimilação era total!”, exclama Moreira. “Quer dizer: toda a gente tem os mesmos direitos políticos! Essa é que foi a inovação.”

A certa altura, Loff pergunta:

— Com os preâmbulos aos seis decretos que saem em Setembro de 1961, queria realmente fazer uma crítica à política ultramarina anterior?

A resposta:

— É evidente! Isso que lá está escrito não pode deixar de ser visto como uma crítica! Por exemplo: é evidente que existia no território português uma prática de trabalho compelido. Exactamente o contrário do que diziam as leis e as convenções internacionais. Era evidente que isso não podia continuar!

Sessenta anos depois, esta ideia continua a ser debatida. Os seis decretos do ministro Moreira — aprovados a 6 de Setembro, dia dos seus anos — foram reformistas. Mas até que ponto? Do mesmo modo, a pergunta do jovem historiador — e o seu “realmente” — está viva. Historiadores como Diogo Ramada Curto, Bernardo Pinto Cruz e Pedro Aires Oliveira, que têm estudado e escrito sobre este período e sobre as reformas relativas às colónias introduzidas em 1961, olham com distância, reservas e crítica para a acção de Moreira como ministro do Ultramar.

De tudo o que Moreira fez — como presidente do CDS, presidente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, deputado e conselheiro de Estado —, é sempre nos menos de dois anos como ministro do Ultramar que as conversas, entrevistas e investigações académicas se centram. “Adriano Moreira passou o resto da vida a gerir a memória daqueles dois anos no Ministério do Ultramar”, diz Ramada Curto ao PÚBLICO.

Na entrevista a Loff, que tem 28 páginas — e que foi dada quando Moreira tinha 68 anos —, o ex-ministro de António de Oliveira Salazar defende, citando a hoje controversa tese do lusotropicalismo proposta pelo sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, que quis uma “interpenetração de culturas” e a “igual dignidade das culturas” entre colonizadores e colonizados. “Não é transformar a população de África em europeus”, explica. Com a nova legislação de 1961, “deixa de haver diferenciação em matéria de direitos políticos que resultam do estatuto cultural das pessoas, ou étnico ou religioso”.​

Moreira entrou no Governo de Salazar em 1959, como subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, e avançou com as novas leis pouco depois de subir a ministro. De entre os célebres seis decretos, está a abolição do Estatuto dos Indígenas e a criação do Código do Trabalho Rural. Na sua leitura, a nova legislação defendia uma “autonomia progressiva e irreversível” das colónias e foi “uma etapa inovadora” — “não tenho dúvidas nenhumas sobre isso!”, diz na entrevista de 1990. As mudanças que propôs para o então “Ultramar” receberam “muita, muita oposição”, “como é natural”. “Não era a corrente de pensamento do Governo. Era uma corrente de pensamento de pessoas que se interessavam por estes problema.

Ao mesmo tempo que abolia o Estatuto dos Indígenas, no entanto, criava a lei das regedorias, sublinha Ramada Curto, que publicou ensaios sobre o tema. A lei das regedorias “fixava as populações nativas e colocava os chefes nativos na posição de colaboradores do Estado colonial, criando aldeamentos e, na prática, campos de concentração, uma vez que as pessoas não podiam sair sem a autorização do regedor, que era o chefe indígena”, diz o historiador. “Tira com uma mão e põe com a outra. Há um excesso de empolamento do lusotropicalismo e da ideia de reforma.”

Sobre Moreira conta-se sempre a história de como durou pouco no Governo e de como saiu. Foi a despacho com Salazar e o ditador não gostou das suas propostas. Ao que Moreira disse: “Não muda de política, muda de ministro.” É uma história que não está fechada. 

https://www.publico.pt/2022/10/23/politica/noticia/adriano-moreira-2025080

sábado, 22 de outubro de 2022

Bárbara Reis - Tens 12 anos? Não acredites em tudo o que vês no TikTok

Há dias, um miúdo de 12 anos queixou-se que, na escola, os rapazes são discriminados em relação às raparigas.

— Elas podem fazer tudo e ninguém diz nada. Nós, à mínima coisa, somos logo criticados.

Antes de eu poder responder, o rapaz avançou com um argumento de peso: a superioridade intelectual dos homens.

— Ainda por cima foram os homens que inventaram tudo o que é importante: electricidade, telefone, avião, computador, iPhone...

— Viste isso no TikTok?

Esta é uma conversa difícil: o que o rapaz de 12 anos viu no TikTok é verdadeiro, mas não é bem assim. Ou não é só isso.

Como é que se explica a uma criança que, durante séculos, as mulheres não podiam ser médicas, engenheiras ou cientistas e que, por isso, estavam afastadas dos laboratórios, universidades e empresas onde se inventavam as coisas?

Escrevi no Google a frase “men best inventions” e apareceu esta lista: prensa móvel, electricidade, carro, telefone, rádio, televisão, vacina, computador e avião.

O TikTok é um mundo estranho — é onde Khaby Lame tem 143 milhões de seguidores —, mas é uma fonte de informação do nosso tempo. Não dá para ignorar.

Quando ouvi a lista, pensei em Marie Curie, morta, e em Elvira Fortunato, viva.

