sábado, 21 de janeiro de 2023

Eugénio de Andrade - Poema XVIII

 * Eugénio de Andrade

Impetuoso, o teu corpo é como um rio
onde o meu se perde.
Se escuto, só oiço o teu rumor.
De mim, nem o sinal mais breve.
Imagem dos gestos que tracei,
irrompe puro e completo.
Por isso, rio foi o nome que lhe dei.
E nele o céu fica mais perto.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

 

Trazer nos versos a «consciência do mundo» - Evocação de Eugénio de Andrade (1923/2005) no centenário do seu nascimento

ª Domingos Lobo


Jorge Pi­nheiro

Eu­génio de An­drade, pseu­dó­nimo li­te­rário de José Fon­ti­nhas Neto, nasceu em Póvoa de Ata­laia, con­celho do Fundão, a 19 de Ja­neiro de 1923. Filho de cam­po­neses, o pai aban­donou a fa­mília era Eu­génio ainda cri­ança. Aos oito anos, mudou-se com a mãe para Cas­telo Branco, numa pas­sagem breve, fi­xando-se em Lisboa a partir de 1932. Na ca­pital fre­quen­tará o liceu Passos Ma­nuel e a Es­cola Téc­nica Ma­chado de Castro.

A vo­cação li­te­rária de Eu­génio de An­drade foi pre­coce, co­meça a ma­ni­festar-se por volta dos seus doze, treze anos. O gosto pela lei­tura leva-o a fre­quentar as bi­bli­o­tecas pú­blicas de Lisboa, a des­co­brir o mundo vasto e fan­tás­tico da lei­tura dado que, diz-nos ele em Rosto Pre­cário, «em casa havia apenas um só livro, uma Vida de Santos que nin­guém lia». Jack London, Júlio Verde, todo o Eça, Ale­xandre Dumas, Tolstoi, Gorki, Jun­queiro e Aqui­lino, fazem parte do ro­teiro das suas lei­turas de ado­les­cente.

Inicia a es­crita dos seus pri­meiros po­emas por volta dos treze anos, ar­ris­cando en­viar al­guns deles a An­tónio Botto, ao tempo um poeta fa­moso quer pelo es­tilo quer pelo modo trans­gressor dos con­teúdos, so­bre­tudo a partir da pu­bli­cação do seu livro Can­ções. Botto gosta dos po­emas do jovem José Fon­ti­nhas e in­cen­tiva-o a es­crever mais e a pu­blicar. É a partir deste in­cen­tivo que pu­bli­cará, em 1939, aos de­zas­seis anos, o seu pri­meiro poema, quase pu­eril, in­ti­tu­lado Nar­ciso, poema «sobre a be­leza que se con­templa e se com­praz em si mesma», con­fes­sará em Rosto Pre­cário, poema em que a in­fluência de Botto, as suas co­or­de­nadas es­té­ticas, está muito pre­sente.

Pas­sará, a partir da pu­bli­cação desse poema, a as­sinar os seus textos com o pseu­dó­nimo Eu­génio de An­drade, com o qual pas­sará a cu­nhar todos os tí­tulos da sua vasta e po­lié­drica obra. Em 1942 pu­bli­cará Ado­les­cente, o seu livro de es­treia. Mais tarde re­ti­rará este livro da sua bi­bli­o­grafia, con­si­de­rando que a sua ver­da­deira voz poé­tica ainda não es­tava nele pre­sente. A ver­dade é que a in­fluência de Botto, e de Pessoa, cuja po­esia co­nheceu através do poeta de Bai­o­netas da Morte, está, nesse livro ini­cial, muito vin­cada.

Uma voz pró­pria e in­con­fun­dível

Eu­génio pro­cu­rava a sua iden­ti­dade, uma voz que fosse sua e in­con­fun­dível, e essa voz co­meça a de­finir-se nos seus Pri­meiros Po­emas (1940), que ele, sim­bo­li­ca­mente, de­dica a Fer­nando Pessoa. Esses mag­ní­ficos versos trans­portam já os si­nais da sua voz plena e fu­tura, como em Canção, que se trans­for­mará num dos seus mais fa­mosos e an­to­lo­gi­ados po­emas: Tinha um cravo no meu balcão;/​veio um rapaz e pediu-mo/- ​mãe, dou-lho ou não?//​Sen­tada, bor­dava um lenço de mão;/​veio um rapaz e pediu-mo/- ​mãe, dou-lho ou não?//​Dei um cravo e dei um lenço,/​só não dei o co­ração;/​mas se o rapaz mo pedir/-​mãe, dou-lho ou não?

Essa voz ma­dura e res­so­nante, surge, já de­fi­nida e vi­go­rosa, no livro As Mãos e os Frutos, de 1948, livro que o tor­nará um poeta re­co­nhe­cido e sin­gular, aplau­dido pela crí­tica e pelos lei­tores que, a partir deste, o des­co­brem. As Mãos e os Frutos é ainda hoje um dos seus tí­tulos mais em­ble­má­ticos, ao qual se jun­tará, já nos anos 1960, essa obra-prima da nossa po­esia con­tem­po­rânea que é Os­ti­nato Ri­gore.

Os temas e o lé­xico que farão parte cons­tante do seu modo poé­tico, estão já ple­na­mente de­fi­nidos e pre­sentes em As Mãos e os Frutos, como o amor sem sombra de amar­gura, os ma­dri­gais, que ele vai buscar a Pêro Meogo, a na­tu­reza, as ár­vores, os pás­saros, a água, os barcos, a noite, o fas­cínio pelo corpo, pelos corpos, a que José Sa­ra­mago cha­mará «po­esia do corpo, a que chega me­di­ante uma de­pu­ração con­tínua», o amor pela mãe, o li­rismo pró­ximo da ma­téria dos so­nhos, como neste be­lís­simo poema de amor ao qual Luís Cília daria mú­sica e voz, trans­for­mando-o numa das nossas can­ções dos anos som­brios, onde a vida e a es­pe­rança se mis­turam e vi­bram: Fe­cundou-te a vida nos pi­nhais./​Fe­cundou-te de seiva e de calos. /alargou-te o corpo pelos areais/​onde o mar se es­praia sem con­torno e cor.//​Pôs-te sonho onde havia apenas/​si­lêncio de rosas por abrir,/​e um jeito nas mãos mo­renas/​de que sabe que o fruto há-de surgir.//​Brotou água onde tudo era se­cura./​Paz onde mo­rava a so­lidão/​E a cer­teza de que a se­pul­tura/​é uma cova onde não cabe o co­ração.

