domingo, 26 de novembro de 2023

Calos Vale - O Extremo Centro

* Carlos Vale 

 "Segundo uma das figuras da " esquerda intelectual britânica ", Tariq Ali -  The Extreme Center: À Warning, Nova York, Verso, 2015 - o extremo centro é a aliança onde “centro-esquerda e centro-direita concordam em preservar o status quo; uma ditadura do capital que reduz os partidos políticos ao estatuto de mortos-vivos”. Por trás de discursos muitas vezes melosos, a política do “extremo centro” visa, “custe o que custar”, levar á prática o mais  possível , um  liberalismo económico sem limites, sob a liderança de um executivo com tendências autoritárias."  "Em resposta às reivindicações populares, as classes dominantes utilizam o Estado como garante dos seus interesses particulares, dotando-se, “ao mesmo tempo”, de um sistema mediático capaz de travar uma guerra ideológica de alta intensidade."


 Este fim de semana  foi fértil na propaganda do  "extremo  centro " , com o Congresso do PSD e a campanha eleitoral no PS .

Ao ouvi-los parece que o  país não  precisa de crescimento económico , de melhores salários e pensões , de um serviço nacional de saúde e de uma escola pública de qualidade ,  que o país  não  precisa de melhorar substancialmente a distribuição do rendimento nacional. Do que o país precisa é  de moderação.

   mesmo uma competição  entre os actores políticos para se apresentarem , cada um mais moderado do que o outro... Cavaco diz que é  um adepto entusiasta  da social democracia moderada , Ferreira Leite afirma que não estamos em de tempos de radicalismos , Monte Negro define se como um  moderado ...

A moderação isto é  não tocar nos privilégios dos  dominantes , dos grandes senhores do dinheiro , no sistema financeiro , na banca e nas grandes fortunas é  a nova , velha panaceia do conservadorismo reaccionário que embala o PSD e grande parte do PS .

Mas esta dita moderação é  na verdade  de um radicalismo sem fronteiras quando se trata de defender os grandes interesses e de passar a factura para cima dos trabalhadores , pequenos empresários e camadas médias como vimos , por exemplo ,   na crise de 2007 / 2009  com o sistema bancário ou  no tempo da Troika em que foi tudo a eito , salários , pensões , subsidio de férias ...e até feriados .

 Quem toca ou ameaça  tocar nos privilégios é  no dizer deles , dos seus politólogos e da sua imprensa  , extremista e , como tal ,  demonizado ou silenciado .

 Eles sim  são os  extremistas . o extremo centro , o centrão  do cifrões , o Bloco central das negociatas , o Bloco central dos grandes interesses , o extremismo  dos bem sentados à  mesa do orçamento cuja digestão é por vezes interrompida por tal ou tal incursão do Ministério Público. Eles são os das palavras pias para com os pobrezinhos em tempo de Natal e sempre a dizerem em abstrato que a economia portuguesa não se pode fundar nos baixos salários . A sua governação é conhecida e , pode se dizer que nos últimos anos só com a  dita geringonça . mesmo com limitações ,  os trabalhadores e as camadas populares tiveram algum alivio .

 A campanha eleitoral  já começou e o debate político, entre várias opções, é reduzido ao máximo, em favor de escolhas apresentadas como técnicas, visando fazer acreditar que só existe uma política possível  , a da moderação  a do Statu quo .

Os trabalhadores e os jovens devem, portanto, submeter-se inevitavelmente às falsas opções do "centrão"  que monopoliza cada vez mais a riqueza produzida – em nome da “eficiência” ou da ilusão de um melhor bem-estar, ou mesmo da “justiça”.

Mais do que nunca o que vai ser decisivo é que se verifique uma maioria de esquerda na assembleia da Republica com uma relação de forças favorável  ao Partido mais consequente . o PCP, a CDU .

Quando se formou a Geringonça o PS tinha perdido as eleiçóes !  ... "


Do Facebook de Carlos Vale .

 Publicada por Pena Preta à(s) domingo, novembro 26, 2023

https://foicebook.blogspot.com/2023/11/o-extremo-centro.html


Atilio Boron - A vitória de Milei, uma construção mediática planificada

– Em 2018 fizeram-lhe 235 entrevista e teve 193 547 segundos de tempo de antena – mais do que qualquer outro político. O mesmo verificou-se nos anos seguintes.

Atilio Boron [*]
entrevistado por Correo del Alba
 
Milei é o que no campo político se chama de um outsider. O que se passou com sua figura tão controversa, apoiada por jovens, homens na sua maioria, que ascendeu como espuma? A velha guarda peronista não o viu subir? Ela tem responsabilidade nos resultados deste 19 de Novembro?


Vejamos por partes. Em primeiro lugar, Milei era um outsider na arena política, mas não nos meios de comunicação social. Mariana Moyano, a jornalista que infelizmente desapareceu há algumas semanas, verificou que ele foi o economista mais consultado nos programas de rádio e televisão em 2018. Segundo essa fonte, nesse ano ele foi entrevistado 235 vezes e teve 193.547 segundos de tempo de antena. Nenhuma outra figura da vida política se aproxima sequer destes números, e o mesmo aconteceu nos anos seguintes. Por outras palavras, foi uma construção mediática cuidadosamente planeada.


Em segundo lugar, o papel da juventude, a principal vítima do processo de informalização, "desalarização" e precarização do trabalho. O segmento entre 18 e 29 anos de idade, num total de oito milhões 337 mil 914 pessoas, representa 24,29% do eleitorado nacional. Além disso, um milhão 163.477 jovens entre 16 e 17 anos estão aptos a votar. A nível nacional, esta faixa etária representa apenas 3,3% do total dos cadernos eleitorais, uma proporção quase igual à da província de Entre Ríos. Por conseguinte, estamos a falar de um pouco mais de 27% do eleitorado constituído por jovens que pouco ou nada se sentem motivados a votar no candidato do partido no poder, ou que não têm uma memória muito viva dos acontecimentos de 19 e 20 de novembro de 2001 e mesmo da época dourada do kirchnerismo. Não estavam encantados com a proposta oficial, algo que era evidente até mesmo para um cego, bastando comparar o fervor juvenil dos eventos de Milei - cuidadosamente encenados, sem dúvida, mas adequados para despertar o entusiasmo dos jovens - com a embalagem e uma certa indiferença que prevaleceu em quase todos os eventos que o aparelho da Frente de Todos organizou para Massa.


Para concluir esta resposta, é óbvio que a velha guarda peronista, egocêntrica e entrincheirada na defesa dos seus interesses corporativos e sectoriais, há muito que não vê o que está para vir, nem tem a mínima compreensão do que é e como funciona a sociedade contemporânea. Não é a única, mas é certamente o principal responsável por este desastre.


Quanto do que Milei prometeu na sua campanha é possível realizar na Argentina de hoje?


É difícil fazer um prognóstico. Há áreas em que a resistência social, espontânea, vinda de baixo, será muito forte. Estou a pensar no caso da tentativa de avançar com a privatização da segurança social, dada a experiência catastrófica da AFJP em todo o mundo. Noutros, talvez não tanto, por exemplo, se o objeto desta política fosse a Aerolíneas Argentinas; mas também aí pode haver surpresas. No caso da YPF, as coisas serão um pouco mais complicadas, porque as províncias são as proprietárias das riquezas do subsolo, o que implicaria abrir um debate difícil de prever para o governo, dada a composição das duas câmaras do Congresso. Em suma, será necessário olhar para cada caso e medir a correlação de forças que prevalece em cada instância.


Há muitos factores que influenciam esta disparidade de reacções. Um deles é o facto de muitas das organizações sociais e forças partidárias estarem muito enfraquecidas e deslegitimadas. Segundo, a decomposição do universo popular, fragmentado numa miríade de situações laborais marcadas pela precariedade absoluta, pela falta de representação sindical e pela ausência total de legislação protetora que beneficie um sector cada vez mais minoritário da população economicamente ativa. Terceiro, a luta no seio do bloco dominante heterogéneo, onde as fracções ligadas à especulação financeira têm mais influência do que as ancoradas na produção industrial e mesmo na agroindústria. Os resultados variáveis desta disputa entre fracções das classes dominantes serão muito importantes para facilitar ou dificultar a concretização das promessas de campanha do novo presidente.


Milei é uma mudança de paradigma que representa mais a juventude que vem crescendo acompanhada por redes sociais que circunscrevem a realidade a nada mais do que seus interesses?


Ele é um emergente dessa situação de extrema vulnerabilidade de uma juventude brutalmente atingida pela pandemia e pela quarentena e, além disso, por uma política económica que aprofundou a exclusão económica e social e aumentou a pobreza para níveis sem precedentes, com exceção dos breves episódios hiperinflacionários de maio-julho de 1989 e janeiro-março de 1990. Para esta categoria social, a experiência do governo de Alberto Fernández e do seu ministro das Finanças, Sergio Massa, foi um desastre absoluto. Para estes jovens, não havia políticas económicas que permitissem aumentar os salários (exceto para uma minoria, o que era insuficiente), nem uma epopeia que lhes permitisse verem-se como militantes de uma causa nacional, e muito menos um aparelho de comunicação que reforçasse as suas reivindicações e fizesse ouvir a voz dos detentores do poder. Resultado: uma corrida quase maciça em direção a alguém que, astutamente, foi apresentado pelos poderes dominantes como fresco, jovem, inovador, apesar de ser um homem de 53 anos. Surpreendente? Não para aqueles de entre nós que estudam o papel das redes sociais, dos algoritmos e das novas técnicas de neuromarketing político.