Mal comecei a explicar que Curie descobriu o rádio e o polónio (e ganhou um Nobel por isso) e liderou o primeiro projecto de investigação sobre tratamento de tumores com radiação, já o meu interlocutor estava distraído. Nem cheguei ao primeiro ecrã totalmente transparente, que me pareceu ser uma invenção cool q.b. capaz de o impressionar.

Pensei que deveria preparar-me para uma segunda ronda e fui pesquisar “women best inventions”. Ada Lovelace é o nome mais frequente. É considerada a primeira programadora de computadores da história, ainda no século XIX, longe da invenção do computador. De novo, difícil de explicar.

— A Lovelace inventou o algoritmo ainda no século XIX.

— O que é um algoritmo?

A seguir falei de Grace Hooper, uma matemática pioneira da programação informática que, em 1955, inventou uma forma de compilar código informático. Falei em Evelyn Berezin que, em 1971, construiu “o primeiro verdadeiro processador do mundo”. Podia ter falado de Margaret Hamilton, directora da divisão do MIT que desenvolveu o software da missão Apollo para a NASA. Não cheguei lá.

Durante séculos, as mulheres estavam em casa e, por isso, as suas invenções brilham quase sempre na vida doméstica, na limpeza e na segurança. Passo a listar:

Martha Coston inventou o sistema de luzes de pedido de ajuda em alto mar (1859). Sarah E. Goode inventou a cama desdobrável (1885). Josephine Cochran inventou a máquina de lavar loiça (1886). Maria Beasley inventou o bote salva-vidas maleável (1880). Letitia Mumford Geer inventou a seringa que se usa só com uma mão (1896). Mary Anderson inventou o limpa-pára-brisas (1903). Elizabeth Magie Phillips inventou o jogo Monopólio (1904). Melitta Bentz inventou os filtros de papel para as máquinas de café (1908). Beulah Louise Henry inventou a máquina de fazer gelados em casa (1912). Lillian Moller Gilbreth inventou o caixote de lixo com pedal de pé e as prateleiras dos frigoríficos, incluindo os separadores para a manteiga e para os ovos (anos 1920). Marion Donovan inventou as fraldas descartáveis (1949). Mária Telkes inventou a máquina de dessaliniza água com energia solar (1942). Bette Nesmith Graham inventou o corrector líquido que apaga a tinta (1956). Stephanie Kwolek inventou a fibra Kevlar, resistente ao calor, cinco vezes mais forte do que o ferro e usada nos coletes à prova-de-bala (1965). Etc.

Também há inventoras do mundo “fora de casa”: Jeanne Villepreux-Power inventou o aquário de vidro (1832). Ellen Eliza Fitz inventou o globo com pé (1875). Margaret Knight inventou a máquina de fazer sacos de papel (1868). Erna Schneider Hoove inventou o call center (1954). Mary Sherman Morgan descobriu a fórmula do combustível Hydyne-LOX, que permitiu aos EUA lançarem o primeiro foguetão para o espaço (1958). Rachel Louise Carson fundou o movimento ecologista (1962). Dorothy Hodgkin descobriu a estrutura atómica da penicilina e da insulina (1964 e ganhou um Nobel por isso). Patricia Bath inventou o Laserphaco Probe, máquina de laser que trata as cataratas (1981). Etc.

Estas listas são mais do que incompletas e desactualizadas. Mas são o que os miúdos encontram na Internet.

​Em 1953, o New York Times publicou uma pequena notícia cujo título era: “British Women Scientists Think Men Are Smarter”. É isso mesmo que leu: mulheres cientistas britânicas pensam que os homens são mais inteligentes. Quase 70 anos depois, o TikTok que as nossas crianças vêem repete o absurdo.

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Carlos Matos Gomes - A guerra da Ucrânia não é um videojogo!

* Carlos Matos Gomes, 

in Medium.com, 20/10/2022

Dos delegados da propaganda aos missionários — dos jornalistas aos historiadores

Da ciência às mezinhas


Amedicina começou por ser um conjunto de práticas de senso comum: uso de determinadas substâncias associadas a melhorias, de ações de tipo mágico-religioso. Muitas doenças eram atribuídas a humores, a ações de agentes maléficos, de mafarricos, de invejosos, de hereges, de filhos do diabo. A epilepsia, por exemplo era fruto de um demónio que se infiltrava no ser humano. Mas a medicina passou a ser uma ciência quando utilizou o diagnóstico para explicar as doenças e procurar um remédio. O diagnóstico é um processo analítico para chegar a uma conclusão. Vamos ao médico para receber uma síntese baseada em elementos científicos, que incluem habitualmente técnicas e exames complementares.

Eu confio nesta abordagem científica das situações que dizem respeito à minha saúde. Já o mesmo não posso dizer das que me são apresentados nos estúdios de televisão por muitas personagens subtituladas com pomposos graus académicos e que dali, do púlpito televisivo, proferem diagnósticos sobre a guerra da Ucrânia. Tem sido um festival de historiadores e politólogos, além de generalistas de largo espetro para quem a ciência é uma prática esotérica, que segue a mesma metodologia da apreciação futebolística. Ainda não perdi a esperança de ver um desses artistas repetir a façanha da cabra dos antigos saltimbancos de feira, que se equilibrava num pé de cadeira e dali balia aos espetadores!