No seu livro se­guinte, Os Amantes Sem Di­nheiro (1949), Eu­génio es­creve num texto in­tro­du­tório, re­fe­rindo-se à sua terra de nas­ci­mento e aos anos que aí viveu, re­ve­lador de al­guns dos as­pectos, das me­mó­rias afec­tivas e das re­la­ções mais fe­cundas e pe­renes, a re­lação de amor/​li­ber­tação com a pro­ge­ni­tora é pa­ra­dig­má­tica, pre­sentes na sua obra poé­tica: Da casa da Eira só me lembro do quar­tito que se se­guia à co­zinha. Um ta­bique se­pa­rava-nos da casa da Ti Ana, uma ve­lhota a quem minha mãe às vezes me dei­xava a guardar. […] Uma manhã acordei so­zinho em casa. Acordei a chorar. – Ó mãe, mãe… - Mas a mãe não vinha. Não havia mãe. Havia só a porta fe­chada. […] E nin­guém me abriu a porta para apa­nhar as es­trelas. Nem mesmo tu, mãe, que a essas horas an­davas a ga­nhar o pão para a boca da­quele que hoje te ofe­rece estes versos.

Em Os Amantes Sem Di­nheiro, Eu­génio ins­creve uma série de po­emas in­tem­po­rais, que são ainda hoje re­fe­ren­ciais do seu uni­verso poé­tico. Po­emas como Os Amantes Sem Di­nheiro, que dá tí­tulo ao livro, Poema à Mãe Adeus, cons­ti­tuem-se na sua vasta obra poé­tica mo­mentos raros e su­blimes, que le­varam Óscar Lopes a con­si­derá-lo o mais per­feito dos po­etas por­tu­gueses, sendo também o de maior pú­blico, e Edu­ardo Lou­renço a re­ferir a sua obra como A pri­meira e a mais pura ex­pressão da po­esia como ar­qui­tec­tura do real, a mais lím­pida ma­ni­fes­tação da en­trega sem re­servas aos sor­ti­lé­gios do “puro poé­tico”.

Co­or­de­nadas poé­ticas

A ne­gação do luxo, da su­per­fi­ci­a­li­dade, do egoísmo da vida con­tem­po­rânea, a de­núncia do aces­sório, da fu­ti­li­dade e dos hor­rores da guerra, são ou­tras das co­or­de­nadas que a sua po­esia também ma­ni­festa. No livro de 1951, As Pa­la­vras In­ter­ditas, es­creve no poema Não é Ver­dade, a sua in­dig­nação: Não é ver­dade tanta loja de per­fumes, não é ver­dade tanta rosa de­ce­pada,/​tanta ponte de fumo, tanta roupa es­cura,/​tanto re­lógio, tanta pomba as­sas­si­nada//​Não quero para mim tanto ve­neno,/​tanta ma­dru­gada var­rida pelo gelo,/​nem olhos pin­tados onde morre o dia,/​nem beijos de lá­grimas no meu ca­belo. No poema que dá tí­tulo ao livro, gri­tará a re­volta e a so­lidão do nosso flu­tu­ante e amargo modo de estar vivo, numa lin­guagem que vei­cula o que é hu­mano, como bem o en­tendeu Óscar Lopes: Dói-me esta água, este ar que se res­pira,/ dói-me esta so­lidão de pedra es­cura,/​estas mãos noc­turnas onde aperto/​os meus dias que­brados na cin­tura.//​E a noite cresce apai­xo­na­da­mente./​Nas suas mar­gens nuas, de­so­ladas,/​cada homem tem apenas para dar/​um ho­ri­zonte de ci­dades bom­bar­de­adas.

Já pro­fis­si­onal do Mi­nis­tério da Saúde, teve uma breve pas­sagem por Coimbra (1943/​1946), onde es­ta­be­lece ami­zade com Mi­guel Torga e con­vive com ou­tros po­etas e crí­ticos de ge­ra­ções e op­ções es­té­ticas di­versas, como Carlos de Oli­veira, Paulo Quin­tela, Afonso Du­arte e Edu­ardo Lou­renço. No en­tanto, a sua fi­li­ação li­te­rária, de­pois das in­fluên­cias ini­ciais de Botto, Pessoa e Ca­sais Mon­teiro, mais Rim­baud, Lorca, Walt Whitman, es­ta­be­lece-se com os po­etas do de­no­mi­nado grupo dos in­de­pen­dentes, ou seja, dos po­etas que não per­ten­ciam às duas cor­rentes li­te­rá­rias então do­mi­nantes: o ne­or­re­a­lismo e o pre­sen­cismo. Po­etas como Sophia de Mello Breyner An­dresen, Jorge de Sena, Na­tália Cor­reia e An­tónio Ramos Rosa, nas­cidos entre 1919 (Sena e Sophia), 1923 (Na­tália) e 1924 (Ramos Rosa), terão per­ten­cido a esse inor­gâ­nico grupo, tendo apenas em comum, com maior ou menor ex­pressão, a sua pre­clara opo­sição ao re­gime fas­cista. As pro­du­ções poé­ticas destes au­tores não dei­xaram, a es­paços, de re­flectir esse po­si­ci­o­na­mento cí­vico de um modo ge­né­rico, em­bora, e por vezes, ide­o­lo­gi­ca­mente con­fuso.

