2023 novembro
25
O que comemora
quem comemora o 25 de Novembro de 1975 em 2023 e quem o comemora e com que
finalidade?
O 25 de
Novembro tem o «Documento dos Nove» como carta constitucional. Constituiu o
máximo denominador comum das forças que se opunham a uma revolução, no sentido
de rutura com a hierarquia de valores num dado modo de produção,, de
distribuição de riqueza e de representação política . O seu objetivo declarado
foi o estabelecimento da Ordem e Liberdade. Ordem é uma palavra agregadora de
militantes conservadores, avessos a mudanças, a não ser as do tempo. Tal como
Liberdade, quando, como era o caso, surge associada ao perigo da ditadura
comunista. Os conceitos de Ordem e a Liberdade na Quinta da Marinha, nos
arredores de Lisboa e na Foz do Douro, são muito diferentes dos conceitos de
Ordem e Liberdade no bairro de Chelas e da Quinta do Conde, na região de Lisboa,
ou nos bairros das Fontaínhas, ou do Aleixo, no Porto.
A ação militar
do 25 de Novembro é, se analisada à luz crua dos factos, um ataque aos quartéis
da Calçada da Ajuda, a meio quilómetro do Palácio de Belém, realizado por uma
formação de militares contratados para o efeito, veteranos da guerra colonial,
sob o comando direto de Jaime Neves. Entretanto a Força Aérea transferira as
suas aeronaves e pilotos para a base da NATO, na Cortegaça, retirara os
oficiais paraquedistas da sua unidade de Tancos e provocara os seus sargentos
passando-os aos Exército, cortando-lhes o vencimento e a alimentação. Foi assim
criada a causus belli do 25 de Novembro, com a ida de
delegações de sargentos paraquedistas a bases aéreas que não tinham nem aviões
nem pilotos, do mesmo modo que os comandos atacaram uma unidade que se mantinha
no seu quartel, às ordens do Presidente da República, que se encontrava em
Belém, numa situação dúbia de detido à vista, mas formalmente em funções!
Este é um
resumo dos factos, nada de empolgante. Importa perceber o que está por detrás
da aparentemente estapafúrdia proposta do engenheiro Moedas, presidente da
Câmara de Lisboa de celebrar condignamente o 25 de Novembro! Quem impôs a sua
ordem e a sua liberdade e quem lucrou com o 25 de Novembro e tem razões para
celebrar a data. O engenheiro Moedas é, nas palavras de Ricardo Salgado, um
tipo que as personalidades como as do tempo Dono Disto Tudo põem a funcionar
por sua conta. É um homem por conta. Não se lembrou de celebrar o 25 de
Novembro por um arrobo de consciência cívica, para celebrar a Liberdade!
Como dizia José
Silva Carvalho, ministro das finanças de um dos governos saídos da guerra entre
absolutistas e liberais, do vintismo: «Não se consolidam revoluções
políticas sem serem acompanhadas de alterações profundas no estado social, e,
entre os elementos de que este se compõe, o mais importante é a divisão e a
distribuição da propriedade territorial.»
O que estava em
causa em 25 de Novembro de 1975 era exatamente a divisão e a distribuição das
propriedades nas mãos do Estado, resultante da nacionalização da banca em 11 de
Março de 1975, a alavanca em que assenta o poder de determinar a acumulação da
riqueza e a hierarquia social.
O 25 de
Novembro de 1975 e os tempos que se lhe seguiram replicam os processos de
regeneração política, económica e social após períodos de agitação social do
que foi designado por revolução liberal de 1820 e o aproveitamento então feito
por uma nova classe da venda dos bens nacionais resultantes da incorporação dos
bens da Igreja, da família real e parte dos da Coroa, os chamados bens de
mão-morta. Da venda em hasta pública da enorme riqueza móvel e imóvel disse
Alexandre Herculano: «Essa enorme riqueza caiu nas mãos de homens opulentos.