Eu não aceitaria que um médico explicasse a minha situação clinica com base nos humores carregados, do olhar de quem me quer mal, que as dores nas cruzes se deviam ao desejo de subir aos céus, que um médico me aconselhasse a ter cuidado ao sair de casa porque um vizinho estava com más intenções. Que referisse uma doença como o “bicho” que tomou conta dos meus ossos.

Ora, o que tenho ouvido quanto a explicações de historiadores e comentadores a propósito da guerra da Ucrânia é do tipo dos curandeiros, dos exorcistas e dos pregadores da inquisição. Historiadores e diplomados em ciência política, professores e professoras, doutores e doutoras nas mais diversas escolas apresentam como razão para a guerra na Ucrânia os maus humores de Putin! Ou a sua paranoia! Ou um mal inominável. Ou os traumas da infância! Há quem tenha mandado uma imagem de uma deusa local (sempre referida como a nossa Senhora de Fátima, imagem peregrina número 2) para a Ucrânia a fim de vencer e converter a velha Rússia e houve reportagens e atestados de historiadores e comentadores a garantir que a virgem, as rezas e as cerimónias sortiam efeito contra invasões dos bárbaros!

Há mestres na matéria da História e da Ciência política que, depois do que o saber europeu já parecia ter estabelecido quanto aos interesses como base de toda a ação política, incluindo a guerra, reduzem a história, a política e a guerra às taras de um homem, aos seus humores, aos seus demónios.

Há “historiadores” e “cientistas políticos” para quem, aplicando o seu método de diagnóstico dos acontecimentos do passado, explicariam as cruzadas com o verdadeiro desespero místico do papa Urbano quanto à sorte do Túmulo de Cristo em Jerusalém, vazio há mais de mil anos e não, como é corrente, ao facto da cristandade cuja sede fora estabelecida em Roma já se sentir suficientemente forte para ocupar a região do Médio Oriente, decisiva para o comércio. E também explicariam a independência de Portugal com o aparecimento de uma cruz nos céus de Ourique, a Afonso Henriques. E explicariam a perseguição aos judeus não pelo seu poderio financeiro, mas pelo corte de cabelo ou a circuncisão.

Utilizar termos tão científicos como: criminoso, sanguinário, desapiedado, genocida, novo czar, filho desta ou daquela, paranoico, a um dirigente político — no caso Putin — é reduzir a análise da história aos impropérios que devem ter começado quando o Caim matou o irmão Abel. É explicar uma fase da história das civilizações do Mediterrâneo com a metodologia das revistas cor-de-rosa, dos amores de Cleópatra com Marco António, por exemplo; é explicar a reconquista cristã da península com os amores de uma princesa árabe por um príncipe cristão, ou ao contrário!

Ouvir estes historiadores e estes cientistas políticos explicarem a guerra da Ucrânia pela maldade de um homem é acreditar que a história contemporânea de Portugal pode ser entendida com a leitura da primeira página do jornal Correio da Manhã, a história de Inglaterra com as primeiras páginas dos vários tabloides, que a história do Mundo é a dos noticiários da FOX e da CNN americanas, ou entender a história como os videojogos da Marvel, do homem dragão!

A guerra da Ucrânia já tinha desnudado os jornalistas, transformados em meros delegados de propaganda, também despiu dos mantos da credibilidade científica alguns (bastantes) historiadores e politólogos, que em vez da utilização de um método tão neutro quanto possível para obter uma conclusão racional preferiram os seus preconceitos e uma linguagem de vidente ou de pregador, ou até de condutor ofendido no seu direito à prioridade num cruzamento.

A história, a sua interpretação, os seus interesses, os seus atores não são um enredo de super-heróis da banda desenhada. Mas é essa a versão que nos está a ser vendida!

Há historiadores e politólogos que abordam a história da guerra da Ucrânia com o argumento cientifico de um biólogo que explicasse o ataque de um leão a uma gazela como fruto da maldade do leão, e não à sua necessidade, enquanto carnívoro, de caçar.

https://estatuadesal.com/2022/10/20/a-guerra-da-ucrania-nao-e-um-videojogo/

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Oleg Yasinsky - La conquista de América en el espejo de estos tiempos


* Oleg Yasinsky

Esta semana pasó con múltiples discusiones, menciones y maldiciones en torno del aniversario de la conquista de América, una fecha en que se desencuentran diferentes miradas y lecturas de los que se sienten herederos de los vencedores, de los vencidos y de una pequeña minoría en vías de extinción que se considera en resistencia. 

Creo que más allá de la constatación del hecho irrefutable de un encuentro entre civilizaciones, agregando a los europeos y a los indios, los descendientes de África y de Asia, sin quienes el actual continente americano tampoco sería posible, un poco de respeto por la verdad histórica nos debería hacer recordar también el peor genocidio en la historia de la humanidad, que fue no solo el exterminio de los pueblos indígenas con sus mundos y sus culturas, incluyendo la bestial esclavización de los negros, sino también el inicio de la vieja tradición europea de cancelar a la civilizaciones enteras, cuando no se entienden, no encajan o no se someten.