Ou para aqueles que, como eu, andaram a pregar no deserto a necessidade de travar a batalha das ideias para a qual tínhamos sido convocados por Fidel desde o final do século passado e que a esquerda em geral e o movimento nacional-popular subestimaram irresponsavelmente. O resultado: triunfo da "anti-política"; identificação da "casta" e do Estado como agentes predadores, ocultando o papel da burguesia e das classes dominantes como agentes da exploração colectiva; exaltação do hiper-individualismo e seus correlatos, abandono, senão repúdio, das estratégias de ação colectiva e das organizações de classe, territoriais ou laborais, confiança na "salvação" individual e condenação dos que participavam em protestos colectivos, tudo em benefício da exaltação irracional de um hábil demagogo patrocinado pelos capitais mais concentrados.


Perante esta configuração cultural, era quase impossível, sobretudo com uma inflação a rondar os 13% ou 15% ao mês, que um ministro da Economia responsável por esta situação ganhasse as eleições. Perante este cenário, a votação obtida por Massa é verdadeiramente espantosa.


Será ele capaz de pôr fim ao Estado-providência que caracteriza a Argentina desde meados do século passado, com Perón e Evita?


A primeira pergunta responde em parte a esta questão. Mas há que acrescentar à Argentina de Perón e Evita os importantes avanços económicos e sociais dos anos do kirchnerismo, embora seja evidente que, por muito louváveis que tenham sido, não foram suficientes para enfrentar com êxito os estragos que a acumulação capitalista produz em todo o mundo e, muito especialmente, num país com um Estado tão débil e ineficaz como a Argentina.


Note-se que, como nos assegura um relatório da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA), entre 2016 e 2022 a transferência de rendimentos do trabalho para o capital ascendeu a 87 mil milhões de dólares, dos quais 48 mil milhões de dólares foram transferidos em 2021 e 2022, anos em que governou uma coligação "nacional e popular". O resultado: uma degradação muito grave dos salários, que na economia formal se situam mesmo abaixo do limiar de pobreza. Seria de esperar outra coisa que não fosse a frustração e a cólera de largas camadas do eleitorado face a esta dolorosa realidade económica? De que anticorpos dispunham para não se deixarem seduzir por um discurso disparatado, repleto de mitos absurdos (como, por exemplo, o de que a Argentina no início do século XX era o país mais rico do mundo, entre tantos outros absurdos!), mas que vociferava a necessidade de pôr fim a uma situação intolerável, deixando de lado tudo o que era antigo e execrando uma suposta "casta" que, em seu próprio benefício, os tinha condenado à pobreza e à miséria?


Como encara a oposição a Milei, haverá um movimento para vigiar o seu programa?


Dependerá da reorganização e rearticulação do campo popular, das suas propostas concretas de luta, do carácter da sua estratégia defensiva face aos ataques previsíveis de um governo obcecado em cortar direitos laborais e sociais e em provocar um ajustamento máximo da economia. Depende também do surgimento de lideranças credíveis e com grande poder de convocação, capazes de atrair os milhões de pessoas mergulhadas na miséria e na insegurança pela voracidade ilimitada do capital.


O sistema partidário entrou em colapso e, pior ainda, as forças e identidades políticas que marcaram grande parte da vida política argentina desde meados do século passado até há poucos anos –- o radicalismo e o peronismo – entraram numa crise de proporções sem precedentes. Provavelmente reaparecerão, em chave neoliberal e sob formas mutantes e provavelmente aberrantes que pouco ou nada terão a ver com o ADN que os constituiu.


O radicalismo orgânico desvaneceu-se e os seus eleitores lançaram-se com todas as suas forças na votação de alguém que tinha insultado grosseiramente os dois líderes mais importantes dessa força política: Yrigoyen e Alfonsín. E o aparelho do peronismo, e os eleitores dessa corrente, só em minoria apoiaram a candidatura de Massa. Basta ver o que se passou nas províncias que costumam ser bastiões do voto peronista (La Rioja, Salta, Tucumán, Chaco, Catamarca, Santa Cruz e, em menor medida, outras) para ver que esse eleitorado está agora disponível para qualquer demagogo ou qualquer arranjo cupular decidido pelos grupos que em cada província se apoderaram do selo de aprovação peronista. Nem os radicais nem os peronistas são hoje forças políticas com uma organização, liderança e estratégias de luta política de âmbito nacional. Fragmentaram-se em 24 partidos, um para cada província, e estão dispostos a negociar o seu voto de acordo com as circunstâncias.


Como é e como será a relação de Milei com as forças armadas?


Penso que será muito boa. A vice-presidente Victoria Villarruel é uma apologista descarada da ditadura genocida, uma admiradora do ditador Jorge Rafael Videla e dos seus comparsas na violação dos direitos humanos; será ministra da Defesa e da Segurança.


A socialização política reacionária das Forças Armadas, tarefa para a qual o Comando Sul e os vários tratados de colaboração militar entre os EUA e a Argentina desempenham um papel muito importante, abrirá certamente o caminho para que estas se encarreguem da repressão que as políticas ultraneoliberais de Milei irão necessariamente exigir.


Na linha do que disse e fez Patricia Bullrich enquanto ministra da Segurança do regime de Macri, Milei dará sinal verde às Forças Armadas e à polícia para libertarem impunemente o seu potencial repressivo contra o "inimigo interno". A "Doutrina Chocobar" era um protocolo que permitia às forças federais disparar sem dar o alarme contra qualquer suspeito, o que implica um retrocesso muito grave em termos de respeito pelas garantias individuais e pelo Estado de direito. Foi revogado por uma das primeiras iniciativas do governo de Alberto Fernández, mas infelizmente parece que esta doutrina vai regressar com o novo governo.


No entanto, resta saber como reagirão as forças de segurança quando se confrontarem com milhares de jovens, mulheres e crianças que exigem justiça, embora as lições da história contemporânea da América Latina mostrem que a confusão entre segurança interna e defesa externa tende a ser a mãe de violações muito graves dos direitos humanos, como aconteceu no México nos anos anteriores ao governo de Andrés Manuel López Obrador. Nos Estados Unidos e nos países europeus, ambas as funções estão claramente delimitadas. O novo governo argentino parece disposto a fazer uma aposta com consequências desastrosas mais do que óbvias. Mas, nesta como noutras questões, como as políticas de redução ou anulação de direitos, seria um erro subestimar a reação da sociedade argentina, que em várias ocasiões se mostrou contrária a ditaduras ferozes ou a planos de ajustamento económico selvagens.


A história argentina oferece numerosos exemplos de resistência e, embora a sociedade tenha mudado muito nos últimos tempos, não seria estranho que essa rebeldia reaparecesse com força vulcânica, mesmo na ausência de estruturas organizativas adequadas. O "Cordobazo" de 1969 e a insurreição popular de 19 e 20 de dezembro de 2001 são espectros que, sem dúvida, perturbarão os sonhos daqueles que pretendem destruir as conquistas económicas, sociais e culturais que o povo argentino obteve através de grandes lutas.


Como o triunfo de Milei pode afetar geopoliticamente a região?


Em primeiro lugar, prejudicará a Argentina porque, de acordo com as exigências de Washington, fará da Argentina um aríete para reduzir a presença da China na região, mesmo à custa de prejudicar os interesses nacionais da Argentina, os seus sectores de exportação e a mão-de-obra a eles ligada. A vitória de Milei é provavelmente uma vitória de "sonho" para o establishment norte-americano, porque encontra no sul do continente um fanático disposto a executar sem questionar as mais pequenas sugestões de Washington: Anticomunista convicto (numa definição tão vaga que vai de Lula ao Papa Francisco, passando pela China, Cuba, Venezuela e Nicarágua); alinhado incondicionalmente com o Império, justificador do genocídio em curso em Gaza, admirador do Estado terrorista israelense e da sociedade norte-americana, Milei na Casa Rosada encorajará com o seu exemplo comportamentos semelhantes entre os líderes de direita dos países vizinhos.


Talvez, e mais uma vez devemos ter em conta as divisões no seio do bloco dominante, ele possa ir ao ponto de não só excluir a Argentina da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e das Caraíbas (Celac), mas também de rejeitar ou adiar sine die a incorporação decisiva do nosso país nos BRICS plus, que deverá ter lugar a 1 de janeiro do próximo ano.


Em suma, a cruzada contra o "inimigo chinês", segundo os documentos do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, encontrou o seu profeta nestas distantes e turbulentas terras do Sul. E, do ponto de vista geopolítico, com Milei na presidência da Argentina, fica afetado negativamente o tabuleiro de xadrez internacional da América Latina e das Caraíbas.