Em muitos casos foi o rico proprietário que conglobou o nos seus extensos
prédios vários prédios nacionais. Assim se anularam os mais importantes
resultados que se deviam ter retirado da reivindicação parcial dos bens da
Coroa para o património público e da extinção das ordens religiosas.» Os
principais beneficiários de transferência da propriedade para os capitalistas
foram nobilitados pelo vintismo — condes, viscondes, barões — que deram origem
à frase de «foge cão que te fazem barão, mas para onde se me fazem visconde»,
aos quais se devem juntar os banqueiros, com a fundação do Banco de Lisboa,
primeiro banco português, em 1821, que se unirá à Companhia Confiança para
fundar o Banco de Portugal, o Banco Comercial do Porto em 1831, a entrada no
negócio da banca de Henrique Burnay, dos irmãos Fonseca, entre outros que
sobreviverão até ao 11 de Março de 1975 e que, com exceção dos Espirito Santo,
desaparecerão às mãos da nova classe que criou os novos bancos… os devoristas
de Novembro, os do Banco Português de Negócios, os que substituíram Cupertino
de Miranda desmembrando o seu Banco Português do Atlântico, o maior banco
comercial português, que apareceram depois do 25 de Novembro à frente dos BPN,
BANIF, BPI, BCP, BPP…
A constelação
de proprietários, bancários e políticos que no século dezanove tomaram o Estado
como um bem particular recebeu o pejorativo nome de Devoristas, cuja definição
reproduzo de um historiador espanhol, por ser mais colorido: «Devorismo (fue
el término peyorativo para describir el régimen político que se estableció en
Portugal después de las Guerras Liberales , particularmente durante el período
del 24 de septiembre de 1834 al 9 de septiembre de 1836… Tenía la intención de
transmitir una sensación de codicia sin principios, por la cual los principales
políticos gastaban fondos públicos en abundancia para asegurar ganancias
personales para ellos o sus asociados. El término fue acuñado después de que se
redactó una ley el 15 de abril de 1835, que preveía la venta de bienes
nacionales y bienes de la Iglesia Católica , y facilitaba su disposición entre
los principales miembros del partido liberal.»
Os promotores
da ideia de celebrar o 25 de Novembro como uma grande data nacional são os
atuais devoristas. Ou são os devoristas do atual regime. Embora os devoristas
do regime se tenham desenvolvido no que tem sido designado o «arco da
governação», eles tipificam particularmente o cavaquismo e a sua fase
ascensional. E têm na maioria o Selo de Garantia do banco Goldman Sachs, caso
de Moedas, mas também de Durão Barroso, ou de Arnault, do falecido António
Borges…
O 25 de
Novembro que os seus herdeiros, ou porta-estandartes, pretendem celebrar é o 25
de Novembro da lei 46/77 de 8 de Julho, que considerava que a iniciativa
económica privada, enquanto instrumento do progresso coletivo e se podia
exercer livremente, nos quadros definidos pela Constituição, pela lei e pelo
Plano, embora ainda vedasse a empresas privadas a atividade bancária e
seguradora, o acesso à produção, transporte e distribuição da energia elétrica
e gás para consumo público, comunicações por via postal, telefónica e
telegráfica, transportes regulares aéreos e ferroviários, exploração de portos
marítimos e aeroportos, indústria de armamento, Indústria de refinação de
petróleos; petroquímica de base; siderurgia; adubos e cimentos. A lei Lei
88-A/97, de 25 de Julho revoga a lei 46/77 e todas as atividades que estavam
vedadas passam a ser passiveis de exploração privada quando concessionadas. A
banca seria desnacionalizada em 1983. Os Devoristas venceram. São hoje
senadores da Nação e os filhos e netos são neoliberais de sucesso na banca e
nos negócios especulativos. Aparecem nas revistas dos famosos e a comentar a
atualidade nas TV’s em lições de catequese para pobres de espirito.
Para os devoristas, Portugal é uma marca (Allgarve) e um mercado. Os cidadãos são consumidores. A coroa de glória dos devoristas do 25 de Novembro são as Parcerias Público-Privadas, não foi o assalto ao quartel da Ajuda. (A imagem é um cartoon de Bordalo Pinheiro)
https://cmatosgomes46.medium.com/os-devoristas-de-novembro-52871481c71d?
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