quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Pedro Tadeu - Quais foram os agentes provocadores da revolta no Brasil?

* Pedro Tadeu

11 Janeiro 2023 — 

Tratar os milhares de pessoas que invadiram e vandalizaram o complexo de edifícios dos Três Poderes em Brasília como "terroristas", como vi um grande número de comentadores fazerem, parece-me trair a suposta racionalidade democrática que esse epíteto pretende demonstrar - não distinguir massas populares manipuladas dos agentes provocadores dessa manipulação, que levam tantas pessoas a agirem como turba destruidora, parece-me mesmo um exercício antidemocrático.

Aquilo que estou a designar por "agentes provocadores" desta sublevação, desta recusa em aceitar um resultado eleitoral livre e justo, abrange um espetro largo de pessoas, ideias e instituições e existem, com nuances, tanto no Brasil, como nos Estados Unidos, como em Portugal. Estão mesmo por todo o lado.

Há "agentes provocadores" de primeira linha nesta ação no Brasil: os políticos bolsonaristas mais radicais que ajudaram à sua organização, os empresários que a financiaram ou os polícias e militares que deliberadamente a permitiram.

Há "agentes provocadores" de segunda linha, bastante mais difíceis de dissipar: o estado de espírito que gera esta mobilização para a pancadaria advém da capacidade de convencer estas pessoas de estarem a viver numa sociedade em que são enganadas pelo governo, onde as eleições são fraudulentas, onde os políticos do regime democrático são quase todos corruptos, onde há uma suposta campanha moral contra a família tradicional, onde se sugere que quem é patriota é perseguido, onde se apregoa que o "verdadeiro cristianismo" é acossado, onde se acusa o Sistema Educativo de "corromper" as mentes dos alunos, onde se convence que os subsídios para os pobres desempregados vêm de dinheiro "roubado" aos que trabalham, onde se assegura que quem tem mérito é prejudicado, onde se propagandeia que a liberdade está limitada.

Esta segunda linha de "agentes provocadores" da sublevação é alimentada por igrejas pentecostais, por propagandistas das redes sociais, por extremistas organizados, por fanáticos fascistas, por militares saudosistas da ditadura brasileira, por empresários gananciosos e por justiceiros iluminados.

E há, também, uma terceira linha de "agentes provocadores" para esta violência que é culturalmente secular e que as democracias, erradamente, não combatem e, até, promovem: a crença de que o êxito das sociedades depende de um líder esclarecido, de um privilegiado que tudo resolve, e não de um esforço coletivo e participado de toda gente; a convicção de que o direito à liberdade permite o abuso sobre o outro e a formação de "tribos" identitárias de combate supremacista sobre outras "tribos"; a aceitação da submissão geral a um poder superior, seja ele divino, politico ou económico, como sendo essa "a ordem natural das coisas".

A esta loucura toda associam-se, no entanto, gravosas contribuições geradas dentro do próprio regime democrático, uma quarta linha de "agentes provocadores": de facto, a corrupção existe; de facto as desigualdades sociais agravam-se; de facto a política é suja; de facto há uns que comem tudo e outros que não comem nada; de facto elegem-se cada vez mais indivíduos do que propostas políticas; de facto a sociedade globalizada tenta eliminar o patriotismo da equação socioeconómica, reduzindo-o ao estatuto de amor de uma equipa de futebol (ver estes agressores vestidos com a camisola amarela da seleção brasileira diz tudo...); de facto o Sistema Educativo não equipou as populações para resistirem por si mesmas à manipulação ideológica; de facto a única resposta contra a polarização do debate público tem sido uma sucessiva tentativa de o censurar e não de resolver os problemas que ele revela; de facto, a intolerância insuportável contra as minorias sexuais e étnicas gerou uma serie de soluções discriminatórias positivas que põem pobre contra pobre, em vez de unir todos os pobres contra quem os explora; de facto é a divisão violenta entre os mais desfavorecidos que serve os interesses de quem manipula estas pessoas para vir a dominar, em regime absoluto, a riqueza geral criada pelo povo.

A democracia, enquanto funcionar assim, terá sempre opositores violentos.

https://www.dn.pt/opiniao/quais-foram-os-agentes-provocadores-da-revolta-no-brasil-15635684.html 


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