24/Novembro/2023

[*] Sociólogo, argentino. Algumas das suas obras encontram-se em resistir.info/livros/livros.html


https://resistir.info/argentina/milei_24nov23.html

O original encontra-se em www.lahaine.org/mundo.php/boron-el-triunfo-de-milei 

Alexandre Hoffmann - A crónica de um (anunciado) Inverno argentino

*  Alexandre Hoffmann 

21 NOVEMBRO, 2023
 

A estupidificação de parte das lideranças mundiais tem resultado, sobretudo, de dois processos distintos: o esvaziamento da social-democracia na construção de soluções capazes, face à heterogeneização de um mundo convulso, social, política e economicamente falando, e à mediatização, carregados em ombros pela imprensa, dos movimentos, e de seus líderes, que agrupam em sua órbita as correntes políticas populistas e fascistas.


O falhanço da política social-democrata

Num mundo e num momento de profundas convulsões sociais e económicas, a terceira via e as suas políticas frugais e de circunstância, que tentam manter um irrealizável equilíbrio entre a sobrevivência do sistema capitalista e o desenvolvimento dos povos, configuram uma alternativa que se tem vindo democraticamente, nas actuais fronteiras das definições e conceitos de democracia ocidental, a esgotar-se. Com a sua amplitude ideológica, e convenientemente esparsa, os campos políticos da democracia burguesa aumentaram a sua esperança média de vida, arrebanhando os eleitorados possíveis, mediante a manipulação em seu favor do concreto de cada realidade eleitoral e, sobretudo, a definição a tempos e espaços e ao sabor dos ventos dos dias das suas falsas bandeiras e posicionamentos políticos. Porém, com todas as experimentações e combinações políticas e de governo, possíveis e imaginárias, mas sempre subservientes aos interesses do grande capital, da exploração e do imperialismo, e às respectivas instituições internacionais que preconizam tais ideais, resultaram num cenário absolutamente escabroso para os povos dos países dito desenvolvidos e emergentes. Perante a situação de inflação e retraimento económico, de empobrecimento generalizado e de profundas convulsões sociais, o surgimento dos movimentos neofascistas e populistas, não resulta de uma necessidade orgânica e de base, mas antes como o seguro de vida do sistema capitalista, e inclusivamente, a prazo, da via social-democrata e da direita tradicional, que saberão esperar, durante o triunfo fascista, o seu regresso. Antes penar do que desaparecer, que a alternativa preconizada pelos movimentos populares determinaria, não por imposição mas por experimentação, o seu fim, assim o liberalismo económico surge como um mal menor.

Discursos messiânicos como resposta às crises económicas e sociais

Líderes populistas brotando em cada esquina são a versão modernizada de figuras sacras e virgens surgindo em árvores. Se as políticas dos campos da social-democracia não surtem os efeitos desejados na vida das pessoas, pese embora as proficientes oportunidades que lhes vão sendo entregues nos vários e consecutivos plebiscitos eleitorais, a descrença no sistema promove o espaço para curas milagrosas e discursos messiânicos. A iliteracia política, uma erva daninha entre o povo ocidental, promovida, e em muito bem-querida, pelo capitalismo, num fervor de falsa modernidade que em muito também lhe convém, o que importa a política afinal?, desbrava caminhos até ao poder, promovendo um desinteresse e apatia generalizada pelos processos políticos e democráticos em primeira instância, e posteriormente num desespero, perante a carestia de vida, que num ímpeto de sobrevivência se lançam parte dos povos marginalizados em apoio a estes movimentos inorgânicos, crendo que nestes discursos aparentemente salvadores, de anticorrupção e de anti-sistema, assentes mediante a necessidade e circunstância em bodes expiatórios. Afinal se esta gente é pobre, a culpa é do cigano ou do negro ou do emigrante, do subsídio ou do sindicato, enfim, do “socialismo”. Mas por que razão parece teimar colar este argumentário vazio?

O papel da imprensa

A imprensa pública e estatal, que assim-assim vai cumprindo o seu papel constitucional dentro de um estado de direito, é aparentemente o único inimigo comum na cruzada fascista e neofascista, no que toca à imprensa de uma forma geral, entenda-se. Não é por mera coincidência que, de forma transversal, se encontre a premissa neste tipo de projectos ultraliberais a intenção programática de encerramento ou privatização dos órgãos de comunicação estatais, e, por sua vez, o enaltecimento dos seus pares de iniciativa privada, nas mãos companheiras que alimentam os seus projectos políticos. A iniciativa privada no campo da informação, não configura, nem pode configurar, jornalismo independente, isto é, se é financiado e se tem como objectivo uma sustentabilidade económica e fomentação de lucro trata-se de um negócio e não de um serviço, que obedecerá, não aos critérios rigorosos de informação imparcial, mas sim aos interesses de regime dos seus proponentes. Está para lá, bem para lá, do curioso, quando se atenta ao tempo de antena e destaque, que grande parte da comunicação social insiste em ofertar a este tipo de movimentos e partidos políticos que giram em seu redor, exponenciando a sua força e relevância, que nunca encontra paralelo nas ruas, nos campos, nas fábricas e nas escolas, é, portanto, de realçar, para reflexão urgente, o papel da imprensa na construção destes fenómenos. Não obstante, a resposta aos seus porquês será bem mais simples do que poderá aparentar: servem os seus interesses de classe e o sistema de que ambos se alimentam.

O paradoxo dos movimentos ‘ele não’

Vão valendo os legados históricos dos movimentos de massa, que os seus processos, mesmo que intermitentes em bastantes cenários ocidentais, deixam as suas organizações, métodos e aprendizagem, ao longo das gerações. No entanto, o revisionismo encontrou, mesmo à esquerda, os seus espaços e outras terceiras vias, que construíram, ou replicaram, erros de montra com efeitos altamente contraproducentes. A desorganização e fragmentação, e até algumas fragilidades, das forças progressistas fizeram com que, não raras vezes, as frentes unitárias que se propuseram fazer frente a um determinado projecto político de regressão, encorpassem o seu discurso e acção no antagonizar de determinada figura individual, enfocando toda a energia no ataque a um conjunto de características pessoais, retirando do centro da discussão e do esclarecimento as suas propostas políticas, de construção de alternativa e de representação popular. Bastaria já o palco mediático ofertado a este tipo de agremiações e personagens, e este tipo de campanhas, centradas nestas personagens, e relembrando que não existe tal coisa como má publicidade, são do seu total interesse e conveniência, e disso é prova todo o exemplo saído dos últimos actos eleitorais, mundo fora, em que grande parte das forças democráticas resumiram o seu discurso e luta a um esvaziado “ele não”.

O projecto-comum do neoliberalismo e do fascismo

Pelas lentes de onde nos encontramos, politica e socialmente, em muito é-nos difícil distinguir a diferença, e, sobretudo as consequências, entre um projecto manifestamente liberal e um outro fascista. A sobrevivência de um está dependente da força do outro, e a teia que garante a vantagem económica e de lucro, a quem serve o liberalismo, assenta a sua estrutura e manutenção na concretização das políticas fascizantes, pelas mãos dos seus grupos políticos, que acabam, e que teimam, por financiar, sobretudo, nos ciclos recorrentes de regressão económica, decretada a tempos como impõe o capitalismo no seu normal funcionamento. Não se condene à partida o viés dos óculos com que temos aprendido estas coisas, que do lado de lá, sublinhando a importância do momento de crise, qualquer coisa à sua esquerda, mesmo bem lá para a direita, perto e encostado a si, o liberalismo apelida tudo de “socialismo”, impondo os forjados caminhos de ambição num reconstruído regime e numa fraca figura de estado como salvação, e em tudo se alinha, aqui e ali, no discurso paralelo entre uns e outros, para a destruição dos serviços públicos, para a diminuição da estrutura do estado, para o entrecorte de direitos sociais e laborais, e para a mercantilização de tudo e todos, só não há garantias de qualquer avanço, prometendo que nada desse passo em frente é necessário e fará falta. Quem já pouco tem, pouco se importa de aventurar por estes caminhos ardilosos, afinal alguma solução haverá de existir, que seja então a mais berrada e a mais gritada, mas este será, seguramente, a desgraça dos povos.

O projecto particularmente grave de Javier Milei

Aqui estamos nós a individualizar a questão, mas atente-se que é por pertinácia e circunstância dos dias vividos no país do Sol de Maio, e não por outro motivo. Porque o que aqui se escreverá de seguida, encontra paralelo e exemplo em todos os lugares, e estes projectos não são, nem configuram, nada de novo. Javier Milei, novo presidente eleito da Argentina, reúne em si um conjunto de características desejáveis, aos olhos do amedrontado capital, que replicou ali o já antes tentado, com sucesso reconheça-se, noutros países, e afastemo-nos dos exemplos concretos, amplamente sabidos por todos. Se a repetição individual é de fácil percepção, mais facilitada está-nos a vida nos projectos que encorpou a sua candidatura, que no fascismo e no liberalismo é cientificamente comprovada uma máxima, de que nada se ganha, muito se perde e, sobretudo, nada se transforma.

Javier Milei preconiza um programa político de “flexibilização” do emprego, que atirará às ruas muitos mais argentinos do que agora estão, em grande conluio com as confederações patronais, propõe a desintegração da saúde pública gratuita, promove a conceptualização abstracta da meritocracia e do estado mínimo. Anuncia-se como anarcocapitalista, odiando o estado, mas ansiando paradoxalmente ser ele o estado, proclamando a extinção de vários ministérios, muitos ligados às tutelas de questões laborais e sociais, tudo valendo para angariar a franja que engoliu o discurso de demonização da figura estatal, aproveitando para um dos maiores ataques aos trabalhadores daquele país que há memória.