Más allá del discurso romántico de los grandes descubrimientos y el reconocimiento de una gran valentía del puñado de hombres que a través de los mares, las montañas y las selvas se abrían paso hacia lo desconocido, sabemos que su principal motivación no dista de la de los conquistadores de hoy: el oro y el poder mundial. Cambiando las pesadas armaduras con cascos por los elegantes trajes con corbatas, estamos viendo que siglos tras siglos seguimos insertos en la misma lógica primitiva de la deshumanización, del saqueo, de la explotación y la destrucción del otro, que la mirada tecnócrata de los mosquetes disparadores de rayos mortales y de los teclados que derrumban o alzan los mercados financieros, no se ha cambiado en lo más mínimo, solo que el lugar del loro en el hombro del pirata de entonces hoy lo ocupa un intelectual de izquierda para repetirnos su mantra preferido sobre 'la economía social del mercado'.

La relación es directa.
No olvidemos que justamente el 'descubrimiento' (entre comillas) y el saqueo (sin comillas) del continente americano hicieron posible la industrialización de los imperios europeos y su rápido y seguro salto al capitalismo

Con el pasar de los siglos, los imperios no dejaron de ser tales, todo lo contrario. Pero aprendieron y siguen aprendiendo a imponer sus intereses con una mayor eficiencia; las invasiones de los conquistadores, los piratas o los marines a los países desobedientes son reemplazados por el financiamiento de la prensa opositora y la aplicación de las sanciones económicas. Las ejecuciones financieras no generan tanta indignación entre los defensores de los derechos humanos, aunque sus víctimas sean los pueblos enteros. Las redes sociales llegan a ser más eficientes que los tanques de guerra y las pantallas de televisión más destructivas que los misiles. Las masacres son cada vez más fotogénicas y la prensa es cada vez más dócil. Todo este cuadro, el más obvio, es el que describe el lado de los opresores.

Miremos hacia la parte más interesante y compleja: a los oprimidos, que se supone ya están cambiando sus arcos y flechas por otras armas que les (nos) permitan recuperar algo de esperanza para reconquistar las tierras y los cielos robados. Miremos hacia abajo.

Los pueblos indígenas de América no solo sufrieron la peor 'cancelación' cultural y exterminio, antes cazados como animales y hoy convertidos en extranjeros en sus propias tierras, sino que también, a pesar de todo, supieron salvar sus culturas y sus lenguas, el conocimiento prohibido junto con el sueño inconcluso se entregaba de generación en generación, junto con la sabiduría de vivir en armonía y equilibrio, dentro de los ciclos naturales de nuestros soles y nuestras lunas, sacando las fuerzas de los vientos y las lluvias y cuidando a la Madre Tierra. Pero el mejor aprendizaje de los pueblos indígenas ha sido su arte de resistencia.

Cuando los partidos políticos se envejecían y transaban con el poder, mientras sus líderes se vendían o se regalaban a sus enemigos históricos, lejos de las cámaras televisivas y en lugares remotos, de tan pocos votantes que nunca vale la pena invertir las limosnas y las promesas, las comunidades indígenas, sin ilusiones de ningún tipo, ya que desde hace siglos lo han perdido todo, se estaban organizando

Mucho antes que nosotros ellos entendieron que en esta guerra de exterminio, la que fue toda su historia dentro del 'mundo civilizado', su única manera de sobrevivir y resistir era organizándose. Aparte de las lenguas ellos conservaron otras cosas valiosas: los valores comunitarios y la costumbre de trabajar en colectivo, elementos peligrosos e incompatibles con el capitalismo. Por ejemplo, eso de no querer vender la tierra porque es madre, es sagrada, que allí están los huesos de los ancestros y esa subversiva idea de que la tierra no nos puede pertenecer porque somos nosotros los que pertenecemos a ella, porque la tierra es como el aire, como el agua como el fuego, como la memoria.

El siglo XXI se anticipó el 1 de enero de 1994 con la rebelión armada zapatista en el estado Chiapas, en el sur de México. Se cumplía la promesa maya del fin del mundo, que en realidad fue el fin de un mundo, para abrir la puerta a los nuevos mundos que nacen. Lo nuevo nacía contra 'la tradición' y contra 'el progreso', contra las biblias revolucionarias y contra las prédicas del fin de las luchas, contra el pelo de la historia, para construir un nuevo sueño de la sociedad humana con suficiente espacio para todos. Luego en Bolivia, Ecuador, Colombia y Chile, con una fuerza inusual e inesperada, surgieron otros movimientos indígenas, en su gran mayoría sin resentimientos ni victimizaciones, sino con una claridad de esta sabiduría ancestral integradora, planteando las posibilidades de la construcción de un futuro entre todos, indígenas y no indígenas, sin violencia, respetándonos en las enormes diferencias de nuestros modos y creencias y construyendo entre todos otra democracia, por fin, la verdadera, la comunitaria, participativa, donde el poder no puede ser fuente de riqueza y de ningún tipo de privilegios.

