* Eugénio de Andrade
Textos e Obras Daqui e Dali, mais ou menos conhecidos ------ Nada do que é humano me é estranho (Terêncio)
sábado, 21 de janeiro de 2023
Eugénio de Andrade - Poema XVIII
quinta-feira, 19 de janeiro de 2023
Trazer nos versos a «consciência do mundo» - Evocação de Eugénio de Andrade (1923/2005) no centenário do seu nascimento
ª Domingos LoboEugénio de Andrade, pseudónimo literário de José Fontinhas Neto, nasceu em Póvoa de Atalaia, concelho do Fundão, a 19 de Janeiro de 1923. Filho de camponeses, o pai abandonou a família era Eugénio ainda criança. Aos oito anos, mudou-se com a mãe para Castelo Branco, numa passagem breve, fixando-se em Lisboa a partir de 1932. Na capital frequentará o liceu Passos Manuel e a Escola Técnica Machado de Castro.
A vocação literária de Eugénio de Andrade foi precoce, começa a manifestar-se por volta dos seus doze, treze anos. O gosto pela leitura leva-o a frequentar as bibliotecas públicas de Lisboa, a descobrir o mundo vasto e fantástico da leitura dado que, diz-nos ele em Rosto Precário, «em casa havia apenas um só livro, uma Vida de Santos que ninguém lia». Jack London, Júlio Verde, todo o Eça, Alexandre Dumas, Tolstoi, Gorki, Junqueiro e Aquilino, fazem parte do roteiro das suas leituras de adolescente.
Inicia a escrita dos seus primeiros poemas por volta dos treze anos, arriscando enviar alguns deles a António Botto, ao tempo um poeta famoso quer pelo estilo quer pelo modo transgressor dos conteúdos, sobretudo a partir da publicação do seu livro Canções. Botto gosta dos poemas do jovem José Fontinhas e incentiva-o a escrever mais e a publicar. É a partir deste incentivo que publicará, em 1939, aos dezasseis anos, o seu primeiro poema, quase pueril, intitulado Narciso, poema «sobre a beleza que se contempla e se compraz em si mesma», confessará em Rosto Precário, poema em que a influência de Botto, as suas coordenadas estéticas, está muito presente.
Passará, a partir da publicação desse poema, a assinar os seus textos com o pseudónimo Eugénio de Andrade, com o qual passará a cunhar todos os títulos da sua vasta e poliédrica obra. Em 1942 publicará Adolescente, o seu livro de estreia. Mais tarde retirará este livro da sua bibliografia, considerando que a sua verdadeira voz poética ainda não estava nele presente. A verdade é que a influência de Botto, e de Pessoa, cuja poesia conheceu através do poeta de Baionetas da Morte, está, nesse livro inicial, muito vincada.
Uma voz própria e inconfundível
Eugénio procurava a sua identidade, uma voz que fosse sua e inconfundível, e essa voz começa a definir-se nos seus Primeiros Poemas (1940), que ele, simbolicamente, dedica a Fernando Pessoa. Esses magníficos versos transportam já os sinais da sua voz plena e futura, como em Canção, que se transformará num dos seus mais famosos e antologiados poemas: Tinha um cravo no meu balcão;/veio um rapaz e pediu-mo/- mãe, dou-lho ou não?//Sentada, bordava um lenço de mão;/veio um rapaz e pediu-mo/- mãe, dou-lho ou não?//Dei um cravo e dei um lenço,/só não dei o coração;/mas se o rapaz mo pedir/-mãe, dou-lho ou não?
Essa voz madura e ressonante, surge, já definida e vigorosa, no livro As Mãos e os Frutos, de 1948, livro que o tornará um poeta reconhecido e singular, aplaudido pela crítica e pelos leitores que, a partir deste, o descobrem. As Mãos e os Frutos é ainda hoje um dos seus títulos mais emblemáticos, ao qual se juntará, já nos anos 1960, essa obra-prima da nossa poesia contemporânea que é Ostinato Rigore.
