domingo, 14 de maio de 2023

Maria Lopes - A nova vida de Jerónimo no PCP é o regresso ao ponto de partida: a Constituição

* Maria Lopes 

14 de Maio de 2023

Ex-líder comunista tem evitado aparecer junto de Paulo Raimundo para não lhe tirar protagonismo. Queria abrandar o ritmo, mas seis meses depois percorre o país para falar dos valores de Abril


Jerónimo de Sousa esteve nos desfiles do 25 de Abril e do 1.º de Maio, mas foi sempre discreto. Nuno Ferreira Santos

Numa tarde de calor antecipado num Abril que devia ser de águas mil, sabe bem o fresco da pedra do átrio da Academia de Instrução e Recreio Familiar Almadense. Numa das colunas de mármore verde, alguém colou uma folha com Florbela Espanca: "Ser poeta é ser mais alto, é ser maior/ Do que os homens! Morder como quem beija!/ É ser mendigo e dar como quem seja/ Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!" À frente das várias filas de cadeiras, uma mesa com três cadeiras, uma bandeira do PCP - a única que se verá na sala – e a nacional.

Há muita gente reformada, todos conhecem alguém, vêm em casal como para um passeio de fim de tarde, há mães com crianças irrequietas, jovens em pequenos grupos. Cinco minutos depois da hora marcada, já estarão ali cerca de 150 pessoas quando entra pelas portas de alumínio e vidro Jerónimo de Sousa, seguido pelo ex-deputado João Oliveira, de mochila às costas. Há aplausos mas nem um "PCP!" se ouve. Os dois antigos deputados do PCP vêm a Almada falar sobre a Constituição da República Portuguesa e os valores de Abril.

Jerónimo de Sousa, eleito deputado à Constituinte, em 1975, conta episódios desse tempo em que ajudou a elaborar a lei fundamental que pôs por escrito o novo regime nascido da revolução dos cravos, lamenta as machadadas dos inimigos que o texto tem levado desde então (sem resistir a duras críticas aos socialistas, a quem o PCP deu apoio parlamentar durante quatro anos) e avisa para os “ataques antidemocráticos e reaccionários” que se estão a preparar com a actual (e desnecessária, vinca) revisão constitucional.

Depois, o microfone passa para a assistência: há quem lamente o aumento do custo de vida, quem queira ver a Constituição distribuída nas escolas, e quem aproveite para saudar "o operário que ajudou a fazê-la". "Lá porque se é operário podem fazer-se coisas muito mais importantes que os professores e doutores", aponta Rita Magalhães, que já trabalhou com os eurodeputados comunistas, elogiando Jerónimo, que foi secretário-geral do PCP durante 18 anos.

E ainda quem defenda ser importante tê-la em casa "para de vez em quando irmos lá ver os nosso direitos e deveres" - ideia que João Oliveira aproveita a seguir para defender que o principal papel de qualquer comunista ou democrata é exigir o cumprimento da Constituição.

No final, muitos camaradas o cumprimentam. "Hoje vou fazer uma coisa que ando há anos para fazer", anuncia-lhe Maria Eugénia Paulitos. Jerónimo de Sousa arregala os olhos e fica na expectativa. A antiga funcionária da Câmara de Almada pede-lhe "dois beijinhos". E ele dá uma gargalhada. "Álvaro Cunhal era único, mas Jerónimo é homem grande. Hoje vou feliz", haveria de dizer depois ao PÚBLICO já o ex-líder do PCP fora embora.

Quando nos vê, Jerónimo abre um sorriso, mas faz um movimento com o corpo como que a esquivar-se. Não quer falar, aponta para João Oliveira. "Ele que fale." Não, não, obrigada. Era mesmo saber de si que queria. Jerónimo ainda olha para o camarada do apoio que está mesmo ao seu lado… mas não, não quer mesmo falar. Dá-nos uma palmadinha do ombro e o habitual “saúde!” e esgueira-se.

Tem sido assim em praticamente todo o lado onde é abordado pelos jornalistas. Desde que saiu da liderança do partido, fez este sábado, dia 13, seis meses, só uma vez aceitou falar às televisões - na manifestação da CGTP contra o aumento do custo de vida, em meados de Março. Mas participou na da administração pública junto do Parlamento; esteve no desfile do 25 de Abril na avenida e no do primeiro de Maio.

São aparições discretas, normalmente longe do actual secretário-geral comunista Paulo Raimundo, como que evitando ao máximo retirar-lhe qualquer protagonismo. No partido não se admite que haja alguma intencionalidade, que é mesmo Jerónimo quem não pretende qualquer palco e prefere o recato.

Desde o início do ano, Jerónimo e Oliveira estiveram juntos no Porto (onde arrancou este périplo constitucional dos comunistas), em Évora, Coimbra e Faro. O antigo líder comunista esteve também, sozinho, em Braga, Portalegre e Lisboa. Na capital, acompanhou a Constituição e os valores de Abril com uma feijoada, num almoço de domingo com o sector dos seguros no centro de trabalho de Alcântara.

A dinâmica da agenda de Jerónimo de Sousa anda também um pouco ao sabor do ritmo das actividades dos muitos centros de trabalho, das concelhias ou direcções regionais que o querem ter por lá - de Norte a Sul. Participou em diversos almoços de aniversário do PCP (que se assinalou a 6 de Março) e é certo que a sua presença ajudar a mobilizar os camaradas.

Para quem queria (e devia) abrandar o ritmo, a vida não está assim tão diferente. Nem tão calma como deveria aos 76 anos e pouco mais de um ano depois de uma operação a uma estenose carotídea. Jerónimo está mais magro, mas com um ar menos fechado, mais leve.

É certo que agora não há a correria entre a sede do partido, o Parlamento (onde esteve 40 anos) e as muitas iniciativas que as organizações locais do PCP organizam todas as semanas, nem as reuniões da comissão política e do secretariado do Comité Central. Mas Jerónimo vai quase todos os dias à Soeiro Pereira Gomes, onde costuma também almoçar e até fumar um cigarro com Raimundo na varanda - não é fácil cortar, de repente, com a lufa-lufa de comunista.

Mas por vezes já tem que ser Jerónimo a pedir um travão aos camaradas em tanta solicitação. É que pelo menos os fins-de-semana continuam a ser quase todos com agenda. Ainda este sábado esteve numa sessão pública na Marinha Grande – o mesmo sítio onde fez o seu último discurso como secretário-geral, em Novembro, e evocou Álvaro Cunhal.


https://www.publico.pt/2023/05/14/politica/noticia/nova-vida-jeronimo-pcp-regresso-ponto-partida-constituicao-2049574


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