Los movimientos indígenas de las últimas décadas, independientemente de su masividad e influencia, en muchos casos bastante modestos respecto a la totalidad de la población de sus países, sin embargo suelen representar la fuerza política más madura y consecuente; mientras más los partidos y los 'gobiernos progresistas' se acomodan dentro de la lógica capitalista, los indígenas refuerzan una mirada totalmente distinta: la defensa de los valores colectivos, un rechazo total a la lógica depredadora del sistema dominante y la resistencia a las corporaciones transnacionales que invaden hasta los lugares más remotos, destruyendo todo a su paso. Todo esto los convierte igual que hace 500 años en el principal y el más peligroso enemigo de los conquistadores, que esta vez vienen no solo por el continente Americano, sino por todo el mundo.

En el espejo de la historia de América ahora vemos al planeta entero
Los que en estos días anulan y satanizan culturas completas están repitiendo lo mismo que sus antepasados hace solo unos cuantos siglos, los que negaban la posibilidad de que los indios tuvieran alma. Las guerras por el oro de entonces se disfrazaban de 'la necesidad de traer la fe y la civilización' a los ignorantes salvajes, exterminándolos y esclavizándolos. Hoy la lucha por el gas, el petróleo y el resto de recursos naturales se presenta como acciones 'en apoyo de la democracia y de los derechos humanos'. Los que cuestionan, resisten o por lo menos dicen abiertamente lo que piensan, igual que ayer, son declarados enemigos de la civilización y la democracia.
Por eso en las grandes oficinas del sistema desde hace un poco más de 500 años siguen colgadas intactos los mapas de la conquista.

Las declaraciones y opiniones expresadas en este artículo son de exclusiva responsabilidad de su autor y no representan necesariamente el punto de vista de RT.

 Russia Today 2022 10 17



Gravuras da responsabilidade de Victor Nogueira
https://actualidad.rt.com/opinion/oleg-yasinsky/445013-conquista-america-espejo-estos-tiempos

Carmo Afonso - Estragaram-se duas sopas de tomate

* Carmo Afonso

Acreditamos na emergência climática? Sim. Estamos dispostos a mudar a nossa vida por causa dela? Não. A atitude perante o descalabro ambiental é absolutamente autodestrutiva.

Ainda pensei que fossem Campbell, as sopas de tomate usadas pelas duas ativistas climáticas, na sexta-feira, no National Gallery em Londres. Poderia ser um ataque da Arte Pop a Van Gogh. Mas não; eram Heinz. O vídeo ficou viral em minutos. Milhares de pessoas expuseram a sua revolta e indignação perante a tentativa de destruição da pintura, “Girassóis”, avaliada em 86 milhões de euros (montante que ouvimos repetidamente).

As ativistas foram duramente criticadas pela sua ação e não sabemos ao certo se sabiam que o quadro estava protegido ou se pretenderam de facto fazer estragos. Ações semelhantes visaram outras obras de arte e é sabido que todos os activistas estavam cientes de que estavam protegidas e que pretendiam apenas chamar a atenção para a causa climática. Há uma forte possibilidade de também ter sido o caso aqui.

O que vale mais, a arte ou a vida?

Esta foi a pergunta formulada pelo movimento a que pertencem e que deveria ser respondida. Na visão do Just Stop Oil, as pessoas valorizam mais a arte e foi isso que as duas activistas tentaram demonstrar. Nesse aspecto, a ação foi um sucesso absoluto. Se tivessem atacado uma pessoa, em vez de um quadro de Van Gogh, esse ataque não teria tanta repercussão.

Têm dúvidas?

Em abril deste ano um ativista climático imolou-se em frente ao Supremo Tribunal, em Washington, e morreu. Chamava-se Wynn Bruce, tinha 50 anos e protestava contra a destruição do planeta. A notícia não mereceu destaque. Talvez poucos se lembrem, ou sequer saibam, que aconteceu. Claro que obras de arte são mais valorizadas que vidas humanas.

Mas não era esse o sentido da pergunta das ativistas. Falavam da vida no planeta e na vida das pessoas na globalidade e era o seu valor que comparavam com o da arte. Mas, também neste sentido, têm razão. A ameaça de dano de uma obra de arte tem mais impacto do que a perspectiva de abismo que os cientistas apontam como sendo a direção que seguimos.
i-video

Activistas do Just Stop Oil atiraram sopa aos Girassóis de Van Gogh e depois colaram-se à parede. A pintura não sofreu estragos. REUTERS,JOANA GONÇALVES

Podemos dizer que danificar uma obra de arte, ou mesmo simular esse dano, não é a forma adequada para fazer passar a mensagem da emergência climática. O que é certo é que ainda ninguém descobriu qual é a fórmula certa para nos sensibilizar para o problema.

Acreditamos na emergência climática? Sim. Estamos dispostos a mudar a nossa vida por causa dela? Não. A atitude perante o descalabro ambiental é absolutamente autodestrutiva. Não vale a pena ir aos exemplos. Sabemos todos que o nosso comodismo egoísta e de curto alcance prevalece sobre a disciplina e o bom senso.