Co­lo­cado pro­fis­si­o­nal­mente no Porto, como ins­pector ad­mi­nis­tra­tivo do Mi­nis­tério da Saúde, será nessa ci­dade que pa­recia um sin­di­cato de viúvas, na ex­pressão de João Vil­laret, que irá es­ta­be­lecer-se a partir de 1950, aí vi­vendo até ao final dos seus dias, sendo con­si­de­rado um dos seus mais ilus­tres ha­bi­tantes. Aí co­nhe­cerá José da Cruz Santos, esse mestre das edi­ções exem­plares, seu editor e cúm­plice, tendo grande parte da sua obra sido pu­bli­cada pela mí­tica edi­tora Inova.

Poeta como pe­dreiro

Em vá­rias en­tre­vistas, Eu­génio fala-nos da re­vo­lução dos cravos e do País em que muita coisa mudou e as­sume no livro Epi­tá­fios, o seu po­si­ci­o­na­mento po­lí­tico, em belos e sim­bó­licos po­emas, como este O Comum da Terra, to­cante tri­buto a Vasco Gon­çalves, re­cor­dando também os dias altos e ful­gu­rantes de Abril, mas já a de­nun­ciar as mar­gens que o in­cen­di­avam: Nesses dias era sí­laba a sí­laba que che­gavas/​Quem co­nheça o sul e a sua trans­pa­rência/​também sabe que no verão pelas ve­redas/​da cal a cris­pação da sombra ca­minha de­vagar./​De tanta pa­lavra que dis­seste al­gumas/​se per­diam, ou­tras duram ainda, são lume/​breve arado ceia de pobre roupa re­men­dada./​Ha­bi­tavas a terra, o comum da terra, e a paixão/​era mo­rada e ins­tru­mento de ale­gria.//​Esse eras tu: in­cli­nação da água. Na margem/​vento areias mas­tros lá­bios, tudo ardia.

Neste mesmo livro, mais um dos seus po­emas an­to­ló­gicos, es­crito ainda nos dias som­brios do ca­e­ta­nismo, mas já inun­dado pelas águas in­qui­etas do porvir, anun­ci­ador das pa­la­vras que é ur­gente se­mear, pa­la­vras que aguardam na noite o sol e o vinho que ha­ve­ríamos de beber em redor do fogo: Elegia das Águas Ne­gras Para Che Gue­vara – Olhos aper­tados pelo medo/​aguardam na noite o sol onde cresces,/​onde te con­fundes com os ramos/​de sangue do verão ou o rumor/​dos pés brancos da chuva nas areias.//​A pa­lavra, como tu di­zias, chega/​hú­mida dos bos­ques: temos que semeá-la;/​chega hú­mida da terra: temos que de­fendê-la;/​chega com as an­do­ri­nhas/​que a be­beram sí­laba a sí­laba na tua boca.//​Cada pa­lavra tua é um homem de pé,/​cada pa­lavra tua faz do or­valho uma faca,/​faz do ódio um vinho ino­cente/​para be­bermos con­tigo/​no co­ração em redor do fogo.

Um outro poema ainda, in­tenso e ma­goado, que nos fala de José Dias Co­elho e de Ca­ta­rina, da morte de ambos às mãos do puro ódio fas­cista: […] di­zias: es­paço diurno onde o rumor/​do sangue é um rumor de ave -/​re­para como voa, e poisa nos om­bros/​da Ca­ta­rina que não cessam de matar.//​Sem vo­cação para a morte, di­zíamos. Também/​ela, também ela a não tinha. Na pla­nície/ branca era uma fonte: em si trazia/​um co­ração in­cli­nado para a se­mente do fogo.//​Ca­ta­rina ou José – o que é um nome?/​Que nome nos im­pede de morrer,/​quando se beija a terra de­vagar/​ou uma cri­ança tra­zida pela brisa?

Ao lermos estes po­emas de Eu­génio, e os sig­ni­fi­cantes que os es­tru­turam, ape­tece-nos dizer como Ramos Rosa: Rei Midas do verbo: pa­lavra que to­casse vi­rava ouro de lei.

Tra­dutor de Lorca, das Cartas Por­tu­guesa, atri­buídas a Ma­riana Al­co­fo­rado, dos po­emas de Safo; or­ga­ni­zador de di­versas an­to­lo­gias; Prémio Ca­mões, em 2001, Grande Ofi­cial da Ordem Mi­litar de San­tiago da Es­pada, pré­mios da Crí­tica e da APE; poeta da ple­ni­tude e da es­pe­rança, poeta maior de um fir­ma­mento de no­tá­veis, Eu­génio de An­drade con­si­de­rava que o seu tra­balho de poeta seria um ofício equi­pa­rado ao de um pe­dreiro, pro­fissão que fora a do seu avô: Ele usava o gra­nito como ma­te­rial, as suas casas estão ainda de pé; o neto tra­balha com po­eira, sem ne­nhuma pre­tensão de de­sa­fiar o tempo.

Quando as pa­la­vras de um poeta nos tocam, esse acto em cons­trução, pri­mor­dial do ser, o poema é subs­tância e ar­gila. Pode moldar a nossa forma de en­tender e de ha­bitar o mundo e dar-nos cons­ci­ência do modo como o po­demos trans­formar. Eu­génio de An­drade é um desses raros po­etas. Por isso, con­nosco ca­minha. Para sempre.

Bi­bli­o­grafiaObras de Eu­génio de An­drade; Pre­fácio de Óscar Lopes para An­to­logia Breve – Inova, 1972; A Po­esia Por­tu­guesa nos Me­ados do Sé­culo XX, de Maria de Fá­tima Ma­rinho, Ca­minho, 1987; In­ci­sões Oblí­quas, de An­tónio Ramos Rosa, Ca­minho, 1987; Ci­fras do Tempo, de Óscar Lopes, Ca­minho, 1990.