Os temas e o léxico que farão parte constante do seu modo poético, estão já plenamente definidos e presentes em As Mãos e os Frutos, como o amor sem sombra de amargura, os madrigais, que ele vai buscar a Pêro Meogo, a natureza, as árvores, os pássaros, a água, os barcos, a noite, o fascínio pelo corpo, pelos corpos, a que José Saramago chamará «poesia do corpo, a que chega mediante uma depuração contínua», o amor pela mãe, o lirismo próximo da matéria dos sonhos, como neste belíssimo poema de amor ao qual Luís Cília daria música e voz, transformando-o numa das nossas canções dos anos sombrios, onde a vida e a esperança se misturam e vibram: Fecundou-te a vida nos pinhais./Fecundou-te de seiva e de calos. /alargou-te o corpo pelos areais/onde o mar se espraia sem contorno e cor.//Pôs-te sonho onde havia apenas/silêncio de rosas por abrir,/e um jeito nas mãos morenas/de que sabe que o fruto há-de surgir.//Brotou água onde tudo era secura./Paz onde morava a solidão/E a certeza de que a sepultura/é uma cova onde não cabe o coração.
No seu livro seguinte, Os Amantes Sem Dinheiro (1949), Eugénio escreve num texto introdutório, referindo-se à sua terra de nascimento e aos anos que aí viveu, revelador de alguns dos aspectos, das memórias afectivas e das relações mais fecundas e perenes, a relação de amor/libertação com a progenitora é paradigmática, presentes na sua obra poética: Da casa da Eira só me lembro do quartito que se seguia à cozinha. Um tabique separava-nos da casa da Ti Ana, uma velhota a quem minha mãe às vezes me deixava a guardar. […] Uma manhã acordei sozinho em casa. Acordei a chorar. – Ó mãe, mãe… - Mas a mãe não vinha. Não havia mãe. Havia só a porta fechada. […] E ninguém me abriu a porta para apanhar as estrelas. Nem mesmo tu, mãe, que a essas horas andavas a ganhar o pão para a boca daquele que hoje te oferece estes versos.
Em Os Amantes Sem Dinheiro, Eugénio inscreve uma série de poemas intemporais, que são ainda hoje referenciais do seu universo poético. Poemas como Os Amantes Sem Dinheiro, que dá título ao livro, Poema à Mãe e Adeus, constituem-se na sua vasta obra poética momentos raros e sublimes, que levaram Óscar Lopes a considerá-lo o mais perfeito dos poetas portugueses, sendo também o de maior público, e Eduardo Lourenço a referir a sua obra como A primeira e a mais pura expressão da poesia como arquitectura do real, a mais límpida manifestação da entrega sem reservas aos sortilégios do “puro poético”.
Coordenadas poéticas
A negação do luxo, da superficialidade, do egoísmo da vida contemporânea, a denúncia do acessório, da futilidade e dos horrores da guerra, são outras das coordenadas que a sua poesia também manifesta. No livro de 1951, As Palavras Interditas, escreve no poema Não é Verdade, a sua indignação: Não é verdade tanta loja de perfumes, não é verdade tanta rosa decepada,/tanta ponte de fumo, tanta roupa escura,/tanto relógio, tanta pomba assassinada//Não quero para mim tanto veneno,/tanta madrugada varrida pelo gelo,/nem olhos pintados onde morre o dia,/nem beijos de lágrimas no meu cabelo. No poema que dá título ao livro, gritará a revolta e a solidão do nosso flutuante e amargo modo de estar vivo, numa linguagem que veicula o que é humano, como bem o entendeu Óscar Lopes: Dói-me esta água, este ar que se respira,/ dói-me esta solidão de pedra escura,/estas mãos nocturnas onde aperto/os meus dias quebrados na cintura.//E a noite cresce apaixonadamente./Nas suas margens nuas, desoladas,/cada homem tem apenas para dar/um horizonte de cidades bombardeadas.
Já profissional do Ministério da Saúde, teve uma breve passagem por Coimbra (1943/1946), onde estabelece amizade com Miguel Torga e convive com outros poetas e críticos de gerações e opções estéticas diversas, como Carlos de Oliveira, Paulo Quintela, Afonso Duarte e Eduardo Lourenço. No entanto, a sua filiação literária, depois das influências iniciais de Botto, Pessoa e Casais Monteiro, mais Rimbaud, Lorca, Walt Whitman, estabelece-se com os poetas do denominado grupo dos independentes, ou seja, dos poetas que não pertenciam às duas correntes literárias então dominantes: o neorrealismo e o presencismo. Poetas como Sophia de Mello Breyner Andresen, Jorge de Sena, Natália Correia e António Ramos Rosa, nascidos entre 1919 (Sena e Sophia), 1923 (Natália) e 1924 (Ramos Rosa), terão pertencido a esse inorgânico grupo, tendo apenas em comum, com maior ou menor expressão, a sua preclara oposição ao regime fascista. As produções poéticas destes autores não deixaram, a espaços, de reflectir esse posicionamento cívico de um modo genérico, embora, e por vezes, ideologicamente confuso.
