domingo, 8 de janeiro de 2023

Carlos Coutinho - Não posso crer

* Carlos Coutinho

Não posso crer
  AINDA não consegui superar a minha velha dificuldade em pensar racional e friamente em certas pessoas antigas, mitificadas ou não, porque, apesar de todos os esforços que faço para me adaptar a uma norma ética no seu e no meu tempo, acabo sempre por descobrir que cada preconceito que estrangulo é sistematicamente substituído por outro, quase sempre o seu inverso.  

    A ética de Aristóteles ou Plutarco opõe-se mesmo à de Cristo e de Espártaco? 
    E a razão dos cátaros é maior ou menor que a dos iluminados? 
   E a resistência pacífica de Francisco de Assis e a de Gandhi causaram menos ou mais mortos que a luta armada, na Europa, na Ásia, e na Africa? 
   E o calculismo de Maquiavel é mais lúcido e menos justo que o de Giordano Bruno e de Lutero? 
   Como definir ou simplesmente contabilizar o saldo da contradição entre ambas as escolhas? 
   Como avaliar a necessidade do predador e a da presa? 
   Como não perguntar como Garrett quantos pobres são precisos para fazer um rico? 
   Mais concretamente, como enriqueceram os brasileiros de torna-viagem? 

   Assaltam-me estas questões, quando, por exemplo, me ponho a pensar na personalidade do Infante D. Henrique ou na de Luís de Camões. Um deixou morrer o irmão numa enxovia prisional de Marrocos para não devolver a cidade sarracena que havia conquistado e deixar saquear no meio de um morticínio, além de ser filho de rei e comandante de corsários no Mediterrâneo. Comandou drasticamente, com a insanidade da sua misoginia, o início da globalização económica mercantil e amoral, bem como a escravatura como um objetivo económico. 

   E como avaliar a honorabilidade de Camões sabendo dos seus poucos escrúpulos nos dias e noites de Lisboa, da Ilha de Moçambique, de Macau, etc., sabendo-o um marginal, um zaragateiro contumaz e, tantas vezes, um alcoólatra completamente destrambelhado? Tudo isto apesar da sua dimensão enquanto persona genial só comparável na Europa a Homero, a Petrarca e a Shakespeare. 

   E como distinguir a responsabilidade de um pedófilo, de um toureiro, ou de um vendedor de droga a miúdos e graúdos nas imediações das escolas e de certos cafés, como o da minha rua?  

   Porque não deixaram nem os gregos, nem Marx uma noção intemporal da diferença ontológica entre o moral e o imoral, até porque como amoral apenas sei do pragmatismo? 

   Mao terá cometido erros e talvez alguns graves, tal tomo todos seus sucessores, incluindo o atual, mas o que estamos a ver é um desempobrecimento de milhões de chineses e o fulgurante progresso do seu país. É caso para recordar o autocrata Marquês de Pombal e questionarmo-nos se o despotismo esclarecido foi uma perversão ou uma salvífica emergência. 

   Não gostaria de chafurdar no pântano do relativismo e muito menos no conforto insano do pensamento norte-americano, tantas vezes imitado pelos britânicos e por tantos outros, mas a pandemia de antivalores e de outros vírus de ocasião, mas temo que seja mesmo um risco muito sério para quem dá prioridade à sobrevivência e ao sucesso pessoal ou coletivo. Veja-se a história do Cristianismo e de todas as outras religiões e desígnios nacionais.

   Quem sabe se o papa emérito não estaria ainda traumatizado pelo escândalo de pedofilia que envolveu o seu mano Padre Georg e o arranhou também a ele, quando ambos eram sacerdotes em Munique
   À tarde
   NINGUÉM esperava, julgo eu, que o ano de 2023, além das sequelas da pandemia e da continuação do morticínio russo-ucraniano, tivesse também de suportar a carga de ridículo que Lula não conseguiu evitar num Brasil já tão ferido de tragédias e de irrisão. 

   Já tinha caído no esquecimento a postura bacoca da Presidente Dilma Rousseff, quando decretou que passaria a ser tratada por “Presidenta”, acabando corrida de Brasília por sofrer um “impeachment” injusto que teve outras razões, mas aparece agora algo ainda mais patético – a nova ministra da Cultura do enorme Brasil, a cantora baiana Margareth Menezes, já descobriu e mandou usar três géneros na morfologia dos substantivos. Exemplo: todos, todas e “todes”. 

   Não sei se este dislate resulta de pressões vindas de algum 'lobby' do universo LGTBI, que eu muito estranharia ver acatar por uma dengosa e morena filha da Baía, ou se é apenas uma ressonância da castiça pronúncia da beirã Alcains, onde o seu mais célebre filho, o ex-Presidente Eanes, aprendeu a falar. 

   O que sei é que ainda não logrei serenar, entre o riso e a náusea, vendo que vários ministros de Lula já começaram a também dizer “todes”. 

   Será que o novo Presidente vai ceder à palermice inqualificável da sua ministra da Cultura que corre o risco de ser vazada para o Ministério da Coltura, onde Bolsonaro aprendeu a falar? 

   Não posso crer. Nem com um Colt apontado à minha cabeça.

2023 01 08

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