Propõe uma Argentina grande e soberana, independente e interventiva, afirmando que encerrará o Banco Central, em larga medida, bem ou mal, garante relativo da independência monetária do país, apenas para enveredar por uma dolarização da economia, que não se abaixe tanto as calças ao domínio americano, não vá cair por terra tão enobrecido intento, enquanto que anuncia em simultâneo a saída da MercoSur, que em muito contribuiu para o desenvolvimento e soberania das economias sul-americanas. Para Milei, tudo e todos, neste regime democrático, são parasitas, subsidiários e oportunistas, e configuram o grande mal económico e financeiro do país, mas não nunca, o grande capital sedento e vampiresco, que pese a crise argentina, mantém incólume o seu lucro.

Tudo isto vos poderá soar, e bem, a uma replicação de vários cenários similares, uns perto outros mais afastados, uns aqui e outros acolá, mas a cada povo e nação cabe, em desditosa fortuna, ter o seu pequeno führer de bolso. Milei, que mandou clonar o seu cão, sorte que a cada existência corresponda uma só alma, imaginem a sorte, ou falta dela, de ser bicho de estimação em duas rodadas de vida de Javier Milei, e que através dos seus cães fala com deus, reveste-se das suas próprias particularidades e desideratos políticos, como a legalização de compra e venda de bebés, a proibição do aborto, a liberalização de órgãos, o armamento geral da população, o combate ao “marxismo-cultural”, seja o que isso for, o fim da escolaridade obrigatória e a subsidiação ao ensino privado, teremos já ouvido esse argumento de que “os pais possam escolher livremente onde os filhos estudam”, e, por substituição à saúde pública e gratuita, a criação de um seguro de saúde universal, por fim, que não pedirá desculpa por ter um “pénis”, não o teria de fazer, o que nos preocupa é que seja esse mesmo o seu membro mais intelectualizado.

Se parece ser certo que só o povo salva o povo, é também certo que só o fascismo poderá salvar o capitalismo, e mais à sua sanha imperialista e belicista, e à sua injusta e criminosa acumulação de riqueza. Se isto é, efectivamente, um passo atrás, então a resistência, a organização, a unidade e a luta, serão o único garante para dois à frente.

https://manifesto74.pt/a-cronica-de-um-anunciado-inverno-argentino/

sábado, 25 de novembro de 2023

Carlos Matos Gomes - Os Devoristas de Novembro

2023 novembro 25

O que comemora quem comemora o 25 de Novembro de 1975 em 2023 e quem o comemora e com que finalidade?

O 25 de Novembro tem o «Documento dos Nove» como carta constitucional. Constituiu o máximo denominador comum das forças que se opunham a uma revolução, no sentido de rutura com a hierarquia de valores num dado modo de produção,, de distribuição de riqueza e de representação política . O seu objetivo declarado foi o estabelecimento da Ordem e Liberdade. Ordem é uma palavra agregadora de militantes conservadores, avessos a mudanças, a não ser as do tempo. Tal como Liberdade, quando, como era o caso, surge associada ao perigo da ditadura comunista. Os conceitos de Ordem e a Liberdade na Quinta da Marinha, nos arredores de Lisboa e na Foz do Douro, são muito diferentes dos conceitos de Ordem e Liberdade no bairro de Chelas e da Quinta do Conde, na região de Lisboa, ou nos bairros das Fontaínhas, ou do Aleixo, no Porto.

A ação militar do 25 de Novembro é, se analisada à luz crua dos factos, um ataque aos quartéis da Calçada da Ajuda, a meio quilómetro do Palácio de Belém, realizado por uma formação de militares contratados para o efeito, veteranos da guerra colonial, sob o comando direto de Jaime Neves. Entretanto a Força Aérea transferira as suas aeronaves e pilotos para a base da NATO, na Cortegaça, retirara os oficiais paraquedistas da sua unidade de Tancos e provocara os seus sargentos passando-os aos Exército, cortando-lhes o vencimento e a alimentação. Foi assim criada a causus belli do 25 de Novembro, com a ida de delegações de sargentos paraquedistas a bases aéreas que não tinham nem aviões nem pilotos, do mesmo modo que os comandos atacaram uma unidade que se mantinha no seu quartel, às ordens do Presidente da República, que se encontrava em Belém, numa situação dúbia de detido à vista, mas formalmente em funções!

Este é um resumo dos factos, nada de empolgante. Importa perceber o que está por detrás da aparentemente estapafúrdia proposta do engenheiro Moedas, presidente da Câmara de Lisboa de celebrar condignamente o 25 de Novembro! Quem impôs a sua ordem e a sua liberdade e quem lucrou com o 25 de Novembro e tem razões para celebrar a data. O engenheiro Moedas é, nas palavras de Ricardo Salgado, um tipo que as personalidades como as do tempo Dono Disto Tudo põem a funcionar por sua conta. É um homem por conta. Não se lembrou de celebrar o 25 de Novembro por um arrobo de consciência cívica, para celebrar a Liberdade!

Como dizia José Silva Carvalho, ministro das finanças de um dos governos saídos da guerra entre absolutistas e liberais, do vintismo: «Não se consolidam revoluções políticas sem serem acompanhadas de alterações profundas no estado social, e, entre os elementos de que este se compõe, o mais importante é a divisão e a distribuição da propriedade territorial.»

O que estava em causa em 25 de Novembro de 1975 era exatamente a divisão e a distribuição das propriedades nas mãos do Estado, resultante da nacionalização da banca em 11 de Março de 1975, a alavanca em que assenta o poder de determinar a acumulação da riqueza e a hierarquia social.

O 25 de Novembro de 1975 e os tempos que se lhe seguiram replicam os processos de regeneração política, económica e social após períodos de agitação social do que foi designado por revolução liberal de 1820 e o aproveitamento então feito por uma nova classe da venda dos bens nacionais resultantes da incorporação dos bens da Igreja, da família real e parte dos da Coroa, os chamados bens de mão-morta. Da venda em hasta pública da enorme riqueza móvel e imóvel disse Alexandre Herculano: «Essa enorme riqueza caiu nas mãos de homens opulentos. Em muitos casos foi o rico proprietário que conglobou o nos seus extensos prédios vários prédios nacionais. Assim se anularam os mais importantes resultados que se deviam ter retirado da reivindicação parcial dos bens da Coroa para o património público e da extinção das ordens religiosas.» Os principais beneficiários de transferência da propriedade para os capitalistas foram nobilitados pelo vintismo — condes, viscondes, barões — que deram origem à frase de «foge cão que te fazem barão, mas para onde se me fazem visconde», aos quais se devem juntar os banqueiros, com a fundação do Banco de Lisboa, primeiro banco português, em 1821, que se unirá à Companhia Confiança para fundar o Banco de Portugal, o Banco Comercial do Porto em 1831, a entrada no negócio da banca de Henrique Burnay, dos irmãos Fonseca, entre outros que sobreviverão até ao 11 de Março de 1975 e que, com exceção dos Espirito Santo, desaparecerão às mãos da nova classe que criou os novos bancos… os devoristas de Novembro, os do Banco Português de Negócios, os que substituíram Cupertino de Miranda desmembrando o seu Banco Português do Atlântico, o maior banco comercial português, que apareceram depois do 25 de Novembro à frente dos BPN, BANIF, BPI, BCP, BPP…

A constelação de proprietários, bancários e políticos que no século dezanove tomaram o Estado como um bem particular recebeu o pejorativo nome de Devoristas, cuja definição reproduzo de um historiador espanhol, por ser mais colorido: «Devorismo (fue el término peyorativo para describir el régimen político que se estableció en Portugal después de las Guerras Liberales , particularmente durante el período del 24 de septiembre de 1834 al 9 de septiembre de 1836… Tenía la intención de transmitir una sensación de codicia sin principios, por la cual los principales políticos gastaban fondos públicos en abundancia para asegurar ganancias personales para ellos o sus asociados. El término fue acuñado después de que se redactó una ley el 15 de abril de 1835, que preveía la venta de bienes nacionales y bienes de la Iglesia Católica , y facilitaba su disposición entre los principales miembros del partido liberal.»