As ativistas tinham mesmo razão. As reações que desencadearam demonstraram-no amplamente. Não queremos ouvir o que têm para dizer e até pode dar-se o caso de serem sacos de vento, como tantos que há por aí, mas não é essa a razão para não as queremos ouvir. Fomos os clássicos velhos de espírito: sentimos muita estima pelo quadro de Van Gogh, que ainda por cima é tão valioso, mas muito pouco pelo próprio planeta. Reagimos em barda, e como cães de Pavlov, à imagem da sopa de tomate derramada na pintura, mas somos incapazes de – mesmo depois de saber que está intacta – perder uns minutos a pensar sobre o que aquelas duas raparigas queriam dizer.

Há outro aspecto importante aqui: é que ninguém gosta de fazer figura de parvo. E estas ativistas também provocaram isso. A generalidade das pessoas que partilharam o vídeo, e que manifestaram as suas críticas à ação das duas jovens, não sabia de todo que o quadro estava protegido. Todos se precipitaram a elaborar relambórios sobre a perda inestimável, a importância da arte e a gravidade do crime. Para nada. A obra estava protegida, como costumam todas estar. As pessoas podem perdoar muitas coisas, mas não que as ponham a fazer figuras destas. Também por isso, as jovens não caíram nas boas graças da opinião pública.

Um ato, que parecia ser radical, foi uma partida. Radical foi Van Gogh quando cortou a própria orelha, radical foi Wynn Bruce e radical é o que a comunidade científica nos diz sobre o futuro da humanidade e do planeta.

As ativistas foram detidas, mas, vamos lá ver, não é que tenham tentado fugir. Pelo contrário, colaram-se à cena do crime. Nem aí se pode encontrar a sua derrota. Ter-lhes-á corrido tudo de feição.

Estragaram-se duas sopas de tomate e as pessoas ficaram muito zangadas. O ativismo climático não marcou pontos junto da opinião pública. Se o objectivo fosse esse, teria falhado. Mas a obra está a salvo, as pessoas zangadas é que não.

Advogada
  17 de Outubro de 2022
https://www.publico.pt/2022/10/17/opiniao/opiniao/estragaramse-duas-sopas-tomate-2024262

domingo, 16 de outubro de 2022

Oleg Yasinsky - La deshumanización: Ucrania como laboratorio


* Oleg Yasinsky
(Observatorio Internacional de Conflicto Ucraniano) 

En las redes sociales en ruso se han viralizado estas dos imágenes: una, la de transeúntes en Kreschatik, la calle central de Kiev, posando con el fondo del puente de Crimea en llamas producto de un ataque terrorista ucraniano; y otra, la de cadáveres de civiles a punto de ser enterrados en una fosa común, “colaboradores de los rusos” víctimas de un grupo paramilitar nazi bajo el mando del Gobierno de Zelenski.

 
Esta no es la primera vez, hace unos días veíamos las fotos de un soldado ucraniano cocinando en una olla las cabezas de soldados rusos y hace un par de meses supimos de una ‘start up’ de un negocio culinario en Kiev: tortas con los retratos de militares rusos asesinados.

Nací y crecí en la Ucrania soviética, una república que era parte de una enorme diversidad de pueblos, culturas, paisajes e historias de aquel gran país que ya no existe. Pero dentro del gran mosaico humano de la antigua URSS no hubo pueblos más cercanos que el ruso y el ucraniano, que todavía nos parecen a muchos dos expresiones inseparables de una misma cultura. Dentro de las diferentes regiones de cada uno de estos países hay muchísimas más diferencias que entre ellos mismos, que comparten las mismas costumbres, el mismo idioma y la misma memoria de siglos juntos. Mientras más diferencias buscamos entre nosotros, más parecidos nos vemos. Y no se trata de la uniformidad inexistente: tenemos las mismas raíces, los mismos referentes culturales y físicamente somos prácticamente lo mismo. Con la separación de Ucrania de la URSS, la existencia esta última perdió su sentido, ya que esta república representaba un tercio de su potencial económico y científico.

Las raíces de la actual tragedia ucraniana hay que buscarla entre los escombros humeantes de la Unión Soviética, ya que el masivo ataque mediático occidental contra sus pueblos empieza justamente en los tiempos de la Perestroika, imponiéndole a la población de su principal enemigo ideológico “las nuevas ideas democráticas” que tenían que socavar las bases de nuestro proyecto histórico. Y desde su inicio, este trabajo de formateo mental en nosotros fue muy exitoso.

El modelo del socialismo burocrático, con el pensamiento social estancado, sin participación ciudadana en discusiones políticas, lleno de dobles estándares y dirigido por la envejecida y desvinculada de su pueblo cúpula del Partido Comunista, generó en la población de la URSS una gran ingenuidad ideológica e infantilismo social. Cuando en los tiempos de Gorbachov los primeros grandes medios “se liberaron” y pasaron al servicio del capitalismo mundial, rompiendo todos los tabúes de décadas, empezaron suavemente con la crítica de las represiones de Stalin para “mejorar” o “democratizar” al socialismo, luego atacando a Lenin y a su partido y terminaron convenciéndonos de que el capitalismo, la democracia y el bienestar general eran sinónimos.