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quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Helena Pato - "O pior que nos pode acontecer, é rendermo-nos à burguesia"... (Francisco Miguel)



"O pior que nos pode acontecer, é rendermo-nos à burguesia"...
(Francisco Miguel)

FRANCISCO MIGUEL (1907 – 1988)

(notas da sua biografia por Helena Pato)Homem franzino, discreto, pouco expansivo, de uma grande sensibilidade, era amado por todos no PCP. Um símbolo, pela sua vida de décadas (66 anos) ao serviço dos seus ideais e pelo comportamento exemplar que sempre tivera na polícia e nas cadeias. Homem de grande afabilidade, era muito acarinhado por quem privava com ele. Foi exemplar na sua dedicação à luta antifascita, na coragem com que enfrentou as mais duras provas a que foi submetido e pela modéstia com que falava da sua vida e do seu passado.

Cinco prisões: 1938, 1939, 1947, 1950 e 1960. Quatro fugas das cadeias fascistas.

Destacado dirigente do PCP, Francisco Miguel Duarte nasceu em Baleizão, a 18 de Dezembro de 1907 e morreu a 21 de Maio de 1988. Operário, filho de camponeses pobres, abraçou a causa da luta pela liberdade e justiça social quando era ainda muito jovem. Foi um dos dois presos políticos que mais tempo passaram na cadeia: um total de 21 anos, 10 dos quais no “Tarrafal". Julgado nos tribunais fascistas, evade-se por 4 vezes, durante o cumprimento das penas, e regressa sempre à luta.

Publicou poesia.

I – Em 1914 Francisco tinha sete anos quando a família se muda para Vale de Zorras, para uma herdade a cinco quilómetros de Serpa, que era a localidade onde existia a escola mais próxima. Fica assim impedido de estudar e começa a ajudar os pais nos trabalhos do campo. Com 13 anos torna-se aprendiz de sapateiro, em Serpa. Ainda adolescente, já é um activo animador das iniciativas de duas associações profissionais: a dos sapateiros e uma outra, de trabalhadores rurais.

Aos 16 anos, revoltado com a dureza da vida dos trabalhadores alentejanos, entra para o Partido Comunista. Em 1929 era, em Serpa, o responsável pelo Socorro Vermelho Internacional.

Em 1931, quando um dia umas centenas de trabalhadores se concentravam em frente aos Paços do Concelho para reclamarem “pão e trabalho”, Francisco Miguel sobe para cima de um banco e faz a sua primeira intervenção pública, falando sobre a situação dos camponeses e da ausência de soluções por parte das autoridades fascistas. A GNR tenta prendê-lo, mas a multidão protege-o na fuga.

Em 1935 parte para Moscovo a fim de frequentar uma escola leninista. Conhece então José Gregório, Álvaro Cunhal e Bento Gonçalves, que estavam naquela cidade para congressos da Internacional Comunista e da Internacional da Juventude Comunista. Em 1937 regressa a Portugal, entra na clandestinidade, em breve integra o comité central do PCP e, pouco tempo depois, o seu secretariado.

Em 1 de Dezembro de 1939 é detido em Lisboa pela PVDE. Acusado de ser funcionário clandestino do partido, Francisco Miguel iria definir a orientação que, durante mais de três décadas, foi conhecida pelos militantes do PCP para o seu comportamento na cadeia. Até então, face aos interrogatórios policiais, era prática dos presos tentarem encontrar fantasiosas histórias que iludissem a polícia. O método era por vezes perigoso, uma vez que, entre invenções e silêncios, a experiência policial acabava por descortinar pistas e contradições, tornando mais difícil a resistência a torturas e, consequentemente, a firmeza dos presos. FM, usando da experiência que colhera nas cadeias fascistas, toma uma decisão: “nem histórias grandes nem pequenas, nem frases curtas ou compridas. Face aos interrogatórios - silêncio absoluto. Na polícia não se prestam declarações.”

Em 1940 evade-se da cadeia de Caxias com Augusto Valdez, e, em finais dos anos 40, já era um dos responsáveis pela direcção da actividade partidária no Alentejo e da publicação do jornal “O Camponês”.

Em 1947, é novamente preso, agora em Évora. De novo brutalmente torturado (a tortura do sono e a “estátua”) e, após ter sido deixado em rigorosa incomunicabilidade, é levado para Peniche. Em 1950, volta a evadir-se do Forte, com Jaime Serra. Porém, desta feita, ao contrário do seu camarada, não chega a sair de Peniche, sendo apanhado pela GNR e enviado para o Tarrafal.

Em 1953 quando, cedendo à campanha internacional contra o campo de concentração, o salazarismo o encerra, os presos vão, pouco a pouco, sendo trazidos de Cabo Verde. Francisco Miguel vai-se despedindo de todos, até ficar sozinho com os guardas. Durante seis meses, a sós com os carcereiros, este homem conhece, uma vez mais, um limite dos crimes do fascismo.

A 26 de Janeiro de 1954, regressa ao “continente” e é levado novamente para a prisão de Peniche. Seis anos depois, e 3 de Janeiro de 1960, integra o grupo dos 10 destacados dirigentes do PCP que protagonizam a histórica fuga.

Não chega a desenvolver grande trabalho no PCP, nem a sentir a vida fora dos muros da prisão durante muito tempo: em Julho desse ano, é detido em Elvas e levado para Caxias. No ano seguinte, a 4 de Dezembro de 1961, foge (pela 4ª vez), no grupo dos sete militantes que se evadem no carro blindado que pertencia a Salazar. Regressa à clandestinidade, até ao 25 de Abril. Sem esmorecer na sua bravura.