Colocado profissionalmente no Porto, como inspector administrativo do Ministério da Saúde, será nessa cidade que parecia um sindicato de viúvas, na expressão de João Villaret, que irá estabelecer-se a partir de 1950, aí vivendo até ao final dos seus dias, sendo considerado um dos seus mais ilustres habitantes. Aí conhecerá José da Cruz Santos, esse mestre das edições exemplares, seu editor e cúmplice, tendo grande parte da sua obra sido publicada pela mítica editora Inova.
Poeta como pedreiro
Em várias entrevistas, Eugénio fala-nos da revolução dos cravos e do País em que muita coisa mudou e assume no livro Epitáfios, o seu posicionamento político, em belos e simbólicos poemas, como este O Comum da Terra, tocante tributo a Vasco Gonçalves, recordando também os dias altos e fulgurantes de Abril, mas já a denunciar as margens que o incendiavam: Nesses dias era sílaba a sílaba que chegavas/Quem conheça o sul e a sua transparência/também sabe que no verão pelas veredas/da cal a crispação da sombra caminha devagar./De tanta palavra que disseste algumas/se perdiam, outras duram ainda, são lume/breve arado ceia de pobre roupa remendada./Habitavas a terra, o comum da terra, e a paixão/era morada e instrumento de alegria.//Esse eras tu: inclinação da água. Na margem/vento areias mastros lábios, tudo ardia.
Neste mesmo livro, mais um dos seus poemas antológicos, escrito ainda nos dias sombrios do caetanismo, mas já inundado pelas águas inquietas do porvir, anunciador das palavras que é urgente semear, palavras que aguardam na noite o sol e o vinho que haveríamos de beber em redor do fogo: Elegia das Águas Negras Para Che Guevara – Olhos apertados pelo medo/aguardam na noite o sol onde cresces,/onde te confundes com os ramos/de sangue do verão ou o rumor/dos pés brancos da chuva nas areias.//A palavra, como tu dizias, chega/húmida dos bosques: temos que semeá-la;/chega húmida da terra: temos que defendê-la;/chega com as andorinhas/que a beberam sílaba a sílaba na tua boca.//Cada palavra tua é um homem de pé,/cada palavra tua faz do orvalho uma faca,/faz do ódio um vinho inocente/para bebermos contigo/no coração em redor do fogo.
Um outro poema ainda, intenso e magoado, que nos fala de José Dias Coelho e de Catarina, da morte de ambos às mãos do puro ódio fascista: […] dizias: espaço diurno onde o rumor/do sangue é um rumor de ave -/repara como voa, e poisa nos ombros/da Catarina que não cessam de matar.//Sem vocação para a morte, dizíamos. Também/ela, também ela a não tinha. Na planície/ branca era uma fonte: em si trazia/um coração inclinado para a semente do fogo.//Catarina ou José – o que é um nome?/Que nome nos impede de morrer,/quando se beija a terra devagar/ou uma criança trazida pela brisa?
Ao lermos estes poemas de Eugénio, e os significantes que os estruturam, apetece-nos dizer como Ramos Rosa: Rei Midas do verbo: palavra que tocasse virava ouro de lei.
Tradutor de Lorca, das Cartas Portuguesa, atribuídas a Mariana Alcoforado, dos poemas de Safo; organizador de diversas antologias; Prémio Camões, em 2001, Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada, prémios da Crítica e da APE; poeta da plenitude e da esperança, poeta maior de um firmamento de notáveis, Eugénio de Andrade considerava que o seu trabalho de poeta seria um ofício equiparado ao de um pedreiro, profissão que fora a do seu avô: Ele usava o granito como material, as suas casas estão ainda de pé; o neto trabalha com poeira, sem nenhuma pretensão de desafiar o tempo.
Quando as palavras de um poeta nos tocam, esse acto em construção, primordial do ser, o poema é substância e argila. Pode moldar a nossa forma de entender e de habitar o mundo e dar-nos consciência do modo como o podemos transformar. Eugénio de Andrade é um desses raros poetas. Por isso, connosco caminha. Para sempre.