Se cambiaba el lenguaje. Los defensores del socialismo se llamaban “conservadores” o los procapitalistas eran “los progresistas”. La historia de la URSS en los últimos años de su existencia se nos presentaba como la crónica del “imperio del mal” o, en el mejor de los casos, como un grave y lamentable error político que había que corregir para volver a la feliz familia de “los pueblos civilizados”. Los expropagandistas del Partido idolatraban a Pinochet y hablaban del “milagro económico chileno” como el mejor modelo a seguir y nos convencían de que éramos el pueblo más desposeído y engañado del planeta, que debíamos superar nuestro oscuro pasado y aprender del “mundo democrático”. Los niños en escuelas todavía con retratos de Lenin ya no querían ser cosmonautas, sino que soñaban con ser grandes mafiosos, como los héroes de las nuevas películas; y las niñas, en vez de querer ser maestras o enfermeras, deseaban ser prostitutas de élite, el personaje romántico femenino más promovido por las modas de la época. En los escombros del mayor país socialista del mundo, se instauró el capitalismo salvaje y nosotros aprendimos a vivir “como todo el mundo”.

En el caso particular de Ucrania, una república geográfica y climáticamente privilegiada, que en la época soviética llegó a presentar además, los mejores niveles del bienestar y desarrollo, la propaganda anticomunista siempre iba acompañada de propaganda antirrusa, acusando al país vecino de todos los males y problemas de nuestro “evidente subdesarrollo” y prometiéndonos que si nos alejábamos de “nuestra eterna opresora Rusia”, como máximo al cabo de un par de años, nuestro nivel de vida sería mínimo como el de Suecia. Los exsoviéticos estábamos acostumbrados a creer en la palabra de las autoridades y de los medios, y sabiendo leer entre líneas la propaganda oficial de la URSS, teníamos una nula capacidad crítica para con los medios occidentales de esos nuevos tiempos. Ucrania, independizada de la URSS como resultado del mayor fraude histórico cometido por las corruptas autoridades del país, en complicidad con sus nuevos aliados occidentales, empezó a alejarse económica y políticamente de Rusia y demoró un poco más de una década para convertirse en el país más pobre de Europa.

Mientras tanto, la OTAN, siempre dirigida desde Washington y violando todos los acuerdos y promesas previos, siguió su imparable expansión hacia nuestras fronteras. En las elecciones presidenciales ucranianas del 2004, los EE. UU., después de una pequeña revuelta pseudociudadana conocida como “la Revolución Naranja”‘, llevaron al poder en Ucrania a su candidato Víktor Yúschenko. En 2005, recién asumiendo el poder, Yúschenko declaró la intención de su Gobierno de ingresar rápidamente a la OTAN, provocando así una primera grave tensión en las relaciones de su país con Rusia. Creo que podemos considerar este momento como un punto de no inflexión en las relaciones entre Rusia y Occidente, cuando Ucrania se convierte definitivamente en un tablero de ajedrez del conflicto geopolítico entre Washington y Moscú. Solo dos años después de eso, en la Conferencia de Seguridad de Múnich en 2007, Vladímir Putin pronunció su famoso discurso, cuando por primera vez de forma directa enfrenta al Gobierno norteamericano. El presidente ruso acusaba a los EE. UU. de tratar de imponer sus reglas y su voluntad a otros países, dijo que el modelo unipolar era imposible e inaceptable en el mundo moderno y criticó la expansión de la OTAN, que consideraba provocativa y reducía el nivel de confianza mutua.

Los Estados Unidos, preocupados por el crecimiento de la influencia mundial de China y por la sólida y soberana situación de Rusia, que cada vez más firme declaraba la existencia de sus interesas y afianzaba una buena relación con Alemania, amenazando con convertirse en un nuevo polo de poder independiente de Washington, empiezan a actuar con más decisión. Ucrania es proyectada como una punta de lanza para desestabilizar a Rusia y enfrentarla con Europa Occidental y eligen como su primer aliado natural al nacionalismo ucraniano, promovido por la prensa anticomunista postsoviética y especialmente por su títere, el Gobierno de Yúschenko.

El discurso antisoviético y antirruso se convierte en uno solo. Las conmemoraciones anuales de la tragedia del Holodomor, que tuvo varias causas y costó la vida a millones de campesinos ucranianos y rusos en las repúblicas soviéticas de Ucrania y Rusia en los años 30 del siglo pasado, se convirtió en un importante evento institucional de repudio, ya que se presentaba como “el genocidio de los campesinos ucranianos por parte de los rusos”. En Ucrania aparecieron múltiples organizaciones nacionalistas* financiadas desde diferentes fuentes extranjeras cuyo objetivo era contagiar con su mística y romanticismo a la juventud de un país que se empobrecía y era bombardeado por los medios del poder, haciéndola cada vez menos conocedora de su propia historia.

A diferencia de los tradicionales partidos políticos que fueran de derecha o izquierda, los nacionalistas se veían más activos, más motivados y, sobre todo, más creativos. Los culpables de todos los males de Ucrania fueron definidos: los comunistas y los rusos.