Quando, em meados/finais da década de 60, se preparavam as primeiras operações da ARA (visando a sabotagem do aparelho militar colonial), Francisco Miguel fazia parte da direcção daquele “braço armado” do PCP. Insistiu, então, junto da direcção do seu partido, para participar numa das previstas concretizações e viu satisfeita a sua pretensão. Já com Jaime Serra no Comando central da ARA, após preparação específica para a acção, FM iria juntar-se (em Outubro de 1970) aos militantes operacionais, destacados para a colocação de um engenho explosivo no navio Cunene_ que se preparava para transportar armamento para a guerra colonial. (A direcção do PCP terá sido muito relutante em aceder à pretensão de FM, dada a sua idade e porque não o queria ver de novo na prisão, sendo que o risco não era pequeno... Mas, em 1968, Francisco Miguel acabou por frequentar, com mais alguns voluntários, um curso para as ações armadas “directas”).

II - Após o 25 de Abril, Francisco Miguel acarinhou com empenho e alegria a construção do Estado Democrático, envolvendo-se em numerosas actividades. Foi deputado pelo círculo de Beja na Assembleia Constituinte, em 1975, e na Assembleia da República, entre 1976 e 1985. Participou em encontros, comícios e sessões de esclarecimento no Alentejo. Nos trabalhos da Assembleia da República, sobretudo em defesa da Reforma Agrária, foi uma voz conhecedora da realidade social do Alentejo. Na discussão da Constituição em elaboração na AR, dirigiu-se a todos os deputados, em Julho de 1975, para dizer: « Se não houver coragem para fazer uma reforma agrária profunda, não servimos o progresso do País».

Em 1978, desempenhou um papel determinante na organização do regresso a Portugal dos restos mortais dos 32 tarrafalistas, assassinados no “Campo da morte Lenta” e enterrados em Cabo Verde.

III – Também escritor e poeta, Francisco Miguel escreveu vários livros em prosa e verso, entre os quais "Das Prisões à Liberdade" (1986). Da obra poética, destacam-se o livro «Rosas Antigas» prefaciado por José Manuel Mendes, com capa de Teresa Dias Coelho (1980) e «Poesias» (1986).

IV - "Chico Sapateiro", como era conhecido por camaradas e amigos, morreu com 81 anos a 21 de Maio de 1988, no Seixal, onde participava num convívio com militantes e simpatizantes do PCP.

Foi membro do CC do PCP durante 49 anos. O PCP assinalou os 100 anos do seu nascimento na Biblioteca Municipal José Saramago, em Beja, numa sessão evocativa com inauguração de uma exposição, sobre a vida e a obra de Francisco Miguel. Na mesma ocasião, a Câmara de Beja prestou-lhe homenagem, atribuindo o seu nome à então Rua 1º de Maio.

Francisco Miguel Duarte - Não cultives a fraqueza


* Francisco Miguel Duarte


Vive o fraco na fraqueza
o bom na sua bondade
vive o firme na firmeza
lutando por liberdade.
 
Não cultives a fraqueza,
procura sempre ser forte,
que o homem que tem firmeza
não se rende nem à morte.
 
Educa a tua vontade
faz-te firme: em decisões,
que não terá liberdade
quem não fizer revoluções.
 
Se queres o mundo melhor
vem cá pôr a tua pedra,
quem da luta fica fora
neste jogo nunca medra.
 

 
De: Francisco Miguel Duarte,
Militante Comunista
Poeta popular nascido no Alentejo,
Operário sapateiro, filho de camponeses

Pedro Tadeu - Quais foram os agentes provocadores da revolta no Brasil?

* Pedro Tadeu

11 Janeiro 2023 — 

Tratar os milhares de pessoas que invadiram e vandalizaram o complexo de edifícios dos Três Poderes em Brasília como "terroristas", como vi um grande número de comentadores fazerem, parece-me trair a suposta racionalidade democrática que esse epíteto pretende demonstrar - não distinguir massas populares manipuladas dos agentes provocadores dessa manipulação, que levam tantas pessoas a agirem como turba destruidora, parece-me mesmo um exercício antidemocrático.

Aquilo que estou a designar por "agentes provocadores" desta sublevação, desta recusa em aceitar um resultado eleitoral livre e justo, abrange um espetro largo de pessoas, ideias e instituições e existem, com nuances, tanto no Brasil, como nos Estados Unidos, como em Portugal. Estão mesmo por todo o lado.

Há "agentes provocadores" de primeira linha nesta ação no Brasil: os políticos bolsonaristas mais radicais que ajudaram à sua organização, os empresários que a financiaram ou os polícias e militares que deliberadamente a permitiram.

Há "agentes provocadores" de segunda linha, bastante mais difíceis de dissipar: o estado de espírito que gera esta mobilização para a pancadaria advém da capacidade de convencer estas pessoas de estarem a viver numa sociedade em que são enganadas pelo governo, onde as eleições são fraudulentas, onde os políticos do regime democrático são quase todos corruptos, onde há uma suposta campanha moral contra a família tradicional, onde se sugere que quem é patriota é perseguido, onde se apregoa que o "verdadeiro cristianismo" é acossado, onde se acusa o Sistema Educativo de "corromper" as mentes dos alunos, onde se convence que os subsídios para os pobres desempregados vêm de dinheiro "roubado" aos que trabalham, onde se assegura que quem tem mérito é prejudicado, onde se propagandeia que a liberdade está limitada.

Esta segunda linha de "agentes provocadores" da sublevação é alimentada por igrejas pentecostais, por propagandistas das redes sociais, por extremistas organizados, por fanáticos fascistas, por militares saudosistas da ditadura brasileira, por empresários gananciosos e por justiceiros iluminados.

E há, também, uma terceira linha de "agentes provocadores" para esta violência que é culturalmente secular e que as democracias, erradamente, não combatem e, até, promovem: a crença de que o êxito das sociedades depende de um líder esclarecido, de um privilegiado que tudo resolve, e não de um esforço coletivo e participado de toda gente; a convicção de que o direito à liberdade permite o abuso sobre o outro e a formação de "tribos" identitárias de combate supremacista sobre outras "tribos"; a aceitação da submissão geral a um poder superior, seja ele divino, politico ou económico, como sendo essa "a ordem natural das coisas".