Os promotores da ideia de celebrar o 25 de Novembro como uma grande data nacional são os atuais devoristas. Ou são os devoristas do atual regime. Embora os devoristas do regime se tenham desenvolvido no que tem sido designado o «arco da governação», eles tipificam particularmente o cavaquismo e a sua fase ascensional. E têm na maioria o Selo de Garantia do banco Goldman Sachs, caso de Moedas, mas também de Durão Barroso, ou de Arnault, do falecido António Borges…

O 25 de Novembro que os seus herdeiros, ou porta-estandartes, pretendem celebrar é o 25 de Novembro da lei 46/77 de 8 de Julho, que considerava que a iniciativa económica privada, enquanto instrumento do progresso coletivo e se podia exercer livremente, nos quadros definidos pela Constituição, pela lei e pelo Plano, embora ainda vedasse a empresas privadas a atividade bancária e seguradora, o acesso à produção, transporte e distribuição da energia elétrica e gás para consumo público, comunicações por via postal, telefónica e telegráfica, transportes regulares aéreos e ferroviários, exploração de portos marítimos e aeroportos, indústria de armamento, Indústria de refinação de petróleos; petroquímica de base; siderurgia; adubos e cimentos. A lei Lei 88-A/97, de 25 de Julho revoga a lei 46/77 e todas as atividades que estavam vedadas passam a ser passiveis de exploração privada quando concessionadas. A banca seria desnacionalizada em 1983. Os Devoristas venceram. São hoje senadores da Nação e os filhos e netos são neoliberais de sucesso na banca e nos negócios especulativos. Aparecem nas revistas dos famosos e a comentar a atualidade nas TV’s em lições de catequese para pobres de espirito.

Para os devoristas, Portugal é uma marca (Allgarve) e um mercado. Os cidadãos são consumidores. A coroa de glória dos devoristas do 25 de Novembro são as Parcerias Público-Privadas, não foi o assalto ao quartel da Ajuda. (A imagem é um cartoon de Bordalo Pinheiro) 

https://cmatosgomes46.medium.com/os-devoristas-de-novembro-52871481c71d?

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Carlos Marques - O 1984 de Orwell, ou o 1933 de Adolf?

O 1984 de Orwell, ou o 1933 de Adolf?

(Carlos Marques, in comentários na Estátua de Sal, 21/11/2023)Em que ano estamos? Vamos lá ver o que se passa, para ver se chegamos a uma conclusão.

Mais de 13 mil civis assassinados, dos quais 5500 crianças, num só mês. Um exército a cercar e a invadir hospitais, a bombardear escolas das Nações Unidas, a fazer uma limpeza étnica de dois milhões de pessoas, numa invasão a um campo de concentração. Um regime de apartheid em que se diz ser o povo escolhido, superior aos restantes.

Isto é o que se passa. É factual. Mas, se eu não chamar os bois pelos nomes, um leitor desatento poderia ficar na dúvida se estou a falar da Alemanha Nazi de Hitler… Não. Estou a falar da Israel naZionista de Netanyahu.

Hoje vi 30 segundos de MainStreamMedia portuguesa, 15 segundos em cada canal. Primeiro vi dois PRESStitutos, um pivot e um comentador, a trocar palavras, dizendo algo como “Orbán, a voz de Putin na Europa, é um problema”. E não, não foi o comentador a dizer está alarvidade.

No outro canal, estavam a dar numa reportagem sobre os coitadinhos familiares dos “civis raptados” a 7 de Outubro pelo Hamas. Nem uma palavra sobre os mapas da ONU que mostram que, sob todos os pontos de vista, aquelas cidades “Israelitas” são a Palestina ocupada; portanto quem lá está é invasor/colono ilegal, e por isso eles não são civis, nem inocentes, nem foram raptados. São invasores, são os culpados pelo início da agressão, e são prisioneiros de guerra.

E, imagino eu, nem uma palavra nesta MainStreamMerdia sobre as mais de 800 crianças palestinianas, essas sim raptadas, e todos os anos colocadas em condições de tortura psicológica nas prisões/gulags do invasor naZionista.
Nem sobre os milhares de cidadãos palestinianos presos só por serem quem são. E nem uma palavra sobre o Bamba e de como a lei internacional dá a milhões de palestinianos o direito de regressar. Ora, se pela frente têm muros, colonos/invasores ilegais armados, acompanhados de militares genocidas, como é que regressam às casas que lhes foram roubadas? Tem de ser o Hamas a abrir caminho.

É esta a situação. Um lado quer viver em paz. O outro quer invadir ainda mais, e fazer guerra até destruir tudo e matar todos os que estão no caminho dos seus planos: como prova o mapa que Netanyahu, o naZionista-mor, apresentou na ONU, só com Israel e sem Palestina nenhuma, nem Gaza nem Cisjordânia, nem Hamas nem Fatah. Uma limpeza étnica completa.

E é para atingir esse objetivo que o chefe do império genocida ocidental, os EUA, tem na região um total de mais de 70 navios de guerra e de mais de 200 aviões. Nem vou dizer o número de mísseis (armas de destruição em massa) nem de bases ilegais, invadindo vários países contra a vontade dos respetivos povos.

Da EUropa, nem uma única sanção, nem uma única arma dada a quem resiste. Pelo contrário, os países EUropeus/NATO com assento no Conselho de Segurança da ONU, votaram contra o cessar-fogo. Só aprovaram “pausas humanitárias”. Ou seja, traduzindo de língua de porco diplomata mas genocida, para língua de gente intelectualmente honesta: votaram a favor de um horário de guerra contra civis, em que, na maior parte do tempo, há genocídio, e nas pausas do genocídio há limpeza étnica: a deslocação forçada de toda a população com vista à sua substituição.

Para completar, a cereja no topo deste bolo de m*rda, avança a censura e o cancelamento de quem discordar do império genocida ocidental e do naZionismo. Na EUropa proibem-se manifestações pacíficas a favor da libertação da Palestina. Em Portugal promove-se uma Web Summit em que o Irlandês que se atreveu a dizer um facto (que Israel comete crimes de guerra) perdeu o lugar no evento que o próprio criou, e foi substituído por uma cadela com pedigree da CIA. E, nós próprios EUA, a cartilha obrigatória já foi entregue a reitores de universidades e a CEO de empresas, para que se ataque os indivíduos que se atrevem a criticar quem assassinou mais de 5500 crianças. Se o fizerem, esses jovens dos EUA, perdem as suas oportunidades de vida, ficam sem carreira, e os que já a tiverem iniciado ficam sem emprego.

Bem-vindos a 1984.

Aqui, o libertador Mandela é “terrorista”, mas o nazi Bandera e os seus seguidores neoNazis são “heróis”.

Guerra é “paz”.

Belicismo é “segurança”.

Dinheiro para salários é “extrema-esquerda”.

Assassinar russos é “investimento”.

Censura é “liberdade”.

Fake News e propaganda são “factos”.

Combater nazis é “injustificado”.

Resistir a naZionistas é “terrorismo”.

A China é uma “ameaça”.

O império genocida (EUA) é um “aliado bem-intencionado”.

A €Uro-ditadura é a “representação exemplar dos cidadãos”.

Partidos capitalistas neoliberais das privatizações, ataques ao direito laboral, e mercado desregulado, são “socialismo”.

Ter 41% de votos (que em 50% de abstenção são só 21% de eleitores) é ter “maioria absoluta”.

Uma procuradoria que, trocando um nome numa montanha de escutas que pariram um rato, deita abaixo um governo, é “estado de direito”.

Defender o próprio país (Hungria) e apelar à paz, é ser “a voz de Putin na EUropa”.

Ter uma lei, representativa da vontade da maioria, que manda tapar boa parte do cabelo da mulher com um lenço, é “fanatismo religioso de um regime perigoso”, mas bombardear campos de refugiados em nome da Torah é ser “a única democracia do Médio Oriente”.

Enviar médicos para países necessitados é ser “país terrorista”, mas construir muros e jaulas para emigrantes esfomeados é “defender os direitos humanos”.

As alterações climáticas são uma emergência, mas evitar jatos privados ou evitar uma guerra nuclear nem por isso…

Agora que cheguei ao fim, fiquei na dúvida. Será o 1984 de Orwell, ou o 1933 de Adolf? Ou será uma nova era que ficará na memória das próximas gerações como algo ainda pior que os dois exemplos referidos?


PS: Para a Argentina, o ano é 1973. O golpe Pinochetista/CIA neste momento já não precisa de botas cardadas. Bastam fake news na MainStreamMedia, bits e mentiras nas redes sociais, uma boa dose de guerra/terrorismo económico, e um bando de “mercados internacionais” a piar de acordo com os 1% donos deste Mundo, e está feita a receita.

Depois, basta só um governo incompetente, levar ao forno durante 4 anos, a oposição moderada não comparecer ao jantar, e o fascista/NeoLiberal e globalista/traidor come tudo. Eles comem sempre tudo.

Se Milei fizer tudo o que prometeu, haverá mais argentinos a passar fome daqui a 4 anos, do que houve russos nessa situação após o “Milei bêbado de Moscovo” (ala Yeltsin) ter sido o eleito para aplicar essa receita: capitalismo neoliberal de choque antidemocrático só com o fim de agradar à oligarquia do império genocida ocidental.

https://estatuadesal.com/2023/11/21/o-1984-de-orwell-ou-o-1933-de-adolf/


sábado, 18 de novembro de 2023

Alexandra Lucas Coelho - Zapping com holocausto ou a linha vermelha da Palestina

OPINIÃO *

  Alexandra Lucas Coelho 

18 de Novembro de 2023

Do que se trata, em directo como nunca, é do sacrifício de um povo. Quem esteve em silêncio está a tempo de falar. De vir para a rua.