En el 2010 viajé a Ucrania occidental, a los pueblitos de los Cárpatos de donde surgió el movimiento nacionalista. Se veía una gran pobreza y abandono. Muchas casas dejadas y en las calles poca gente; la mayoría de los hombres y las mujeres jóvenes trabajaban en los países de Europa en lo que fuera, aquí no se veía ni trabajo ni plata ni esperanza. Para mi gran sorpresa y a pesar de las creencias, el común de la gente no era ni antirrusa ni admiradores de los nacionalistas; estaban demasiado emproblemados como para pensar en estas cosas. Pero los partidos nacionalistas estaban presentes. Fueron la única fuerza política organizada y con recursos y en las paredes y las librerías había espacio solo para su versión de la historia. La gente común sabía que tenían armas y apoyo desde arriba y por eso simplemente prefería no meterse con ellos.

Pasaron 4 años y aprovechando la debilidad y falta de iniciativa de las viejas y corruptas fuerzas políticas tradicionales de Ucrania, los grupos nacionalistas, entrenados, financiados e inspirados por el Occidente encabezaron las protestas contra el Gobierno legítimo ucraniano y dieron el golpe de estado, conocido mediáticamente como “La revolución del Maidán”. Las fuerzas que, bajo un directo control del Departamento de Estado de los EEUU y de la CIA, llegaron al poder en Kiev presentaron una inquebrantable alianza entre el neoliberalismo y el fascismo, a pesar de la aparente diferencia entre estas dos ideologías.

El proyecto nacional ucraniano puede ser definido como “Anti-Rusia”, y cualquiera que vea un par de programas de los medios oficiales ucranianos de los últimos 8 años verá que no es ninguna metáfora. En pocos meses, lograron dividir el país, desatar una guerra civil y establecieron el poder más represivo y antidemocrático de Europa. Igualaron legalmente las ideas del comunismo con las del fascismo, prohibiéndolas ambas, con la diferencia de que por el uso de la hoz y el martillo se puede ir preso, pero por la esvástica obviamente no, porque es de los adornos preferidos de su Ejército, incluyendo la pulsera del comandante en jefe. Cortaron todas las comunicaciones y lazos con Rusia, dejando a millones de familias divididas. Llenaron las calles con paramilitares de ultraderecha y las cárceles con presos políticos, prohibieron a toda la prensa independiente. Destruyeron los restos de la industria, la ciencia, la cultura, la salud y la educación del país, enseñando a los jóvenes la ignorancia y el odio.

Nada de esto sería totalmente posible sin un profesional y eficiente trabajo mediático que en pocos años ha logrado generar un mundo paralelo, envenenando gravemente la conciencia de millones de personas. Después de un holograma de revolución que fue no más que un enroque de élites oligárquicas, se construyó el holograma de un país independiente, donde lo único real es la sangre de sus habitantes convertidos en rehenes de la locura nacionalista y carne de cañón del imperio que sigue intentando mandar en el  mundo.

*El termino “nacionalista” es utilizado en el espacio post-sovietico para referirse a los movimientos de extrema derecha

octubre 16, 2022
 
https://wwwhttps://diario-octubre.com/2022/10/16/la-deshumanizacion-ucrania-como-laboratorio/?fbclid=IwAR2gF5Tvw39ZxkmTPNZ55iiNvRJlv1bQM2FYAOqxCd5mrrNx2ysw6dNvYt0.euskalherria-donbass.org/2022/10/15/la-deshumanizacion-ucrania-como-laboratorio/



terça-feira, 11 de outubro de 2022

Filipe Chinita - viagem.mínima.

* Filipe Chinita

11/10/2022, 17:24
 

viagem.mínima. 
no prazer 
de me 
ir 
bem conduzindo.
cousa... que amo!
hoje passei 
pela ribeira do divor.
pela ribeira da raia.
pela barragem de montargil.que amo.
nunca nela me tendo banhado
e pela ribeira de erra...
a.travessando pelos 
concelhos 
de 
monte mínímo...
(o... 
que 
de 'levantado do chão'
passou à execrável 
estupidez
de  
'sabe muito bem')
.
o
coruche
(do couço)
.
mora 
.
ponte de sor
.
(tudo 
terras nossas
que tudo! 
perdemos
menos o 
couço)
.
imaginem-me 
só 
a dor 
de todo 
este atravessar
.
quantas hstórias
na minha 
cabeça
.
fui 
e voltei
dos foros do moucho
(pela farinha branca
terra preta)
aos foros do arrão
- almoçámos carne de porco 
à alentejana. no pintadinho.
face a face -
.
foros...
das pinhas... 
quasi ribatejo.
de ida
pela 
N2
pela 
bem.posta
para abrantes 
.
a... do (já) tejo
.
que 
deste lado... 
está o além
.
fj
16.38
11.10.2022
o além...
das distâncias solitárias 
sem fim e sem 'viv.alma'
__________________________________
pensar 
que de todo o distrito de évora
nos resta.m apenas 
évora.concelho 
(em minoria 
absoluta)
arraiolos 
(não sei... 
em que maioria)
.
mas 
o mais engraçado
é que ninguém
tem culpa
alguma
de 
nada.
nem 
de cousa alguma
.
como é aliás... 
(de) hábito 
entre 
nós