A esta loucura toda associam-se, no entanto, gravosas contribuições geradas dentro do próprio regime democrático, uma quarta linha de "agentes provocadores": de facto, a corrupção existe; de facto as desigualdades sociais agravam-se; de facto a política é suja; de facto há uns que comem tudo e outros que não comem nada; de facto elegem-se cada vez mais indivíduos do que propostas políticas; de facto a sociedade globalizada tenta eliminar o patriotismo da equação socioeconómica, reduzindo-o ao estatuto de amor de uma equipa de futebol (ver estes agressores vestidos com a camisola amarela da seleção brasileira diz tudo...); de facto o Sistema Educativo não equipou as populações para resistirem por si mesmas à manipulação ideológica; de facto a única resposta contra a polarização do debate público tem sido uma sucessiva tentativa de o censurar e não de resolver os problemas que ele revela; de facto, a intolerância insuportável contra as minorias sexuais e étnicas gerou uma serie de soluções discriminatórias positivas que põem pobre contra pobre, em vez de unir todos os pobres contra quem os explora; de facto é a divisão violenta entre os mais desfavorecidos que serve os interesses de quem manipula estas pessoas para vir a dominar, em regime absoluto, a riqueza geral criada pelo povo.

A democracia, enquanto funcionar assim, terá sempre opositores violentos.

https://www.dn.pt/opiniao/quais-foram-os-agentes-provocadores-da-revolta-no-brasil-15635684.html 


Fernanda Câncio - Bem-vindos à fakedemocracia

Primeiro nos EUA e depois no Brasil, o assalto aos símbolos do poder democrático por quem recusa, em nome do "povo", o resultado de escrutínios eleitorais coloca-nos perante a evidência de que democracia, justiça e bem são noções que variam de acordo com quem ganha ou perde - como no futebol.

Fernanda Câncio

10 Janeiro 2023 

Neste domingo em Brasília, como a 6 de janeiro de 2021 no assalto ao Capitólio, pudemos ver em direto, ou quase em direto, as imagens dos assaltantes por si próprios, filmando tudo e filmando-se, através da partilha orgulhosa nas redes sociais - como quem não coloca sequer a hipótese de estar a cometer um crime e portanto a oferecer às autoridades as provas e identificação necessárias para os encontrarem e processarem.

Podemos, é claro, explicar isso com a excitação, aliada à falta de inteligência - ou ingenuidade, se quisermos ser caridosos. Mas sendo do conhecimento geral que muitos dos assaltantes do Capitólio foram identificados e acusados com base nas imagens partilhadas pelos próprios ou por companheiros de assalto, talvez seja avisado pensar noutras explicações.

Além de todos os motivos tontos, que também existem, como o da compulsão da selfie, aquelas pessoas querem mostrar-se naquele assalto porque consideram estar a fazer algo heroico, pelo bem, e ter com elas, por elas, muita gente, que pensam poder "levantar", contagiar, ganhar, com a partilha. Não é só o assalto que é uma ação política - a partilha faz parte da ação, como modo ostensivo de demonstrar que não só quem protagoniza não aceita a ideia de estar a cometer um crime como despreza quem assim o possa considerar. Porque, e o sequestro das cores do país e da sua bandeira como símbolos do movimento significam isso, para quem ali está, aquele é "o verdadeiro Brasil", o verdadeiro "povo".

Justamente, na entrada de um dos edifícios, ouve-se um dos assaltantes dizer: "Já está tomado, estamos na casa do povo." Se a casa é do povo, e se aquele é o povo, não há crime, pelo contrário; trata-se de retomar legitimamente o que foi roubado, segundo o princípio básico da democracia - um governo do povo, para o povo e pelo povo.

E nesse sentido não há nada mais simbólico que as filmagens da entrada no Supremo Tribunal e da sua destruição, como o empunhar ante a multidão, por um dos assaltantes, daquilo que sabemos agora ser uma cópia da Constituição de 1988 (a filmagem começou por ser partilhada referindo que se tratava do original).

Que vemos ali? Uma deslegitimação do regime através da dessacralização da sua lei fundamental e do tribunal que tem por função interpretá-la e aferir por ela quaisquer leis e práticas, ou uma pretensa recuperação, pelo "povo" que os assaltantes creem representar, dos princípios constitucionais que proclamam dar-lhes razão (um dos artigos da Constituição tem sido sistematicamente invocado pelos bolsonaristas como fundamento para um golpe militar)?

Na verdade, para aquelas pessoas, como para os assaltantes do Capitólio, a convicção de que estão perante um roubo não tem sequer de se fundar na ideia, alegada quer por Trump e trumpistas quer por Bolsonaro e bolsonaristas, de que houve uma fraude eleitoral. Há uma espécie de conclusão tautológica: se não foi ao seu lado, ao seu candidato, que foi reconhecida a vitória, então a eleição não foi justa. Como para os fanáticos futeboleiros, qualquer derrota só pode explicar-se por "roubo", qualquer resultado que não o desejado só pode ser ilegítimo.

Assim, as mesmas regras e instituições que serviram para dar a vitória a Trump e Bolsonaro deixam de ser credíveis quando são derrotados. A democracia só é democracia se ganharem; as leis e os tribunais só são para respeitar se prenderem Lula; quando o soltam passam a não valer nada.

Os mesmos que exigiam "lei e ordem" e uma "intervenção militar" para "repor a legalidade" podem então escavacar edifícios públicos, roubar artefactos valiosos, esfaquear quadros, defecar nos gabinetes, espancar polícias (os polícias que os enfrentaram; também os houve) e os seus cavalos, num festim de ódio e absurdo.