Bibliografia: Obras de Eugénio de Andrade; Prefácio de Óscar Lopes para Antologia Breve – Inova, 1972; A Poesia Portuguesa nos Meados do Século XX, de Maria de Fátima Marinho, Caminho, 1987; Incisões Oblíquas, de António Ramos Rosa, Caminho, 1987; Cifras do Tempo, de Óscar Lopes, Caminho, 1990.
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quarta-feira, 11 de janeiro de 2023
Helena Pato - "O pior que nos pode acontecer, é rendermo-nos à burguesia"... (Francisco Miguel)
Francisco Miguel Duarte - Não cultives a fraqueza
Pedro Tadeu - Quais foram os agentes provocadores da revolta no Brasil?
11 Janeiro 2023 —
Tratar os milhares de pessoas que
invadiram e vandalizaram o complexo de edifícios dos Três Poderes em Brasília
como "terroristas", como vi um grande número de comentadores fazerem,
parece-me trair a suposta racionalidade democrática que esse epíteto pretende
demonstrar - não distinguir massas populares manipuladas dos agentes
provocadores dessa manipulação, que levam tantas pessoas a agirem como turba
destruidora, parece-me mesmo um exercício antidemocrático.
Aquilo que estou a designar por
"agentes provocadores" desta sublevação, desta recusa em aceitar um
resultado eleitoral livre e justo, abrange um espetro largo de pessoas, ideias
e instituições e existem, com nuances, tanto no Brasil, como nos Estados
Unidos, como em Portugal. Estão mesmo por todo o lado.
Há "agentes
provocadores" de primeira linha nesta ação no Brasil: os políticos
bolsonaristas mais radicais que ajudaram à sua organização, os empresários que
a financiaram ou os polícias e militares que deliberadamente a permitiram.
Há "agentes
provocadores" de segunda linha, bastante mais difíceis de dissipar: o
estado de espírito que gera esta mobilização para a pancadaria advém da
capacidade de convencer estas pessoas de estarem a viver numa sociedade em que
são enganadas pelo governo, onde as eleições são fraudulentas, onde os
políticos do regime democrático são quase todos corruptos, onde há uma suposta
campanha moral contra a família tradicional, onde se sugere que quem é patriota
é perseguido, onde se apregoa que o "verdadeiro cristianismo" é
acossado, onde se acusa o Sistema Educativo de "corromper" as mentes
dos alunos, onde se convence que os subsídios para os pobres desempregados vêm
de dinheiro "roubado" aos que trabalham, onde se assegura que quem
tem mérito é prejudicado, onde se propagandeia que a liberdade está limitada.
Esta segunda linha de
"agentes provocadores" da sublevação é alimentada por igrejas
pentecostais, por propagandistas das redes sociais, por extremistas
organizados, por fanáticos fascistas, por militares saudosistas da ditadura
brasileira, por empresários gananciosos e por justiceiros iluminados.
E há, também, uma terceira linha
de "agentes provocadores" para esta violência que é culturalmente
secular e que as democracias, erradamente, não combatem e, até, promovem: a
crença de que o êxito das sociedades depende de um líder esclarecido, de um
privilegiado que tudo resolve, e não de um esforço coletivo e participado de toda
gente; a convicção de que o direito à liberdade permite o abuso sobre o outro e
a formação de "tribos" identitárias de combate supremacista sobre
outras "tribos"; a aceitação da submissão geral a um poder superior,
seja ele divino, politico ou económico, como sendo essa "a ordem natural
das coisas".
A esta loucura toda associam-se,
no entanto, gravosas contribuições geradas dentro do próprio regime
democrático, uma quarta linha de "agentes provocadores": de facto, a
corrupção existe; de facto as desigualdades sociais agravam-se; de facto a
política é suja; de facto há uns que comem tudo e outros que não comem nada; de
facto elegem-se cada vez mais indivíduos do que propostas políticas; de facto a
sociedade globalizada tenta eliminar o patriotismo da equação socioeconómica,
reduzindo-o ao estatuto de amor de uma equipa de futebol (ver estes agressores
vestidos com a camisola amarela da seleção brasileira diz tudo...); de facto o
Sistema Educativo não equipou as populações para resistirem por si mesmas à manipulação
ideológica; de facto a única resposta contra a polarização do debate público
tem sido uma sucessiva tentativa de o censurar e não de resolver os problemas
que ele revela; de facto, a intolerância insuportável contra as minorias
sexuais e étnicas gerou uma serie de soluções discriminatórias positivas que
põem pobre contra pobre, em vez de unir todos os pobres contra quem os explora;
de facto é a divisão violenta entre os mais desfavorecidos que serve os
interesses de quem manipula estas pessoas para vir a dominar, em regime
absoluto, a riqueza geral criada pelo povo.