1. Estes são os dias mais cruéis do nosso tempo. O insuportável que é suportado dia a dia por quem pode. Fazer zapping ajuda a não ver, mas a barbárie continua lá. Culminando 75 anos, Israel massacra os hospitais da Palestina, arrasa o Norte de Gaza e torna o Sul inabitável. Tudo com a colaboração dos EUA, mais um bloqueio sem precedentes à imprensa livre. Se vemos a barbárie é porque dezenas de jornalistas palestinianos já morreram para isso, continuam a arriscar a vida, e as pessoas em Gaza, tantas tão jovens, nos mostram tudo. A dignidade no meio do insuportável. Sacrifício e graça humana.

Bombas, êxodo, sede, fome, soterrados sem socorro. Mais mortos civis do que em toda a guerra da Ucrânia. Mais crianças mortas do que em todos os conflitos desde 2019. Muito mais ruínas do que alguma vez foi possível numa faixa de 2,3 milhões de pessoas. Centenas de milhares em risco além dos corpos nas valas comuns. Ou abandonados sob fogo de snipers. Ou comidos por cães selvagens junto ao Al Shifa, hospital em que ao longo dos anos entrei para falar com médicos e feridos em incontáveis ataques de Israel, e agora o mundo conhece por dentro. Onde Israel continua a não provar que o Hamas tem um quartel-general, além de umas armas e uns restos, que podem lá ter sido plantados.

Que outra “democracia” pode destruir um hospital, matar bebés, crianças e adultos, torturar incontáveis mais, deixando agora 7000 pessoas à fome, ao frio, à vista de toda a gente, sem apresentar provas, e não ter o mundo a impedir? Não haver uma força de interposição ali, sanções? Que outra democracia, senão os EUA, pode ajudar a armar esta limpeza étnica, a razia de todas as estruturas do Norte, empurrando os vivos para um sul onde não poderão ficar? Israel já disse que não “aceitará uma entidade independente em Gaza”. Ficou escancarado nos últimos dias, enquanto víamos o que um exército faz a um hospital.

Um jovem médico do Shifa foi entrevistado ao telefone (pela grandiosa Amy Goodman, no Democracy Now). Explicou emocionado porque não deixava os seus doentes: “Se eu os deixar, quem cuidará deles? Não somos animais.” Quando estas palavras me chegaram, já ele tinha sido morto.

O gangue de Bibi alterna entre chamar-lhes animais e monstros.

2. Nunca o racismo de Israel e aliados ficou tão exposto. Nunca as vidas palestinianas importaram tão pouco para os poderes. E nunca as ruas se encheram com tanta gente contra isso. Ao 43.º dia, este sábado, milhões vão voltar a sair pelo cessar-fogo. O fosso entre rua e líderes é cada vez maior. No Ocidente/Norte como no mundo árabe.

Anteontem, em Washington, a polícia de choque atirou manifestantes judeus e aliados pelas escadas, arrastou-os pelos cabelos, gás de pimenta na cara, sem aviso de dispersão, porque exigiam um cessar-fogo. Na Arábia Saudita, pessoas com algum sinal de solidariedade, como o lenço palestiniano, estão a ser detidas. Crentes que estavam em Meca a rezar por Gaza foram interrogados por horas. Israel manda calar os regimes árabes, e eles obedecem, com poucas excepções. Trudeau, a ovelha canadiana que até agora votou ao lado dos EUA, aparece compungido contra a morte de crianças e bebés, mas foi incapaz de exigir um cessar-fogo. Como foram incapazes o Parlamento britânico e o líder trabalhista (apesar da revolta de muitos dos seus deputados). Como a União Europeia continua a ser incapaz, apesar da brava Irlanda, a que se juntam sinais de Espanha, da Bélgica. Macron, em nome das crianças e bebés pediu, mas atenuou palavras depois.

Estado de Israel é um filho da Europa e escrevo num diário português. Recomecemos por aí.

3. Quarta-feira, uma mulher e duas crianças portuguesas morreram num bombardeamento no Sul de Gaza. Israel empurrou um milhão para Sul mas também bombardeia o Sul. A casa caiu na cabeça da família, só se salvou uma bebé dos escombros, há um vídeo. A família estava à espera de ser retirada. O Ministério dos Negócios Estrangeiros “podia ter feito mais” por estes e outros palestinianos com nacionalidade portuguesa, disse à RTP Ahmed Ashour, pai e marido de quem morreu. “A resposta era sempre: ‘OK vamos esperar mais uns dias, não conseguimos…’ O ministro devia demitir-se.”

João Cravinho já está demissionário. Não por Gaza, pela crise política portuguesa. Lamentando as mortes, Cravinho disse que era “mais uma prova de que este não é o caminho”, de que “precisamos de parar agora estes bombardeamentos”. Enunciou, como se fossem sinónimos: “Pausa, cessar-fogo, trégua, pouco importa desde que o resultado seja a cessação de bombardeamentos que estão a provocar vítimas civis.” Anda a diplomacia mundial há 42 dias encravada nas diferenças entre estas palavras, e Cravinho não consegue escolher uma com clareza no momento destas mortes.

Costa foi mais claro a seguir o exemplo de Guterres.

E Marcelo? Primeiro destratou o representante da Autoridade Palestiniana como não se imagina que fizesse com um diplomata ocidental, de Israel, ou qualquer Estado poderoso. Uma displicência primária. Achei que ia emendar mas não, continuou a falar como se os protestos fossem uma tempestade num copo d’água. Como se Gaza não vivesse uma calamidade. Quarta-feira, o site da Presidência publicou uma nota a lamentar a morte dos cidadãos portugueses “num bombardeamento”. Faltou escrever “israelita”. Leia-se todo o texto: nem uma palavra que associe Israel àquelas mortes. Que condene o bombardeamento numa zona que o próprio atacante designou como “segura”. Além das condolências, faltou tudo na nota da Presidência.

Quantas crianças desfeitas são precisas? Quando é que o Presidente falará da ocupação de décadas? Da lei internacional?

Pode inspirar-se em Lula, que foi abraçar os cidadãos à saída do avião, quando chegaram de Gaza a salvo, depois de muito trabalho diplomático e firmeza. E Lula disse que nunca se viu em nenhuma guerra crianças e bebés serem alvos assim. E que, se o Hamas foi terrorista, a resposta de Israel o é igualmente.

Um Estado que é potência ocupante, e portanto nem pode invocar autodefesa, como lembrou anteontem Francesca Albanese, a relatora especial da ONU. Esse direito só se aplica ao ataque de outro Estado.

4. Nos últimos dias cresceram vozes inspiradoras. Depois de elogiar Guterres, a ministra espanhola Yolanda Díaz disse que as instituições internacionais não estão a cumprir a missão para que foram criadas. São reféns de vetos bipolares. Ao tomar posse, Pedro Sánchez exigiu a Israel cessar-fogo imediato e declarou o reconhecimento da Palestina.

Entretanto, Biden, Blinken e Austin estão a ser processados por cumplicidade em genocídio. Grupos de direitos humanos pediram formalmente ao Tribunal Penal Internacional que investigue Israel por crimes de guerra, incluindo genocídio.

Vamos com “quase seis semanas de Inferno” em Gaza, “total desrespeito pelas leis humanitárias internacionais”, uma tentativa “deliberada de estrangular” a acção no terreno, e “o maior deslocamento de palestinianos desde 1948”, disse anteontem Philippe Lazzarini, comissário-geral da UNRWA, a agência da ONU criada para os refugiados de então, quando Israel foi fundado.

Os palestianianos chamam a esse momento a Catástrofe: Nakba, em árabe.

Esta foi também a semana em que ouvi o ministro israelita da Agricultura dizer e repetir na TV que sim: é a Nakba 2023.

5. Na Nakba de 1948 não havia redes sociais. Na de 2023 vimos aquela estrada — que é das mais antigas da Humanidade —, a que corta Gaza de Norte a Sul, com um êxodo de dezenas de milhares, doentes, amputados, feridos, idosos que mal podiam caminhar, mães a puxarem vários berços, gente a sucumbir pelo caminho, bebés a morrerem nos braços dos pais.

O Livro do Êxodo no tempo do Instagram. No telefone por exemplo da formidável Bisan Wizard: 2, 3 milhões de seguidores, como a população de Gaza. Só que a maioria deles fora, e falando em inglês. Bisan é, sozinha, uma televisão.

Enquanto isso, grandes media como CNN, NBC, CBS, Financial Times, Channel Four, ZDF estão embedded (inseridos) nas tropas israelitas. Estive na guerra do Iraque em 2003, como no Afeganistão em 2008. Havia jornalistas embedded, mas também todos os outros, nós. Ou seja, vários pontos de vista. Estar embedded tem sempre constrangimentos. Os repórteres com Israel estão sujeitos a controle de movimentos e censura prévia. Mas a grande diferença neste caso é que Israel não permite a entrada de todos os outros. Ou seja, uma total distorção da cobertura, só do lado das tropas em Gaza, e ainda mais de mil enviados em Israel, e falando de Israel. Enquanto os palestinianos morrem dentro de Gaza. E a Cisjordânia evoluiu para uma verdadeira zona de guerra, com grande controle de movimentos, palestinianos presos e torturados pelo exército, mais a milícia dos colonos ao ataque, e ainda bombas. Agora incluindo também raides a hospitais.

Se não fossem as redes saberíamos muito pouco do lado palestiniano. Enquanto isso, Israel conta com um tempo de antena esmagador.