Queremos acreditar que este espectáculo indecente terá o efeito contrário do pretendido; que nos muitos milhões que votaram em Trump e Bolsonaro - lembremos que perderam por muito pouco - há uma maioria que não se revê nos assaltos de janeiro de 2021 e 2023. Que acontecimentos como estes contribuem para enfraquecer a respetiva base de apoio, alienando muita gente, e são por isso erros políticos - e Lula, depois de uma primeira reação destemperada no domingo, soube esta segunda-feira corrigir o tom e o discurso de modo a ir ao encontro de quem, não tendo votado nele, se queira demarcar do ocorrido.

Aliás, de tal modo o que aconteceu pode revelar-se danoso para o bolsonarismo que há quem esteja já a pôr a hipótese de que a aparatosa ausência de reação policial em Brasília foi fruto de um maquiavelismo - o de permitir que os vândalos agissem à vontade, de modo a que Bolsonaro e o seu movimento caíssem em desgraça, perdendo apoio nacional e internacional.

É verdade que internacionalmente Bolsonaro viu até líderes de extrema-direita como a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni demarcarem-se de modo inequívoco do sucedido (quiçá vêm daí as fortes dores de barriga que, dizem-nos, o acometeram na Florida), e que o próprio, isolado, amedrontado e sonso, acabou por fazer o mesmo. Mas aquilo a que assistimos nos EUA e agora no Brasil (e mais ainda porque se repetiu no Brasil depois de acontecer nos EUA, em óbvia remake do filme americano) não é apenas um sinal daquilo que já sabemos - que no seio das democracias estão a crescer exponencialmente movimentos cujo intuito, consciente ou inconsciente, é derrubá-las, chegando ao paradoxo de exigir, como o fazem os bolsonaristas, a implantação de ditaduras militares como "salvação" do país e do próprio regime democrático.

Estes acontecimentos medonhos demonstram que a ideia de democracia se transformou, para muita gente, num conceito plástico, vazio, que não corresponde a qualquer conjunto de princípios. Uma espécie de fakedemocracia, ou democracia alternativa - como as fake news e os factos alternativos, é o que der jeito no momento.

 

https://www.dn.pt/opiniao/bem-vindos-a-fakedemocracia-15629461.html

domingo, 8 de janeiro de 2023

António Jorge - De onde vem a deificação do mal…



* António Jorge

De onde vem a deificação do mal…

- Os bons e os maus

- O homem e a mulher

- A criação do preconceito étnico

- Como se cria a diabolização na política

- Os ucranianos… os bons e os russos os maus…

Estamos formatados para aceitar tudo isto e muito mais!

- E o novo Patriarca da minha familia… “Ferreira Jorge”, que passou para mim, por falecimento de todos os meus irmãos!

Na história dos mitos e tradições do passado, todos os povos foram e são… influenciados, nomeadamente pelos dogmas e valores das religiões e do obscurantismo a que estão associados obviamente, o peso maior em cada civilização… do poder religioso sob o poder político e do atraso cultural e das crendices no povo.

- Segundo a história, a língua de Cristo, foi o aramaico, e a Bíblia que chegou ao Ocidente, foi traduzida do aramaico para o grego.

Ora… grego é o pai da civilização ocidental e pai do Latim… da qual falamos uma das suas línguas o português.

Falamos o Latim, porque fomos colonizados pelos romanos.

- Tal como em alguns países do Mundo, se fala o português, porque colonizamos na América Latina, em África e até em partes da Ásia… nomeadamente na India.

Da Grécia antiga, veio-nos também a influência cultural… chamada de ocidental, até mesmo a procura da criação de sociedades Democráticas… tentada no passado e no presente… mas não conseguida ainda.

O desenvolvimento e o modo de produção na Europa, fizeram o resto do poder nascido do desenvolvimento e dos vários modos de produção em cada época e contexto, estabelecendo as regras e valores e alienações das sociedades em que vivemos desde há séculos, em função do nível de desenvolvimento de cada país e povos e das suas contradições internas e externas, até chegar-mos ao Mundo moderno actual.

No passado, e em Portugal, o poder era constituído, pelo clero, nobreza e o povo. No topo da sociedade encontrava-se o monarca, o rei ou a rainha.

Quer dizer que o poder político teve sempre uma grande influência no poder religioso e junto do povo, como processo dirigido de assimilação cultural e da formação do nacionalismo e do patriotismo.

- As descobertas marítimas, foram feitas em nome da fé, e do alargamento do império.

Patriarca, originalmente, era uma pessoa que exercia uma autoridade autocrática no papel de pater familias sobre uma família estendida. O sistema de governo de famílias pelo homem mais velho é denominado patriarcado.

“A palavra é derivada do grego e significa "chefe" ou "pai de família", uma composição de pátria ("família") e "governar").

E para demonstrar que tudo isto está relacionado com a Bíblia - Abraão, Isaac e Jacobe, são geralmente chamados de patriarcas do povo de Israel e do período no qual eles viveram, que é chamado de Época Patriarcal. A palavra "patriarca" original adquiriu o seu significado religioso na Septuaginta, (1) na versão grega da Bíblia.

“É difícil rastrear os passos que possibilitaram a liquidação do matriarcado e o triunfo do patriarcado, há 10 mil, 12 mil anos. Mas foram deixados rastos dessa luta de gêneros. A forma como foi relido o pecado de Adão e Eva nos revela o trabalho de desmonte do matriarcado pelo patriarcado. Essa releitura foi apresentada por duas conhecidas teólogas feministas, Riane Eisler e Françoise Gange.

Segundo elas, se realizou um processo de culpabilização das mulheres no esforço de consolidar o domínio patriarcal. Os ritos e símbolos sagrados do matriarcado são diabolizados e retroprojetados às origens na forma de um relato primordial, com a intenção de apagar totalmente os traços do relato feminino anterior.

O atual relato do pecado das origens, acontecido no paraíso terreno, coloca em xeque quatro símbolos fundamentais da religião das grandes deusas-mães.

O primeiro símbolo a ser atacado foi a própria mulher (Gn 3,16), que na cultura matriarcal representava o sexo sagrado, gerador de vida. Como tal, ela simbolizava a Grande Mãe, a Suprema Divindade.