A democracia, enquanto funcionar
assim, terá sempre opositores violentos.
https://www.dn.pt/opiniao/quais-foram-os-agentes-provocadores-da-revolta-no-brasil-15635684.html
Fernanda Câncio - Bem-vindos à fakedemocracia
Primeiro nos EUA e depois no Brasil, o assalto aos símbolos do poder democrático por quem recusa, em nome do "povo", o resultado de escrutínios eleitorais coloca-nos perante a evidência de que democracia, justiça e bem são noções que variam de acordo com quem ganha ou perde - como no futebol.
Fernanda Câncio
10 Janeiro 2023
Neste domingo em Brasília, como a 6 de janeiro de 2021 no
assalto ao Capitólio, pudemos ver em direto, ou quase em direto, as imagens dos
assaltantes por si próprios, filmando tudo e filmando-se, através da partilha
orgulhosa nas redes sociais - como quem não coloca sequer a hipótese de estar a
cometer um crime e portanto a oferecer às autoridades as provas e identificação
necessárias para os encontrarem e processarem.
Podemos, é claro, explicar isso com a excitação, aliada à
falta de inteligência - ou ingenuidade, se quisermos ser caridosos. Mas sendo
do conhecimento geral que muitos dos assaltantes do Capitólio foram
identificados e acusados com base nas imagens partilhadas pelos próprios ou por
companheiros de assalto, talvez seja avisado pensar noutras explicações.
Além de todos os motivos tontos, que também existem, como o
da compulsão da selfie, aquelas pessoas querem mostrar-se naquele assalto
porque consideram estar a fazer algo heroico, pelo bem, e ter com elas, por
elas, muita gente, que pensam poder "levantar", contagiar, ganhar,
com a partilha. Não é só o assalto que é uma ação política - a partilha faz
parte da ação, como modo ostensivo de demonstrar que não só quem protagoniza
não aceita a ideia de estar a cometer um crime como despreza quem assim o possa
considerar. Porque, e o sequestro das cores do país e da sua bandeira como
símbolos do movimento significam isso, para quem ali está, aquele é "o
verdadeiro Brasil", o verdadeiro "povo".
Justamente, na entrada de um dos edifícios, ouve-se um dos assaltantes
dizer: "Já está tomado, estamos na casa do povo." Se
a casa é do povo, e se aquele é o povo, não há crime, pelo contrário; trata-se
de retomar legitimamente o que foi roubado, segundo o princípio básico da
democracia - um governo do povo, para o povo e pelo povo.
E nesse sentido não há nada mais simbólico que as filmagens
da entrada no Supremo Tribunal e da sua destruição, como o empunhar ante a
multidão, por um dos assaltantes, daquilo que sabemos agora ser uma cópia da
Constituição de 1988 (a filmagem começou por ser partilhada referindo que se
tratava do original).
Que vemos ali? Uma deslegitimação do regime através
da dessacralização da sua lei fundamental e do tribunal que tem por função
interpretá-la e aferir por ela quaisquer leis e práticas, ou uma pretensa
recuperação, pelo "povo" que os assaltantes creem representar, dos
princípios constitucionais que proclamam dar-lhes razão (um dos
artigos da Constituição tem sido sistematicamente invocado pelos bolsonaristas
como fundamento para um golpe militar)?
Na verdade, para aquelas pessoas, como para os assaltantes
do Capitólio, a convicção de que estão perante um roubo não tem sequer de se
fundar na ideia, alegada quer por Trump e trumpistas quer por Bolsonaro e
bolsonaristas, de que houve uma fraude eleitoral. Há uma espécie de conclusão
tautológica: se não foi ao seu lado, ao seu candidato, que foi
reconhecida a vitória, então a eleição não foi justa. Como para os fanáticos
futeboleiros, qualquer derrota só pode explicar-se por "roubo",
qualquer resultado que não o desejado só pode ser ilegítimo.
