11 Janeiro 2023 —
Tratar os milhares de pessoas que
invadiram e vandalizaram o complexo de edifícios dos Três Poderes em Brasília
como "terroristas", como vi um grande número de comentadores fazerem,
parece-me trair a suposta racionalidade democrática que esse epíteto pretende
demonstrar - não distinguir massas populares manipuladas dos agentes
provocadores dessa manipulação, que levam tantas pessoas a agirem como turba
destruidora, parece-me mesmo um exercício antidemocrático.
Aquilo que estou a designar por
"agentes provocadores" desta sublevação, desta recusa em aceitar um
resultado eleitoral livre e justo, abrange um espetro largo de pessoas, ideias
e instituições e existem, com nuances, tanto no Brasil, como nos Estados
Unidos, como em Portugal. Estão mesmo por todo o lado.
Há "agentes
provocadores" de primeira linha nesta ação no Brasil: os políticos
bolsonaristas mais radicais que ajudaram à sua organização, os empresários que
a financiaram ou os polícias e militares que deliberadamente a permitiram.
Há "agentes
provocadores" de segunda linha, bastante mais difíceis de dissipar: o
estado de espírito que gera esta mobilização para a pancadaria advém da
capacidade de convencer estas pessoas de estarem a viver numa sociedade em que
são enganadas pelo governo, onde as eleições são fraudulentas, onde os
políticos do regime democrático são quase todos corruptos, onde há uma suposta
campanha moral contra a família tradicional, onde se sugere que quem é patriota
é perseguido, onde se apregoa que o "verdadeiro cristianismo" é
acossado, onde se acusa o Sistema Educativo de "corromper" as mentes
dos alunos, onde se convence que os subsídios para os pobres desempregados vêm
de dinheiro "roubado" aos que trabalham, onde se assegura que quem
tem mérito é prejudicado, onde se propagandeia que a liberdade está limitada.
Esta segunda linha de
"agentes provocadores" da sublevação é alimentada por igrejas
pentecostais, por propagandistas das redes sociais, por extremistas
organizados, por fanáticos fascistas, por militares saudosistas da ditadura
brasileira, por empresários gananciosos e por justiceiros iluminados.
E há, também, uma terceira linha
de "agentes provocadores" para esta violência que é culturalmente
secular e que as democracias, erradamente, não combatem e, até, promovem: a
crença de que o êxito das sociedades depende de um líder esclarecido, de um
privilegiado que tudo resolve, e não de um esforço coletivo e participado de toda
gente; a convicção de que o direito à liberdade permite o abuso sobre o outro e
a formação de "tribos" identitárias de combate supremacista sobre
outras "tribos"; a aceitação da submissão geral a um poder superior,
seja ele divino, politico ou económico, como sendo essa "a ordem natural
das coisas".
A esta loucura toda associam-se,
no entanto, gravosas contribuições geradas dentro do próprio regime
democrático, uma quarta linha de "agentes provocadores": de facto, a
corrupção existe; de facto as desigualdades sociais agravam-se; de facto a
política é suja; de facto há uns que comem tudo e outros que não comem nada; de
facto elegem-se cada vez mais indivíduos do que propostas políticas; de facto a
sociedade globalizada tenta eliminar o patriotismo da equação socioeconómica,
reduzindo-o ao estatuto de amor de uma equipa de futebol (ver estes agressores
vestidos com a camisola amarela da seleção brasileira diz tudo...); de facto o
Sistema Educativo não equipou as populações para resistirem por si mesmas à manipulação
ideológica; de facto a única resposta contra a polarização do debate público
tem sido uma sucessiva tentativa de o censurar e não de resolver os problemas
que ele revela; de facto, a intolerância insuportável contra as minorias
sexuais e étnicas gerou uma serie de soluções discriminatórias positivas que
põem pobre contra pobre, em vez de unir todos os pobres contra quem os explora;
de facto é a divisão violenta entre os mais desfavorecidos que serve os
interesses de quem manipula estas pessoas para vir a dominar, em regime
absoluto, a riqueza geral criada pelo povo.
A democracia, enquanto funcionar
assim, terá sempre opositores violentos.
https://www.dn.pt/opiniao/quais-foram-os-agentes-provocadores-da-revolta-no-brasil-15635684.html
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