Em segundo lugar, desconstruiu-se o símbolo da serpente, considerado o atributo principal da Deusa Mãe. Ela representava a sabedoria divina que se renovava sempre, como a pele da serpente.

Em terceiro lugar, desfigurou-se a árvore da vida, sempre tida como um dos símbolos principais da vida. Ligando o céu com a terra, a árvore continuamente renova a vida, como fruto melhor da divindade e do universo. Gênesis 3,6 diz explicitamente que “a árvore era boa para se comer, uma alegria para os olhos e desejável para se agir com sabedoria”.

Em quarto lugar, destruiu-se a relação homem-mulher que originariamente constituía o coração da experiência do sagrado. A sexualidade era sagrada, pois possibilitava o acesso ao êxtase e ao saber místico.

Ora, o que fez o atual relato do pecado das origens? Inverteu totalmente o sentido profundo e verdadeiro desses símbolos. Dessacralizou-os, diabolizou-os e os transformou de bênção em maldição.

A mulher será eternamente maldita, feita um ser inferior. O texto bíblico diz explicitamente que “o homem a dominará” (Gen 3,16). O poder da mulher de dar a vida foi transformado numa maldição: “multiplicarei o sofrimento da gravidez” (Gn 3,16). A inversão foi total e de grande perversidade.

A serpente é maldita (Gn 3,14) e feita símbolo do demônio tentador. O símbolo principal da mulher foi transformado em seu inimigo fidagal: “porei inimizade entre ti e a mulher... tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3,15).

A árvore da vida e da sabedoria vem sob o signo do interdito (Gn 3,3,). Antes, na cultura matriarcal, comer da árvore da vida era se imbuir de sabedoria. Agora, comer dela significa um perigo mortal (Gn 3,3), anunciado por Deus mesmo. O cristianismo posterior substituirá a árvore da vida pelo lenho morto da cruz, símbolo do sofrimento redentor de Cristo.

O amor sagrado entre o homem e a mulher vem distorcido: “entre dores darás à luz os filhos; a paixão arrastar-te-á para o marido e ele te dominará” (Gn 3,16). A partir de então se tornou impossível uma leitura positiva da sexualidade, do corpo e da feminilidade.

Aqui se operou uma desconstrução total do relato anterior, feminino e sacral. Apresentou-se outro relato das origens, que vai determinar todas as significações posteriores. Todos somos, bem ou mal, reféns do relato adâmico, antifeminista e culpabilizador.”

- Leonardo Boff

Família, história, cultura social, religiões e tradições

- E de onde vem a exploração e o poder do género… o do homem!

O Patriarcado na familia, na cultura e nos valores das sociedades… do passado e do presente!

- Com o falecimento da minha última irmã, há alguns dias atrás, e que era a última matriarca da nossa familia, antes, já todos os filhos dos meus pais… meus irmãos, tinham falecido, passo eu a ser o último Patriarca da familia “Ferreira Jorge” por ter sido o último filho deste casal e estar ainda em vida.

- Com o meu desaparecimento um dia, esta familia acaba-se, em termos da sua relação com os progenitores, António Jorge, meu pai, e Maria Branca, a minha mãe.

Continuando nos descendentes dos filhos e netos, mas a partir de outro tronco familiar dentro da mesma árvore geneológica.

Pelo que, no Patriarcado familiar, a sucessão é naturalmente tradicional, e sem grande valor ou importância familiar.

Patriarca, originalmente na antiguidade, era uma pessoa que exercia uma autoridade autocrática no papel de “pater familias” sobre uma determinada família extensa e ampliada.

- O sistema de governo de famílias pelo homem mais velho é denominado de Patriarcado, e a sua sucessão ocorre pela sua morte, para o filho mais velho e assim sucessivamente, havendo outros filhos. É uma substituição natural, que se esgota, após a morte do último filho de um determinado casal.

No caso dos familiares directos do casal, António Ferreira Jorge e de Maria Branca Ferreira, acabará o denominado tronco direto familiar, com a morte do último filho, que sou eu, mantendo-se entretanto a linhagem familiar, através das filhas, netos, e bisnetos desta familia nascida dos meus pais, surgida em finais do século XIX, pelo lado do meu pai, e principio do século XX, pela minha mãe.

Septuaginta, é a versão da Bíblia hebraica traduzida em etapas para o grego coiné, entre o século III a.C. e o século I a.C., em Alexandria.

() A sociedade Matriarcal

1 - A mulher é considerada como base da família, segundo certo sistema cultural, sociológico e religioso.

2 - A progenitora

() No Patriarcado

A palavra "patriarcado" traduz-se literalmente como a autoridade do homem representada pela figura do pai.

O termo foi utilizado por muito tempo para descrever um tipo de "família dominada por homens".

O grande agregado familiar patriarcal incluía mulheres, crianças, escravos e servos domésticos, todos sob o domínio de um ou mais homens.

() A diferença entre matriarcado e patriarcado

Existem várias diferenças óbvias entre esses dois sistemas sociais. O matriarcado, por exemplo, é essencialmente uma sociedade orientada para as mulheres, em que toda a liderança e autoridade estão nas mãos delas.

O patriarcado, por outro lado, é um sistema social no qual os homens desfrutam de todos os poderes, controlo e autoridade, e as mulheres são discriminadas e recebem papéis subordinados ao homem.

() A sociedade Matriarcal

1 - A mulher é considerada como base da família, segundo certo sistema cultural, sociológico e religioso.

2 - A progenitora

() O Patriarcado

A palavra "patriarcado" traduz-se literalmente como a autoridade do homem representada pela figura do pai.

O termo foi utilizado por muito tempo para descrever um tipo de "família que é dominada por homens".

O grande agregado familiar patriarcal incluía mulheres, crianças, escravos e servos domésticos, todos sob o domínio de um ou mais homens.

António Jorge - editor

20232 01 08 Porto e Luanda