Assim, as mesmas regras e instituições que serviram para dar
a vitória a Trump e Bolsonaro deixam de ser credíveis quando são
derrotados. A democracia só é democracia se ganharem; as leis e os
tribunais só são para respeitar se prenderem Lula; quando o soltam passam a não
valer nada.
Os mesmos que exigiam "lei e ordem" e uma
"intervenção militar" para "repor a legalidade" podem então
escavacar edifícios públicos, roubar artefactos valiosos, esfaquear quadros,
defecar nos gabinetes, espancar polícias (os polícias que os enfrentaram;
também os houve) e os seus cavalos, num festim de ódio e absurdo.
Queremos acreditar que este espectáculo indecente terá o
efeito contrário do pretendido; que nos muitos milhões que votaram em Trump e
Bolsonaro - lembremos que perderam por muito pouco - há uma maioria que não se
revê nos assaltos de janeiro de 2021 e 2023. Que acontecimentos como estes
contribuem para enfraquecer a respetiva base de apoio, alienando muita gente, e
são por isso erros políticos - e Lula, depois de uma primeira reação
destemperada no domingo, soube esta segunda-feira corrigir o tom e o discurso
de modo a ir ao encontro de quem, não tendo votado nele, se queira demarcar do
ocorrido.
Aliás, de tal modo o que aconteceu pode revelar-se danoso
para o bolsonarismo que há quem esteja já a pôr a hipótese de que a aparatosa
ausência de reação policial em Brasília foi fruto de um maquiavelismo - o de
permitir que os vândalos agissem à vontade, de modo a que Bolsonaro e o seu
movimento caíssem em desgraça, perdendo apoio nacional e internacional.
É verdade que internacionalmente Bolsonaro viu até líderes
de extrema-direita como a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni
demarcarem-se de modo inequívoco do sucedido (quiçá vêm daí as fortes dores de
barriga que, dizem-nos, o acometeram na Florida), e que o próprio, isolado,
amedrontado e sonso, acabou por fazer o mesmo. Mas aquilo a que assistimos nos
EUA e agora no Brasil (e mais ainda porque se repetiu no Brasil depois de
acontecer nos EUA, em óbvia remake do filme americano) não é
apenas um sinal daquilo que já sabemos - que no seio das democracias estão a
crescer exponencialmente movimentos cujo intuito, consciente ou inconsciente, é
derrubá-las, chegando ao paradoxo de exigir, como o fazem os
bolsonaristas, a implantação de ditaduras militares como "salvação"
do país e do próprio regime democrático.
Estes acontecimentos medonhos demonstram que a ideia de
democracia se transformou, para muita gente, num conceito plástico, vazio, que
não corresponde a qualquer conjunto de princípios. Uma espécie de fakedemocracia,
ou democracia alternativa - como as fake news e os factos
alternativos, é o que der jeito no momento.
https://www.dn.pt/opiniao/bem-vindos-a-fakedemocracia-15629461.html
domingo, 8 de janeiro de 2023
António Jorge - De onde vem a deificação do mal…
De onde vem a deificação do mal…
- Os bons e os maus
- O homem e a mulher
- A criação do preconceito étnico
- Como se cria a diabolização na política
- Os ucranianos… os bons e os russos os maus…
Estamos formatados para aceitar tudo isto e muito mais!
- E o novo Patriarca da minha familia… “Ferreira Jorge”, que
passou para mim, por falecimento de todos os meus irmãos!
Na história dos mitos e tradições do passado, todos os povos
foram e são… influenciados, nomeadamente pelos dogmas e valores das religiões e
do obscurantismo a que estão associados obviamente, o peso maior em cada civilização…
do poder religioso sob o poder político e do atraso cultural e das crendices no
povo.
- Segundo a história, a língua de Cristo, foi o aramaico, e a
Bíblia que chegou ao Ocidente, foi traduzida do aramaico para o grego.
Ora… grego é o pai da civilização ocidental e pai do Latim…
da qual falamos uma das suas línguas o português.
Falamos o Latim, porque fomos colonizados pelos romanos.
- Tal como em alguns países do Mundo, se fala o português,
porque colonizamos na América Latina, em África e até em partes da Ásia…
nomeadamente na India.
Da Grécia antiga, veio-nos também a influência cultural…
chamada de ocidental, até mesmo a procura da criação de sociedades
Democráticas… tentada no passado e no presente… mas não conseguida ainda.