E continua a organizar visionamentos do ataque do Hamas a 7 de Outubro para jornalistas e outros convidados. Incluindo na residência do embaixador em Lisboa.

6. A Reuters explicou esta semana como Irão e Hezbollah foram apanhados de surpresa pelo 7 de Outubro. O Hamas não os informou apesar do apoio que deles recebe, o que só reforça o carácter nacionalista, anti-sionista do Hamas. Isto é sobre terra, aquela terra, não é sobre matar judeus. Quem insiste que o Hamas ataca porque quer matar judeus ilude a questão: o Hamas quer a terra. Toda. Como Israel quer a terra. Toda. Não fará a paz, não dará um Estado aos palestinianos, e os EUA sabem. Paremos com essa conversa.

Haverá paz quando for feita justiça aos palestinianos ao fim de 75 anos. Nunca haverá paz pelas armas.

7. Entretanto, a Palestina é e será uma linha vermelha. A barbárie interpela todo o campo dos direitos humanos, do pós-colonialismo, além das perseguições a judeus, e ao seu auge, o Holocausto. É possível a quem está ligado a isso de alguma forma relativizar ou ignorar o que acontece agora? Um holocausto no sentido mais arcaico e sacrificial da palavra: queimar completamente. Do que se trata, em directo como nunca, é do sacrifício de um povo.

As vidas palestinianas estão a ser sacrificadas à nossa frente.

Guterres tem repetido que a História julgará, além do que os tribunais terão a julgar. Biden, Blinken, Leyen, Scholz, Sunak, não esqueceremos. Idem para os cínicos que os defendem, atacando quem está nas ruas pela vida. A inversão é tal que quem pede o cessar-fogo é acusado de terrorismo. E muita gente fica em silêncio, temendo ser chamada de anti-semita.

Mas quem está na rua já está para lá do cinismo, como o planeta. Do colapso ambiental à barbárie em Gaza.

Só há um lado da vida nesta guerra, que não presta contas a bárbaros, e quem esteve em silêncio está a tempo de se juntar. De vir para a rua contra a morte, pela liberdade.

Em Portugal, será também a mais bela forma de honrar Abril.

Jornalista e escritora, ex-correspondente do PÚBLICO em Jerusalém

https://www.publico.pt/2023/11/18/mundo/opiniao/zapping-holocausto-linha-vermelha-palestina-2070687


quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Carlos Matos Gomes - Os moderados — os bagageiros e os vendedores de banha de cobra dos neoliberais


* Carlos Matos Gomes


Nos próximos tempos vamos ouvir falar muitas vezes de moderados e de radicais extremistas. Convém falarmos acerca das propriedades e dos êxitos dos moderados. Do contributo que deram à humanidade e que pretendem continuar a dar.

Vários livros ao longo dos tempos têm referido a “hora dos lobos” — Um, de Harald Jahner: A Alemanha depois da guerra. Um país em dissolução. Pessoas dispersas, desalojados, ocupantes, culpados. Pilha-se, rouba-se, inventam-se novas identidades. Outro, Alcateia, de Carlos de Oliveira.

Moderado é um título valioso nesta hora de lobos. O moderado é um género de canivete suíço da política ou um daqueles bonés americanos de basebol: one size fits all. Serve a todas as cabeças. Qual é a razão do sucesso dos moderados? O êxito dos moderados é que eles contribuem para a redução do ser humano à condição de animal doméstico, afável, obediente, crente no que lhe é fornecido como alimento espiritual pelos grandes meios de manipulação ao serviço dos poderes de facto, as grandes corporações e os seus clubes. É um ser acrítico e banal. É neste produto devidamente embalado que os políticos moderados propõem transformar os seus eleitores, os seus clientes, em troca de umas promessas de prosperidade quanto baste. O moderado passa a mensagem de que não há alternativa à sujeição, ao destino para garantir a segurança dos eleitores. Prega a imobilidade como a melhor escolha para a salvação. Defende a especulação bancária como o motor da sociedade e do progresso. E exige ética aos outros.

A natureza apresenta vários resultados da moderação, um dos mais conhecidos é o das trilobites, que se extinguiram porque não se movimentaram, não reagiram à mudança da temperatura das águas e fossilizaram. Na Europa, no Ocidente, os políticos moderados condenaram Galileu e Nicolau Copérnico pela heresia de terem afirmado que era a Terra que circulava à volta do Sol. Os moderados defendiam o geocentrismo, uma doutrina com milénios de aceitação. E os moderados também condenaram a teoria da evolução das espécies de Darwin. Na política, ao longo dos séculos e no Ocidente, os moderados defenderam o poder divino dos monarcas, as monarquias absolutas e a hierarquização dos seres humanos em classes e ordens, e os privilégios resultantes do nascimento como naturais. Sempre houve senhores e servos, patrões e empregados, ricos e pobres. A moderação política é um misto de resignação e de imobilismo. Violar esta moderação é colocar em causa a ordem que defendem, de seres superiores e inferiores, de desprezo instintivo por tudo o que lhe parece inferior. Os moderados pretendem a imposição da verdade das massas. A política do moderado é a “política venal.”

A política venal é a que resulta da “venda” de propostas que legitimam o exercício do poder com uma sucessão infinita de regras — o que conduz ao domínio da política pelo aparelho judicial que, na melhor hipótese, aplica as regras/leis de modo mecânico e, no pior, castra a capacidade da política se antecipar a crises e agir no terreno ainda não normalizado. Os moderados retiraram a visão do futuro da área da ação política, reduziram a política à administração de regras, os políticos ao funcionalismo, os povos a utentes e clientes de serviços. Para os moderados o progresso é a alienação através de vários meios, mais importante dos quais é o infoentretenimento, a informação apresentada enquanto espetáculo com um guião e intermezzos com cómicos adaptados das stand up comedies, a cargo de comentadores convidados. Comediantes.

A moderação é sempre apresentada como uma virtude, já na Bíblia a temperança é uma atitude recomendável, mesmo quando parece ser de contestação. Os movimentos populistas e neofascistas que surgem com a bandeira de regeneração e de transformação são na realidade proponentes da restauração de uma velha ordem e não uma nova ordem O nazismo é o caso mais conhecido. Os moderados europeus, em particular as duas grandes potências vencedoras da Grande Guerra, a Inglaterra e a França relacionaram-se com a Alemanha de Hitler através de políticos e políticas moderadas. E foram também os moderados que impuseram a moderação nas relações com os franquistas antes de durante a Guerra Civil. A relação natural dos moderados é como acompanhamento de radicais reacionários!

Os moderados das sociedades ocidentais consideram-se modernos porque entendem que já foi atingido um ponto de equilíbrio nas relações de poder e de direitos do homem. O Fim da História, de Fukuyama, é um manifesto dos moderados. Pelo seu lado, os movimentos restauracionistas agora em expansão no Ocidente, dos Estados Unidos à Austria e à Alemanha, defendem que se ultrapassou a ordem natural, a ordem da superioridade de umas raças sobre outras — por isso são racistas; — defendem a ordem da superioridade natural de uns grupos sociais sobre outros — por isso são elitistas e promovem os governos de ditadura — e entendem que o papel do Estado é impor a Ordem e não a de prestar serviços aos cidadãos — por isso são a favor do reforço de verbas para a “segurança” e a retirada de recursos aos apoios sociais públicos, desde as pensões de reforma ao serviço público de saúde. A conjugação destas duas ideologias, a dos moderados, que entendem já ter sido atingido o máximo de contratualização política e social desejável e a dos restauracionistas, tem como consequência a facilidade com que estabelecem alianças para o exercício do poder: no caso português a questão do PSD é a da aliança com o Chega, que está a ser normalizado e em experiências nos Açores; o mesmo acontece em Espanha entre o PP e o VOX e pela Europa.

Entre os moderados, vindos na sua maioria das sociais-democracias e das democracias cristãs, a ideia base é que com estas duas ideologias se esgotou a “modernidade” iniciada com a Revolução Francesa e com as guerras entre absolutistas e liberais. O pós modernismo dos movimentos radicais a propósito da revisionismo histórico, do acientifismo radical sobre o ambiente, as lutas sobre o género, entre outras, são, na realidade fugas reacionárias contra a mudança indispensável à adaptação das sociedades ocidentais às novas realidades do aparecimento de novos poderes no planeta (os Brics), da necessidade de gestão e partilha de recursos limitados, de novas bases de relacionamento entre civilizações.

O moderado não se quer interveniente nos riscos desta disputa, tal como não esteve interessado na ascensão dos movimentos nazis e fascistas da primeira metade do século XX, nem nos desafios colocados pelo final da Segunda Guerra Mundial, com a divisão do mundo em áreas de influência das superpotências, o desenvolvimento do movimento descolonizador e do sionismo, da implosão da URSS e da necessidade de intervir na substituição do comunismo por uma alternativa viável em termos de justiça social e de partilha de poderes. Os moderados ausentaram-se deste tempo de mudança e estiveram sempre ao lado dos poderes que talharam o mundo, como fiadores sensatos de decisões que contrariavam o senso e o futuro, mas proporcionavam lucros imediatos. Os moderados europeus aceitaram a nova ordem que os colocou de fora das transformações no seu espaço de influência histórico: o Médio Oriente, a Ásia Central e a margem sul do Mediterrâneo.