O desenvolvimento e o modo de produção na Europa, fizeram o
resto do poder nascido do desenvolvimento e dos vários modos de produção em
cada época e contexto, estabelecendo as regras e valores e alienações das
sociedades em que vivemos desde há séculos, em função do nível de desenvolvimento
de cada país e povos e das suas contradições internas e externas, até
chegar-mos ao Mundo moderno actual.
No passado, e em Portugal, o poder era constituído, pelo
clero, nobreza e o povo. No topo da sociedade encontrava-se o monarca, o rei ou
a rainha.
Quer dizer que o poder político teve sempre uma grande
influência no poder religioso e junto do povo, como processo dirigido de
assimilação cultural e da formação do nacionalismo e do patriotismo.
- As descobertas marítimas, foram feitas em nome da fé, e do
alargamento do império.
Patriarca, originalmente, era uma pessoa que exercia uma
autoridade autocrática no papel de pater familias sobre uma família estendida.
O sistema de governo de famílias pelo homem mais velho é denominado
patriarcado.
“A palavra é derivada do grego e significa "chefe"
ou "pai de família", uma composição de pátria ("família") e
"governar").
E para demonstrar que tudo isto está relacionado com a Bíblia
- Abraão, Isaac e Jacobe, são geralmente chamados de patriarcas do povo de
Israel e do período no qual eles viveram, que é chamado de Época Patriarcal. A
palavra "patriarca" original adquiriu o seu significado religioso na
Septuaginta, (1) na versão grega da Bíblia.
“É difícil rastrear os passos que possibilitaram a liquidação
do matriarcado e o triunfo do patriarcado, há 10 mil, 12 mil anos. Mas foram
deixados rastos dessa luta de gêneros. A forma como foi relido o pecado de Adão
e Eva nos revela o trabalho de desmonte do matriarcado pelo patriarcado. Essa
releitura foi apresentada por duas conhecidas teólogas feministas, Riane Eisler
e Françoise Gange.
Segundo elas, se realizou um processo de culpabilização das
mulheres no esforço de consolidar o domínio patriarcal. Os ritos e símbolos
sagrados do matriarcado são diabolizados e retroprojetados às origens na forma
de um relato primordial, com a intenção de apagar totalmente os traços do
relato feminino anterior.
O atual relato do pecado das origens, acontecido no paraíso
terreno, coloca em xeque quatro símbolos fundamentais da religião das grandes
deusas-mães.
O primeiro símbolo a ser atacado foi a própria mulher (Gn
3,16), que na cultura matriarcal representava o sexo sagrado, gerador de vida.
Como tal, ela simbolizava a Grande Mãe, a Suprema Divindade.
Em segundo lugar, desconstruiu-se o símbolo da serpente, considerado
o atributo principal da Deusa Mãe. Ela representava a sabedoria divina que se
renovava sempre, como a pele da serpente.
Em terceiro lugar, desfigurou-se a árvore da vida, sempre
tida como um dos símbolos principais da vida. Ligando o céu com a terra, a
árvore continuamente renova a vida, como fruto melhor da divindade e do
universo. Gênesis 3,6 diz explicitamente que “a árvore era boa para se comer,
uma alegria para os olhos e desejável para se agir com sabedoria”.
Em quarto lugar, destruiu-se a relação homem-mulher que
originariamente constituía o coração da experiência do sagrado. A sexualidade
era sagrada, pois possibilitava o acesso ao êxtase e ao saber místico.
Ora, o que fez o atual relato do pecado das origens? Inverteu
totalmente o sentido profundo e verdadeiro desses símbolos. Dessacralizou-os,
diabolizou-os e os transformou de bênção em maldição.
A mulher será eternamente maldita, feita um ser inferior. O
texto bíblico diz explicitamente que “o homem a dominará” (Gen 3,16). O poder
da mulher de dar a vida foi transformado numa maldição: “multiplicarei o
sofrimento da gravidez” (Gn 3,16). A inversão foi total e de grande
perversidade.
A serpente é maldita (Gn 3,14) e feita símbolo do demônio
tentador. O símbolo principal da mulher foi transformado em seu inimigo
fidagal: “porei inimizade entre ti e a mulher... tu lhe ferirás o calcanhar”
(Gn 3,15).
A árvore da vida e da sabedoria vem sob o signo do interdito
(Gn 3,3,). Antes, na cultura matriarcal, comer da árvore da vida era se imbuir
de sabedoria. Agora, comer dela significa um perigo mortal (Gn 3,3), anunciado
por Deus mesmo. O cristianismo posterior substituirá a árvore da vida pelo
lenho morto da cruz, símbolo do sofrimento redentor de Cristo.
O amor sagrado entre o homem e a mulher vem distorcido:
“entre dores darás à luz os filhos; a paixão arrastar-te-á para o marido e ele
te dominará” (Gn 3,16). A partir de então se tornou impossível uma leitura
positiva da sexualidade, do corpo e da feminilidade.
Aqui se operou uma desconstrução total do relato anterior,
feminino e sacral. Apresentou-se outro relato das origens, que vai determinar
todas as significações posteriores. Todos somos, bem ou mal, reféns do relato
adâmico, antifeminista e culpabilizador.”
- Leonardo Boff
Família, história, cultura social, religiões e tradições
- E de onde vem a exploração e o poder do género… o do homem!
O Patriarcado na familia, na cultura e nos valores das
sociedades… do passado e do presente!
- Com o falecimento da minha última irmã, há alguns dias
atrás, e que era a última matriarca da nossa familia, antes, já todos os filhos
dos meus pais… meus irmãos, tinham falecido, passo eu a ser o último Patriarca
da familia “Ferreira Jorge” por ter sido o último filho deste casal e estar
ainda em vida.
- Com o meu desaparecimento um dia, esta familia acaba-se, em
termos da sua relação com os progenitores, António Jorge, meu pai, e Maria
Branca, a minha mãe.
Continuando nos descendentes dos filhos e netos, mas a partir
de outro tronco familiar dentro da mesma árvore geneológica.
Pelo que, no Patriarcado familiar, a sucessão é naturalmente
tradicional, e sem grande valor ou importância familiar.
Patriarca, originalmente na antiguidade, era uma pessoa que
exercia uma autoridade autocrática no papel de “pater familias” sobre uma
determinada família extensa e ampliada.
- O sistema de governo de famílias pelo homem mais velho é
denominado de Patriarcado, e a sua sucessão ocorre pela sua morte, para o filho
mais velho e assim sucessivamente, havendo outros filhos. É uma substituição
natural, que se esgota, após a morte do último filho de um determinado casal.
No caso dos familiares directos do casal, António Ferreira
Jorge e de Maria Branca Ferreira, acabará o denominado tronco direto familiar,
com a morte do último filho, que sou eu, mantendo-se entretanto a linhagem
familiar, através das filhas, netos, e bisnetos desta familia nascida dos meus
pais, surgida em finais do século XIX, pelo lado do meu pai, e principio do
século XX, pela minha mãe.
Septuaginta, é a versão da Bíblia hebraica traduzida em
etapas para o grego coiné, entre o século III a.C. e o século I a.C., em
Alexandria.
() A sociedade Matriarcal
1 - A mulher é considerada como base da família, segundo
certo sistema cultural, sociológico e religioso.
2 - A progenitora
() No Patriarcado
A palavra "patriarcado" traduz-se literalmente como
a autoridade do homem representada pela figura do pai.
O termo foi utilizado por muito tempo para descrever um tipo
de "família dominada por homens".
O grande agregado familiar patriarcal incluía mulheres,
crianças, escravos e servos domésticos, todos sob o domínio de um ou mais
homens.
() A diferença entre matriarcado e patriarcado
Existem várias diferenças óbvias entre esses dois sistemas
sociais. O matriarcado, por exemplo, é essencialmente uma sociedade orientada
para as mulheres, em que toda a liderança e autoridade estão nas mãos delas.
O patriarcado, por outro lado, é um sistema social no qual os
homens desfrutam de todos os poderes, controlo e autoridade, e as mulheres são
discriminadas e recebem papéis subordinados ao homem.
() A sociedade Matriarcal
1 - A mulher é considerada como base da família, segundo
certo sistema cultural, sociológico e religioso.
2 - A progenitora
() O Patriarcado
A palavra "patriarcado" traduz-se literalmente como
a autoridade do homem representada pela figura do pai.
O termo foi utilizado por muito tempo para descrever um tipo
de "família que é dominada por homens".
O grande agregado familiar patriarcal incluía mulheres,
crianças, escravos e servos domésticos, todos sob o domínio de um ou mais
homens.
António Jorge - editor
20232 01 08 Porto e Luanda