Os moderados de hoje são os que seguem a tradição de sacristãos dos oficiantes quando apoiam os Estados Unidos na guerra contra a Rússia e a China, e também quando apoiaram os Estados Unidos nas várias guerras no Médio Oriente e na Ásia, Iraque Afeganistão, Siria, Irão, Libano, Egito, Israel. Blair, Aznar, Barroso, Zapatero, Passos Coelho, Mario Draghi, Hollande, Lagarde, Cameron, são exemplos de grandes moderados. Foram os moderados que destruíram a única real mudança na Europa do pós-guerra, a criação da União Europeia com autonomia política e financeira. Os radicais neoliberais ingleses Tatcher e Blair fizeram o trabalho encomendado pelos EUA, os europeus moderados aliaram-se a eles. O resultado da moderação europeia é o que temos: uma União Europeia como estado vassalo dos EUA.

O moderado é um errante politico, um pedaço de cortiça que vai ao ritmo do tempo e é amoral. Para o moderado a liberdade e a justiça dependem da circunstância e da análise que fazem de como o bem e o mal são tidos em conta pela sociedade num dado tempo e deitam contas às vantagens que podem obter situando-se num lado ou noutro.

Resta uma tentativa de justificação para o êxito do político moderado: o seu êxito radica nas suas limitações, de a sua existência se processar entre águas, de ter a vantagem das metamorfoses dos anfíbios, dos sapos e das rãs, de uma vez larva, de outras vezes girino, de outras um produto que respira através de pulmões e coaxa. O êxito do moderado advém da sua adaptabilidade e elasticidade de princípios, de ser programaticamente impotente, mas útil como caucionador de radicais políticas reacionárias. A sua força reside em não se bater por única ideia, mas as credibilizar, porque é um moderado! Vamos vê-los a abençoar vários radicais restauracionistas, vigaristas e vendedores de promessas de pechisbeque.

Vamos ver e ouvir nos ecrãs de televisão muitos comentadores radicais a abençoar e promover moderados nos partidos adversários e a acusar de radicais aqueles que propõem medidas de simples bom senso, mas que não geram acumulação de riqueza e privilégios nos velhos senhores. O moderado é o neoliberal que serve de bagageiro ao radical fascista e lhe vende a banha de cobra sem assustar a clientela.

https://cmatosgomes46.medium.com/os-moderados-os-bagageiros-e-os-vendedores-de-banha-de-cobra-dos-neoliberais-42bc913d591d

Eduardo Galeano - "Quem deu a Israel o direito de negar todos os direitos?"

Eduardo Galeano [*]

Para se justificar, o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe álibis. Tudo indica que essa carnificina de Gaza, que, segundo seus autores, pretende acabar com os terroristas, logrará multiplicá-los. Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito de eleger seus governantes. Quando votam em quem não se deve votar, são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma ratoeira sem saída desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições de 2006. Algo parecido ocorreu em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições em El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e, desde então, viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com nenhuma pontaria sobre as terras que haviam sido palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E, ao desespero, ao ponto mesmo da loucura suicida, é a mãe de todas as bravatas a que nega o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto as muito eficazes guerras de extermínio estão negando, há anos, o direito de existência da Palestina. Já resta pouca Palestina. Israel a está apagando do mapa.

Os colonos invadem e, atrás deles, os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser uma guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel traga outro pedaço da Palestina e os almoços seguem. O devoramento justifica-se pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu e pelo pânico que geram os palestinos que observam.

Israel é um país que jamais cumpre as recomendações e as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que zomba das leis internacionais. É também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros. Quem lhes deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com a qual Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não pode bombardear impunemente o País Basco para acabar com o ETA nem o governo britânico pode arrasar a Irlanda para liquidar com o IRA. Por acaso a tragédia do holocausto implica uma licença de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência imperialista que mais manda e que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?

O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe quem mata. Não mata por erro. Mata para causar horror. Às vítimas civis, chamam de danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez danos colaterais, três são crianças. E somam-se aos milhares os multilados, vítimas da tecnologia de despedaçamento humano que a indústria militar está ensaiando exitosamente nesta operação de limpeza étnica.

E, como sempre, sempre o mesmo em Gaza, cem a um. Para cada cem palestinos mortos, um israelense. Gente perigosa, adverte o outro bombardeio, a cargo dos meios de manipulação de massa, que nos convidam a crer que uma vida israelense vale tanto como cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a crer que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel ou que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada comunidade internacional existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e belicistas? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos se atribuem quando fazem teatro? Ante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial vem à luz uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade.

Ante a tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E, como sempre, os países europeus esfregam as mãos.

A velha Europa, tão capaz de beleza como de perversidade, derrama uma ou outra lágrima enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caça aos judeus sempre foi um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão pagando, com sangue, uma conta alheia.

(Este artigo é dedicado a meus amigos judeus, assassinados pelas ditaduras militares latino-americanas que Israel assessorou)

2012

[*] Escritor, 1940-2015, pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Galeano. Algumas das suas obras podem ser descarregadas em https://resistir.info/livros/livros.html

A tradução encontra-se em

www.novacultura.info/post/2023/11/03/galeano-quem-deu-a-israel-o-direito-de-negar-todos-os-direitos

Este artigo encontra-se em resistir.info

João Miguel Tavares - Como destruir um grande clube de futebol

OPINIÃO

A proposta de alteração dos estatutos resultou das reuniões realizadas pelo conselho superior do clube. Ou seja, é o conselho  que as está a propor aos sócios.

* João Miguel Tavares
16 de Novembro de 2023

Aprende-se muito com as cenas de pancadaria na Assembleia Geral Extraordinária do Futebol Clube do Porto, porque estamos a assistir à lenta destruição da instituição que dominou o futebol português desde a década de 80. O mais curioso é isto: essa destruição acontece não por causa do ódio dos inimigos do FC Porto, mas por causa do excesso de amor dos seus sócios – os sócios do FCP gostam tanto de Jorge Nuno Pinto da Costa que se tornaram cegos a todas as barbaridades que a sua direcção tem vindo a cometer nos últimos anos, e à catástrofe que tem sido a gestão do clube.


Todos os grandes clubes portugueses têm enormes passivos, mas só o FC Porto se encontra em situação de falência técnica. Na diferença entre passivos e activos, o Benfica tem capitais próprios positivos no valor de 113 milhões de euros. O Sporting regressou a terreno positivo na época de 2022/23, com 8,9 milhões. O FC Porto está a anos-luz dos seus rivais: tem capitais negativos no valor de 176 milhões de euros. O resultado agravou-se em 64 milhões apenas na última época.

Em qualquer empresa, um CEO com estes números seria corrido de imediato. No FC Porto, decidiu avançar-se com uma mudança de estatutos que reforça ainda mais os poderes da actual direcção. Centro-me numa única medida, bem elucidativa da deriva para o abismo: a inacreditável possibilidade de os membros dos órgãos sociais do FC Porto passarem a realizar negócios com o próprio clube.

Até agora, esses negócios eram obviamente incompatíveis: um dirigente não pode realizar negócios com a empresa que dirige. Seria bar aberto para todos os abusos e para a transferência de dinheiro em proveito próprio ou da família. No entanto, se os novos estatutos do FC Porto forem aprovados, essa limitação cairá: o negócio passa a ser possível “quando seja do manifesto interesse do clube”, uma formulação de tal maneira subjectiva que praticamente tudo passará a ser permitido.

Mas o mais extraordinário – e o que me levou a escrever este texto – é isto: essa proposta de alteração dos estatutos resultou das reuniões realizadas pelo conselho superior do clube. Ou seja, é o conselho superior que as está a propor aos sócios. E o conselho superior do FC Porto não é um qualquer órgão obscuro – ele é composto por gente mui ilustre da cidade do Porto, e não só.

Na lista dos seus membros efectivos surge, em primeiro lugar, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira. Em terceiro, Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia (agora condenado à perda de mandato por um crime de peculato). Em quarto lugar está o actual líder do PSD, Luís Montenegro. Em quinto lugar, o comentador Pedro Marques Lopes. Em oitavo, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro. E lá para o meio da lista ainda encontramos o deputado do PS Tiago Barbosa Ribeiro.

Estas pessoas não têm com certeza nada que ver com a organização da assembleia geral, nem com a inconcebível utilização da claque dos Super Dragões para intimidar os desgraçados dos sócios que se opõem aos novos estatutos. Mas já que são políticos que andam por aí, e muitos deles vão iniciar em breve uma campanha eleitoral, deviam pronunciar-se publicamente sobre o caso. Será que pessoas como Rui Moreira, Manuel Pizarro ou Luís Montenegro propuseram mesmo aos sócios do FC Porto agravar o nepotismo e a endogamia do clube? Eu não sou sócio da casa, mas sou um eleitor português. Há por aí tantos microfones à disposição – digam-me lá, que quero muito saber.

O autor é colunista do PÚBLICO

Jornalista

https://www.publico.pt/2023/11/16/opiniao/opiniao/destruir-clube-futebol-2070376